Mesmo após retorno da geosmina, presidente da Cedae nega crise: ‘Problema de um dia’


Após moradores de pelo menos 24 bairros da Região Metropolitana relatarem alteração no gosto e cheiro da água fornecida em suas casas, o presidente da Cedae, Edes Oliveira afirmou que não há uma nova crise no abastecimento, como ocorreu no ano passado. Segundo ele, dessa vez o episódio é pontual, e o problema, identificado pela própria companhia, já teria sido solucionado. Seguindo o protocolo de emergência, que não foi adotado em 2020, o sistema do Guandu foi paralisado por 10 horas, a partir da noite desta quinta. Mas, apesar das medidas paliativas, o cenário da Bacia Hidrográfica do Guandu segue sem solução definitiva, pois, desde a última crise, nenhuma intervenção de saneamento básico foi realizada e, em todo ano de 2020, apenas 17,5% do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam), que serve para projetos de saneamento, foi aplicado.

Por causa da paralisação do Guandu, o fornecimento de água será totalmente restabelecido apenas no domingo. Oliveira afirmou que a grande maioria dos bairros já estão com água, desde a tarde desta sexta, mas admitiu possibilidade de problemas ainda em regiões de ponta da linha, como Urca, Leme, Santa Teresa e Recreio. Segundo ele, desde a quinta-feira, o gosto da água dentro da estação já não apresentava mais alteração.

— Paralisamos o sistema para evitar o que aconteceu ano passado, que foi o prolongamento da crise, que durou 40 dias ano passado — afirmou Edes Oliveira, que citou a aplicação de argila (uma substância que reduz o fósforo da água e combate proliferação de algas) na lagoa de captação do Guandu, o aperfeiçoamento da aplicação do carvão ativado na estação e do monitoramento de geosmina como outras medidas subsequentes. — Não temos uma nova crise. Tivemos um episódio de um dia apenas e tomamos as medidas necessárias. No dia seguinte já não tinha gosto e odor, hoje não é crise da geosmina, estancamos o problema.

O pescador Vagner Frichs de Souza lamenta a água escura e lamacenta e gigogas, sinais da péssima qualidade da água captada
O pescador Vagner Frichs de Souza lamenta a água escura e lamacenta e gigogas, sinais da péssima qualidade da água captada Foto: Márcia Foletto / Agência O GLOBO

Nesta sexta, uma equipe do Globo percorreu os arredores da Estação do Guandu. Apesar da Lagoa do Guandu, onde é feita a captação, aparentar coloração menos turva que no dia anterior, principalmente em função do escoamento a partir da paralisação do sistema, os rios estavam com a cor preta. No Rio Ipiranga, a cerca de 8 quilômetros da estação, era possível ver despejos de esgoto e muitas gigogas.

Nova promessa de desvio de rios

No ano passado, após a crise, o então governador Wilson Witzel afirmou que o projeto fundamental para a Bacia Hidrográfica do Guandu seria a construção de um dique, que desviaria as águas dos rios Poços, Ipiranga e Queimados, todos altamente poluídos, para depois do ponto de captação da Estação do Guandu. Entretanto, em abril, a Cedae desistiu do projeto, cujos estudos são feitos desde 2004. Além disso, nenhuma intervenção de saneamento básico da região foi licitada ou executada. Agora, o presidente da Cedae disse que a companhia vai retomar a obra de desvio dos rios, bem como terminar projetos executivos para saneamento dos 15 municípios que estão na área da Bacia Hidrográfica. Destes, seis projetos já foram até licitados, há mais de dois anos, mas nunca saíram do papel.

— Independente do saneamento, faremos a obra do desvio dos rios. O projeto se encontrava no Inea para execução, mas houve percalços de recursos. Quando assumi, em novembro, o governador pediu que a obra fosse prioritária. Então trouxemos de volta para a Cedae e fizemos remanejamento orçamentário. Os custos serão de cerca de R$ 98 milhões — afirmou Oliveira, que associou à demora em realizar sistemas de tratamento dos municípios ao leilão da companhia, marcado para o próximo dia 30 de abril, o que paralisou andamento de novas licitações. — Nesse momento estamos em processo de concessão e toda cadeia de tratamento de esgoto passará para a concessionária.

Questionado sobre se o problema dessa semana impactaria na concessão da Cedae, Oliveira negou influência, e destacou que a produção de água continuará com a companhia, já a distribuição será privatizada. Na próxima quarta (27), seis empresas interessadas vão realizar visitas técnicas à Cedae.

Ano passado, o projeto de desvio dos rios foi alvo de questionamentos do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público do Rio (MPRJ), após observação de inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental da obra. Um dos problemas é que os estudos foram feitos, em sua maioria, em 2004, por isso, estariam defasados. Apesar disso, o presidente da Cedae disse que defende a continuidade do mesmo projeto original, pois a realização de mais estudos atrasaria as obras. A sua previsão é que a licitação esteja pronta em seis meses e as intervenções em dois anos.

— Não vamos discutir novas alternativas, não tem mais tempo para discutir. Vamos discutir com o MP e se for necessário complementar alguma coisa, a gente complementa. Todos sabem da necessidade de dar celeridade a esse processo.

O Rio Ipiranga, um dos rios que desaguam na lagoa de captação. Esse rio recebe esgoto de regiões da Baixada e tem a água completamente preta. O local da foto é a cerca de 6km da estação de tratamento
O Rio Ipiranga, um dos rios que desaguam na lagoa de captação. Esse rio recebe esgoto de regiões da Baixada e tem a água completamente preta. O local da foto é a cerca de 6km da estação de tratamento Foto: Márcia Foletto / Agência O GLOBO

O projeto, porém, não éunanimidade entre especialistas. Professor de engenharia ambiental e engenharia sanitária da Uerj, Adacto Ottoni acredita que o túnel previsto, para lançar os rios para depois do ponto de captação, poderia entupir pelo excesso de lixo e revolveria o fundo da Lagoa do Guandu, que é muito poluído. Ele defende, como alternativa, que o desvio seja feito num ponto anterior, distante da lagoa, para uma estação de tratamento.

— O desvio tem que ser logo após os centros urbanos, com comporta para uma estação de tratamento e depois a água volta para o rio. São rios pequenos, então é possível. Foi feito um projeto semelhante em São Paulo, no Rio Pinheiros. É preciso fazer rápido, porque estamos em risco de colapso de água. Desde o ano passado nada foi feito e o problema voltou — explicou o especialista, que, por outro lado, defendeu a necessidade de projetos a longo prazo para saneamento básico. — É preciso fazer rede separadora nas cidades e revegetação da mata ciliar nos rios, mas isso vai demorar 10 anos.

Queda de investimentos

Os projetos de saneamento citados por Edes Oliveira foram desenvolvidos pelo Comitê da Bacia do Guandu. Além do saneamento urbano, nas últimas semanas os pesquisadores finalizaram projetos de saneamento rural para os 15 municípios da região. Atualmente, os projetos básicos estão sendo entregues à prefeitura e o comitê iniciou estudos de dimensionamento, para saber qual a melhor localização para cada estação, ao longo dos rios. Dentro do Plano Estratégico de Recursos Hídricos do Comitê Guandu, as ações par resolver o saneamento custariam cerca de R$2.2 bilhões ao longo de 25 anos.

O comitê recebe repasses do Inea como recursos, a partir das cobranças sobre água bruta. Outra fonte de investimento estadual, dessa vez não associado ao comitê, é o Fecam. Mas, sua aplicação vem minguando. Para 2020, a dotação inicial prevista do fundo era de R$759,5 milhões, mas só foram investidos R$135 milhões (17,5%), sendo que nada destinado ao Guandu, de acordo com o Portal de Transparência do Governo. Dos R$86 milhões investidos em saneamento, a grande parte foi para a Baía de Guanabara.

— Esse dado é inacreditável. Mais uma vez, desviaram recurso que deveria custear pautas ambientais e de saneamento para outros outros projetos do governo — lamentou o deputado estadual, e ambientalista, Carlos Minc (PSB).

Para Ary Girota, funcionário da Cedae e presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento de Niterói, o problema no Guandu é explicado por um conjunto de fatores, que passa pela falta de investimento em saneamento, e falha na fiscalização do Inea sobre despejos irregulares de esgoto. Enquanto isso, os pescadores da Colônia do Guandu lamentam a degradação ambiental da área.
— A cada ano a qualidade da água piora. E a Cedae prometeu diversas obras ano passado, mas fez nada. Só fica jogando argila na água, que não limpa a água e mata os peixes — disse o pescador Vagner de Souza.

Sobre a argila, Edes Oliveira respondeu que o produto foi “avaliado e aprovado” e é utilizado em outros mananciais e lagoas pelo país. Ele ainda citou que, após reuniões promovidas pela fabricante do produto, os pescadores estariam satisfeitos com o resultado. Procurado, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) respondeu que realiza ações regulares contra despejo de esgoto no entorno do Rio Guandu e que, em 2020, efetuou 46 fiscalizações, nove vistorias de monitoramento e 30 inspeções de acompanhamento de licenças ambientais, o que resultou em 34 notificações, 30 autos de constatação e 18 medidas cautelares.





Fonte: G1