‘Local de estudo foi pulverizado’


Foi da noite para o dia que o estudante de mestrado Geovane Souza precisou mudar o tema de sua dissertação. O Museu Nacional, que abrigava fósseis de tinanossauros — sua fonte de trabalho — foi atingido por um incêndio de grandes proporções em 2 de setembro de 2018, que destruiu todo o material de sua pesquisa. Dois anos depois, porém, o paleontologista conseguiu publicar, na revista científica “Peer J”, os resultados do estudo que teve de começar do zero — já quando estava na metade do curso — ainda no final daquele ano da tragédia. Os dados inéditos sobre o verspessauro foram revelados nesta terça-feira, dia 15.

Enquanto os dinossauros primeiramente analisados por Souza eram de grande porte, caracterizados por um longo pescoço e geralmente herbívoros, o objetido de sua pesquisa passou a ser de uma especie com mais semelhanças às aves e animais carnívoros de pequeno porte. O local de habitação de um e de outro também variou. Os fósseis perdidos no incêndio foram encontrados no território que hoje é o Mato Grosso, já os outros estavam no solo do Paraná, daí vem seu nome científico Vespersaurus paranaenses.

— Quando veio o incêndio, eu perdi todo o meu material e meu orientador como já tinha contato com o professor Luiz Weinschütz lá da Universidade do Contestado, onde os fósseis estavam depositados — contou Souza, cuja bolsa de mestrado veio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). — O meu material de estudo veio justamente de outra instituição porque na época do incêndio foi aquela confusão. Não sabíamos o que tinha sobrevivido ao incêndio e a alternativa que meus orientadores acharam melhor era justamente fazer parceria.

Museu Nacional em obras
Museu Nacional em obras Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Souza, que atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Zoologia (PPGZoo), ressaltou que o apoio de pesquisadores de outras instituições foi fundamental para a realização do trabalho.

Quem também lhe ajudou, segundo seu relato, foi a paleontóloga Luciana Carvalho, uma das responsáveis pela conservação de itens do Museu Nacional.

Fêmur do dinossauro Vespersaurus paranaensis
Fêmur do dinossauro Vespersaurus paranaensis Foto: Geovane Souza / Museu Nacional (UFRJ)

— Mesmo depois de que conseguir um novo material para ser alvo da minha dissertação de mestrado, o incêndio ainda atrapalhou bastante a pesquisa porque nosso local de estudo foi pulverizado — afirmou. — Foi muito gratificante ver que a gente estava respaldado. nós alunos ficamos bem desnorteados e a gente viu que várias instituições, vários pesquisadores de outras instituições, nos acolheram muito bem. isso foi uma força na época que motivou a gente.

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Ele contou que Carvalho então lhe ofereceu uma sala no prédio anexo ao museu destruído para que pudesse iniciar as análises do material vindo da região Sul, que era de fósseis coletados em campanhas nos meses de janeiro e fevereiro dos anos 2012, 2013 e 2014.

Atividade de campo em Cruzeiro do Oeste, no Paraná
Atividade de campo em Cruzeiro do Oeste, no Paraná Foto: CENPALEO

— Mesmo assim, boa parte das análises de dados tiveram que ser feitas fora do Museu Nacional — lembrou. — Preparei as amostras em laboratório improvisado e fui para o Instituto de Geologia, na Ilha do Fundão, novamente com parcerias, para terminar, fazendo as análises do microscópio para coletar de fato os dados, fotografar e mensurar a microanatomia.

‘Maior amostragem histológica para um dinossauro brasileiro’

A pesquisa revelou informações da microestrutura óssea que desvendaram mistérios sobre a fisiologia, taxas de crescimento e longevidade do verspessauro, que é considerado de pequeno porte, com 1,50 m de comprimento.

“A qualidade excepcional de preservação e a grande quantidade dos fósseis pertencentes a Vespersaurus permitiram que fosse analisado uma quantidade expressiva de ossos, a maior amostragem histológica para um dinossauro brasileiro até o momento. Isso permitiu que os pesquisadores vislumbrassem um panorama mais completo e confiável sobre como esses animais se desenvolviam, qual eram suas taxas de crescimento e quanto tempo levavam para se tornarem adultos”, explicou Souza em comunicado do Museu Nacional.

Atividade de campo em Cruzeiro do Oeste, no Paraná
Atividade de campo em Cruzeiro do Oeste, no Paraná Foto: CENPALEO

Ao EXTRA, ele explicou que em muitos mamíferos, é comum atingir primeiro a maturidade sexual e só depois atingir a maturidade do crescimento. Mas nos últimos quinze anos, estudos palentológicos mostraram isso também era comum para muitos dinossauros e incomum para muitos animais de “sangue frio”, como tartarugas, répteis, serpentes e cobras, que atingem a maturidade sexual e somática quase ao mesmo tempo.

“Através da contagem das marcas de crescimento contidas nos ossos (semelhantes aos anéis do tronco de uma árvore) apontam que os vesperssauros poderiam viver pouco mais de uma década (13 a 14 anos), mas se tornavam aptos para reprodução (ou seja, atingiriam a maturidade sexual) por volta dos 3 a 5 anos de idade. Isso significa que a maturidade sexual do V. paranaensis ocorreria antes do indivíduo completar seu crescimento”, enfatizou Geovane.

Reconstrução do dinossauro Vespersaurus paranaenses
Reconstrução do dinossauro Vespersaurus paranaenses Foto: Geovane Souza / Museu Nacional (UFRJ)

Ainda não se descarta a possibilidade de que a redução da taxa de crescimento do V. paranaensis seja uma adaptação ao ambiente árido que a espécie habitava. Talvez um crescimento lento seria vantajoso para animais que viviam em ambientes com limitação sazonal na disponibilidade de alimentos, como um deserto.

Para o geólogo Luiz Carlos Weinschütz (CENPALEO/Universidade do Contestado), coordenador dos trabalhos de campo, o dinossauro habitava o entorno de áreas úmidas, possivelmente um oásis, em parte do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, que formavam um grande deserto, chamado Caiuá.

O artigo foi assinado pelos cientistas Alexander Kellner, Arthur Brum, Geovane Souza, Juliana Sayão, Maria Elizabeth Zucolotto e Marina Soares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com Luiz Weinschütz, do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado, em Santa Catarina.





Fonte: G1