jovens negros do Rio e de Nova Iguaçu são aprovados para estudar empreendedorismo em universidade no EUA


RIO — O Brasil está mais que bem representado no hemisfério norte da América. Dois jovens negros, uma da cidade do Rio e outro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foram os únicos brasileiros selecionados para estudar na Babson College, universidade localizada em Massachusetts, nos Estados Unidos. Beatriz Cordeiro, de 18 anos, e Richard Alexandre Santos, de 20, vão cursar a faculdade de empreendedorismo com bolsa integral que custeará os estudos e as despesas pessoais de ambos fora do Brasil.

Beatriz conta que o interesse por estudar fora surgiu após algumas pesquisas na internet durante o Ensino Médio. E para ajudar a cultivar a semente plantada e transformada em sonho, a gonçalense, que há oito anos mora em Copacabana, na Zona Sul do Rio, precisou ter primeiramente outra conquista: uma bolsa de 100% em um cursinho preparatório, destinado exclusivamente a alunos brasileiros que desejam realizar graduação em outro país.

De acordo com ela, os principais atrativos da universidade escolhida é poder aprender a criar e desenvolver negócios que vão impactar a vida das pessoas e ser valorizada não apenas pela sua nota, mas também por tudo o que fez e construiu ao longo da vida.

— O meu sonho é poder empreender, e foquei na Babson College porque aqui no Brasil nenhuma formação é voltada exclusivamente para isso. Além disso, eu sempre ficava muito apreensiva fazendo o Enem, que só levava em consideração a minha nota, e lá não. Lá eu pude mostrar quem é a Beatriz para além das provas — contou.

Richard Alexandre Santos, de 21 anos, irá cursar empreendedorismo na Babson College
Richard Alexandre Santos, de 21 anos, irá cursar empreendedorismo na Babson College Foto: Reprodução

A trajetória de Richard é similar ao da futura companheira de turma. Morador da comunidade de Austin e filho de diarista e mecânico de ar condicionado, o estudante conta que se animou com a possibilidade de estudar fora após assistir uma reportagem e ver que pessoas com a mesma realidade que ele conseguiram ser aprovadas. Segundo ele, graças ao curso preparatório gratuito e a motivação dada pelos pais, que sempre o incentivaram a correr atrás dos estudos, cada etapa do processo seletivo foi vencida.

— No curso, eu não apenas tinha bolsa como a instituição pagava para eu fazer as provas da universidade. Já aqui em casa, foi uma felicidade enorme porque para a nossa realidade era uma coisa inalcançável. Todos os momentos em que eu pensava que não ia conseguir, meus pais me apoiaram — disse ele.

O sistema de ingresso nas universidades americanas funciona de maneira diferente do brasileiro. Além dos vestibulares, é levado em conta toda a bagagem extracurricular dos candidatos e seus engajamentos na área que deseja estudar.

No caso de Beatriz, ao longo do Ensino Médio, a estudante realizou trabalhos voluntários em comunidades e participou de projetos humanitários realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Devido à sua paixão por empreendedorismo, ela também ganhou uma bolsa de estudos para passar um verão estudando sobre negócios em Oxford.

Richard também já teve uma experiência fora do Brasil que impulsionou a conquista da vaga na Babson College. O jovem empreendedor foi bolsista de uma incubadora de negócios no Watson Institute, na cidade do Colorado, nos Estados Unidos. Na ocasião, ele arquitetou a ideia de iniciar um novo projeto: o UP ENGLISH, que visa democratizar o acesso ao aprendizado de inglês a pessoas de baixa renda e de comunidades de todo o Brasil.

Representatividade

A Babson College é a 34ª melhor universidade estadunidense entre um ranking de 50 instituições listadas pela TheBestSchools.org e tem como premissa a seleção de alunos de diferentes raças, credos e culturas. No Brasil, país ainda muito marcado pelo racismo estrutural, ter dois candidatos negros aprovados na instituição vai além diversificar, mas reforça a necessidade de colocar, cada vez mais, pretos no topo, de acordo com Richard.

— Eu enxergo a aprovação de pessoas negras no processo como algo necessário. E eu acho importante eu e a Beatriz usarmos a nossa voz para inspirar outros jovens. Quem vai para o exterior geralmente são jovens brancos e ricos, de famílias privilegiadas, mas eu sinto que tenho a responsabilidade de mostrar que nós também podemos e devemos — aponta.

Para Beatriz, a preocupação com seus traços largos e cabelos cacheados e volumosos ocorreu no começo do processo seletivo. Por já ter sofrido preconceito por ser uma mulher negra, ela disse que pensava em usar maquiagem para afinar o nariz e a boca e alisar o cabelo para realizar as entrevistas com os gestores da faculdade. No entanto, ao perceber que a representatividade era um dos pontos levados em consideração na escolha pelo candidato, ela se permitiu ser quem é e mostrar o orgulho que tem de suas origens.

— Durante a seleção me perguntavam como eu me via, e eu tinha medo de responder que era negra. Eu já recebi muitos comentários sobre meu cabelo, minha boca, e tentava me camuflar em um padrão estético. E muitos jovens negros passam por isso. Mas eu optei por aparecer naturalmente e ser eu. E no final consegui a oportunidade justamente por isso — disse a estudante.

Para os jovens que desejam estudar em outro país os conselhos da futura empreendedora são: promover ações que transformem positivamente vidas e acreditar no poder das características singularidade inerente a cada pessoa.

— Se tem uma vaga e você é uma pessoa, por que essa vaga não poderia ser sua? É preciso acreditar no processo e confiar em você, porque o que eles mais querem é saber quem é você. E foi isso que eu mentalizei no processo, que minha bagagem seria única para a universidade — aconselhou.

Beatriz e Richard embarcam na nova trajetória em agosto deste ano.

*Estagiária sob supervisão de Vera Araújo.





Fonte: G1