Homens se envolvem no triplo de acidentes e morrem quatro vezes mais do que mulheres no trânsito do Rio


A cada 25 minutos, uma pessoa sai ferida de uma ocorrência de trânsito no estado do Rio, sejam colisões ou atropelamentos. E a brutalidade espalhada pelas vias fluminenses é especialmente violenta quando há homens envolvidos: embora representem o dobro dos motoristas habilitados no estado, eles são três vezes mais vítimas de acidentes e morrem quatro vezes mais do que as mulheres nesses episódios. Os números foram obtidos pelo EXTRA na ferramenta ISP-Trânsito, lançada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) esta semana por conta da campanha nacional “Maio amarelo”, que prega uma maior conscientização ao volante.

A plataforma disponibiliza dados referentes ao período entre 2019 e 2021, quando foram computados, na soma do triênio, 63.229 casos de lesão corporal de trânsito culposa, quando o autor do crime não tem a intenção de cometê-lo. Após uma queda expressiva em virtude da pandemia da Covid-19 em 2020, com redução de 37% neste tipo de ocorrência, a estatística voltou a subir no ano passado, passando de 17.381 para 18.220 feridos — uma alta de 4,8%, ainda distante dos 27.628 registros de 2019.

Em 2021, 69,9% dos que sofreram lesão corporal culposa eram homens, contra 28,3% de mulheres. A discrepância é maior nos homicídios culposos de trânsito: 78,5% das vítimas fatais no ano foram masculinas (12.734), e 20,6% (386), femininas. Segundo o Detran-RJ, existem hoje 1,9 milhão de condutoras e cerca de 4 milhões de motoristas homens habilitados no estado, o equivalente a 32% e 68% do total, respectivamente.

— Esses números não diferem do resto do Brasil ou do mundo. Existe uma questão comportamental, já que os homens tendem a ter uma postura mais arriscada na direção, com maior propensão ao perigo, e isso acaba se refletindo nas estatísticas — analisa Roberta Torres, especialista em violência no trânsito e membro do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), uma das entidades promotoras do “Maio amarelo”.

Álcool e direção: crime majoritariamente masculino

Roberta e outros especialistas também apontam motivações culturais para a diferença entre gêneros nos números. Além do maior percentual de motoristas com carteira, é mais frequente, em casais ou famílias com mais de um membro habilitado a dirigir, que o escolhido de praxe para tal seja um homem.

— Nas nossas ações, abordamos muitos casais. Nesses casos, na enorme maioria das vezes, é o homem que está conduzindo o veículo — diz o tenente-coronel Arthur, coordenador operacional da Operação Lei Seca no Rio.

Outro fator de destaque nesta equação é a mistura entre direção e álcool ou drogas, que é gritantemente mais presente entre os homens. Ainda de acordo com o ISP-Trânsito, 1.122 motoristas do gênero masculino foram criminalmente autuados por guiar um veículo embriagado ou sob efeito de entorpecente no ano passado, contra apenas 54 mulheres — um total 20 vezes menor.

O número de flagrantes de direção alcoolizada, contudo, é significativamente maior do que o auferido pela ferramenta do ISP. No ano passado, a Operação Lei Seca multou em quase R$ 3 mil e apreendeu a carteira de 19.952 condutores, numa média de quase 55 casos por dia, mas nem todas as ocorrências geram um registro policial.

Isso só ocorre, conforme apregoa a legislação, quando o bafômetro aponta resultado a partir de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar, ou se o motorista abordado apresentar sinais visíveis de embriaguez, como olhos vermelhos, hálito característico e falta de equilíbrio, por exemplo. Nestas situações, o agente deve decretar a prisão em flagrante, e o envolvido pode pegar uma pena de até três anos de reclusão. Nas outras, a punição é apenas de caráter administrativo.

—Se o cidadão parado não apresenta esses sinais e se recusa a fazer o teste, que é o que acontece em grande parte das abordagens, ele será multado, terá a carteira recolhida e o carro só poderá ser retirado por outro motorista habilitado, mas não há acionamento da polícia — explica o tenente-coronel Arthur.

No ano passado, 13% dos motoristas abordados pela Operação Lei Seca acabaram autuados. Não há, entretanto, estatísticas disponíveis com recortes por gênero.

Avenida Brasil é recordista

A plataforma ISP-Trânsito permite diversas outras análises relativas à violência viária no Rio. Ela mostra, por exemplo, que um menor de idade é ferido ou morto no trânsito a cada oito horas no estado. Ou o que os fins de semana concentram todas as ocorrências mais relevantes, como acidentes, atropelamentos e mortes.

— Nossa equipe passou um mês se debruçando sobre os dados, analisando cada registro de ocorrência. É trabalhoso, mas acreditamos que essa transparência é algo fundamental não só para ajudar a balizar políticas públicas por parte das autoridades, mas também para a sociedade civil de modo geral — relata a diretora-presidente do ISP, Marcela Ortiz.

Outro recurso da ferramenta, que é aberta e deve passar a ser atualizada anualmente, exibe a quantidade de casos por cidade, área e, no que diz respeito à capital, até por rua. Maior via do estado, a Avenida Brasil, com 58 quilômetros de extensão, é a recordista natural em todos os tipos de registro.

Um índice que foi sentido na pele pelo casal Rony Conceição Alcantara, de 39 anos, e Laise Pinto de Melo, de 43. Na noite de 22 de junho do ano passado, enquanto retornavam do trabalho em um hospital particular na Zona Norte — ele é mensageiro de farmácia, e ela, técnica de enfermagem — o ônibus em que os dois estavam bateu justamente na Avenida Brasil, na altura de Bonsucesso. Rony teve uma fratura exposta no joelho esquerdo, e Laise sofreu traumatismo cranioencefálico, chegando a passar três dias no CTI.

— Eu estava dormindo, e o meu marido cochilando ao meu lado. Só lembro do impacto e de ser jogada com muita força para frente, ficou até a marca da minha cabeça no teto — conta ela, ainda às voltas com as consequências econômicas geradas na vida do casal pela violência no trânsito: — Eu ainda voltei a trabalhar em agosto, após um mês afastada pelo INSS, mas ele só conseguiu retornar agora em março, depois de 20 sessões de fisioterapia.
*Estagiária sob supervisão de Vera Araújo





Fonte: G1