febre entre as crianças, brinquedo vira alvo de conservadores por causa das cores que lembram bandeira LGBTQIAP+


Era só um pedido corriqueiro, desses feitos quase diariamente em casas com crianças. Acabou em desavença familiar com fundo ideológico. Há mais ou menos um mês, o barbeiro Rafael (que preferiu não divulgar o sobrenome), de 30 anos, recebeu uma mensagem da filha Manoela, de 7, falando sobre o pop-it, um brinquedo de silicone flexível. A menina estava “doida” para ganhar a novidade, e Rafael correu para comprar um. Escolheu o formato de borboleta, todo colorido. Dias depois, ela avisou que desistiu do presente.

— De repente, ela começou a falar que o pop-it é do diabo, que é para separar a família. Fiquei aterrorizado. A criança é pura, não tem esse tipo de maldade. Ninguém pode ficar colocando isso na mente dela — desabafou Rafael: — É só um brinquedo de plástico que está na moda, para se divertir.

Febre internacional, o pop-it é um tipo de “fidget toy”, ou brinquedo para inquietação, em tradução literal. Estourou durante a pandemia, com a promessa de aliviar o estresse de crianças entediadas e em ensino remoto. Nas últimas semanas, o item se tornou o novo alvo dos conservadores no país. Um pastor publicou um vídeo no YouTube relacionando o pop-it às cores da bandeira LGBTQIAP+ e acusando o movimento de querer destruir a família. Nas redes sociais, outros entusiastas repetiram a associação do brinquedo ao movimento, alguns vídeos tiveram mais de cem mil visualizações. A teoria ganhou eco na internet e também fora dela, como na casa de Manoela. A menina vive com a mãe evangélica em Niterói. Separado e com uma nova família, Rafael mora na Cidade de Deus, no Rio. Depois que Manoela recusou o brinquedo, ele decidiu presentar a filha mais nova:

— Aqui na minha casa não discriminamos ninguém. Cada um vive sua vida como quiser. É uma pena que minha filha cresça aprendendo a odiar o que é diferente.

Antes mesmo de o vídeo do pastor circular, a dona de casa Anete Vieira, de 38 anos, já havia relacionado o brinquedo às cores da bandeira LGBTQIAP+. Mãe de Elias, de 6 anos, e da recém-nascida Adele, ela diz não ver problemas no brinquedo, mas preferiu comprar um de cor única: verde. Adele destacou que o arco-íris tem sete cores e o brinquedo, assim como a bandeira, seis.

— Tenho orientação cristã, então tenho critérios para oferecer brinquedos ao meu filho. Acredito que tudo tem uma teoria, uma ideologia. O pessoal do marketing trabalha em cima dos símbolos, das cores. Se não coaduno com os mesmos ideais, por que apresentar para meu filho?

Pop-it: brinquedo virou polêmica por causa das cores que lembram a bandeira LGBTQIP+
Pop-it: brinquedo virou polêmica por causa das cores que lembram a bandeira LGBTQIP+ Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Fabricante se surpreende com polêmica

Anete vive em Barreiras, na Bahia, e é da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Ela afirma que acredita no casamento entre homem e mulher e diz não querer “trazer esse brinquedo para dentro de casa”. Frequentador da mesma igreja, o fisioterapeuta Anderson Vian, de 33 anos, discorda. Em seu canal bíblico no YouTube, fez um vídeo criticando a fala do pastor. Ele defende que as cores do brinquedo remetem às do arco-íris, uma “aliança que Deus fez com Noé e seu povo para mostrar que não mais acabaria com o mundo por meio de um dilúvio”. Diante da polêmica, explicou o trecho bíblico aos filhos Pietro e Lorenzo, de 6 e 2 anos, e liberou o brinquedo.

Pedro Paulo de Bicalho, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio, afirma que as cores de um brinquedo não modificam a relação de uma criança com ele. E que a faixa etária para a qual o pop-it é dirigido ainda não tem maturidade para distinguir as pessoas pela orientação sexual ou identidade de gênero:

— É mais uma das invenções que tem a ver com negacionismo, com esse momento esquisito que estamos vivendo. Essa é uma faixa etária que ainda não se constituiu a partir da égide do preconceito. Essas pessoas não têm ideia de como uma criança se desenvolve.

A empresa Luka Plásticos, em Valinhos, interior de São Paulo, gaba-se de ser a primeira a lançar a versão brasileira do pop-it e a única a ter o produto com certificação do Inmetro. A empresa já vendeu mais de 200 mil unidades do brinquedo desde agosto e dobrou seu faturamento. O diretor Gonzaga Pontes, de 63, ainda não tinha ouvido sobre a polêmica. Ao ser apresentado à teoria, fez questão de ressaltar que é cristão:

— Isso é besteira. Não vai mudar nada para a gente. Nossa linha de negócio continua: produzir produtos bons.





Fonte: G1