Ex-motorista que fazia vaquinha para ajudar colegas assaltados nos ônibus cria grupo que doa cestas básicas aos rodoviários


Durante dez anos, Carla Farias de Souza, hoje com 37, trabalhou em empresas de ônibus. Começou como cobradora em 2009. Dois anos depois, virou motorista e seguiu no cargo até 2019, quando foi demitida. Nesse período, além de ganhar a alcunha de Carlinha Motorista, passou por seis empresas, sete assaltos a ônibus e adquiriu crises de ansiedade e estresse. Moradora do Vale das Mangueiras, em Belford Roxo, Baixada Fluminense, Carlinha mudou de ramo e virou consultora de seguros de veículos, mas não deixou o passado totalmente para trás.

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Durante a pandemia, foi procurada por colegas rodoviários e iniciou uma campanha para arrecadar alimentos a profissionais que perderam o emprego ou tiveram a cesta básica cortada. Surgiu, então, o Grupo Rodoviários Solidários, uma rede de apoio aos trabalhadores da categoria. Carlinha, sem perceber, virou liderança:

— Os colegas contaram que, além do salário reduzido pela MP 936, cortaram a cesta básica no meio. Começamos, então, a arrecadar alimentos para montar cestas e doar para eles. Ia com meu carro buscar as doações, montava e postava no nosso grupo para eles verem que estava dando resultado.

Com sua Blazer preta, Carlinha sai para mais um dia de doações, na noite da última sexta-feira
Com sua Blazer preta, Carlinha sai para mais um dia de doações, na noite da última sexta-feira Foto: Arquivo pessoal

Motoristas recorreram a Carlinha porque, desde que ela começou a trabalhar na área, já reivindicava melhores condições de trabalho. Em um das empresas, implementou uma vaquinha para ajudar colegas cujos ônibus foram assaltados:

— Tudo que é levado do caixa, o motorista paga. Quando virei motorista, passei a correr lista entre os colegas para arrecadar o dinheiro do caixa.

A atuação de Carlinha também foi juntos aos passageiros. Em um vídeo que viralizou, ela orienta as pessoas sobre como tratar os motoristas.

A Blazer preta é a marca registrada da Carlinha Motorista. É com o veículo, ano 96, que ela busca doações e distribui as cestas. O carro foi comprado há quatro anos.

— Comprei com o 13º salário e o dinheiro que eu estava juntando. Queria um carro grande pela facilidade de dirigir. Saio, levo meus filhos, as namoradas deles… Com o dinheiro que tinha, só deu para comprar ele — lembra.

Carlinha Motorista trabalhou nos ônibus por dez anos e sempre criou iniciativas para apoiar os colegas
Carlinha Motorista trabalhou nos ônibus por dez anos e sempre criou iniciativas para apoiar os colegas Foto: Arquivo pessoal

Na pandemia, foi com a Blazer que Carlinha ajudou mais de 15 famílias, pegando doações na Ceasa:

— Fui com dois vizinhos e pedimos legumes de graças nas lojas. Nas três primeiras semanas, enchi a mala e os bancos do carro.

Mãe de três filhos, de 21, 19 e 16 anos, e casada com um motorista de ônibus demitido na pandemia, Carlinha revela que sente falta de trabalhar nos ônibus. Sua demissão, em 2019, foi depois de ter abandonado um veículo durante uma crise nervosa causada pela agressão de uma passageira.

— Vi que o ônibus não dava mais para mim. Penso em trabalhar com ônibus de turismo ou ambulância — planeja.

O sonho mais real de Carlinha é ver o Rodoviários Solidários crescer e a ação do grupo ir além da doação das cestas básicas.

— Temos ideia de montar uma confecção para rodoviários desempregados e produzir os uniformes das empresas de ônibus — destaca Carlinha.





Fonte: G1