‘Eu sou um anjo da guarda? Não sei’


“Eu sou um anjo da guarda? Não sei. Só fiz a minha parte ajudando. É gratificante saber que mais uma vida veio ao mundo, cheia de saúde, nesse momento tão difícil de pandemia”. A declaração é do taxista Marcelo Fraga da Silva, de 51 anos, que viu sua vida mudar da noite para o dia após socorrer uma mãe em trabalho de parto. A criança acabou nascendo dentro de seu carro, na noite da última segunda-feira. Dois dois dias após o feito, que foi registrado por Marcelo e publicado em uma rede social, o taxista é ovacionado por onde passa, não para de receber ligações e tem concedido entrevistas o todo tempo. Na manhã desta quarta-feira, Marcelo contou ao EXTRA como têm sido as últimas horas após a pequena Nicole vir ao mundo.

— Foi tudo muito rápido. Ali foi uma sensação que não sei explicar. Na verdade, foi um mix de emoções. Nunca tinha feito um parto, sabe? Na verdade ninguém imagina que vai fazer um parto. Agora, o telefone não para de tocar — conta Marcelo, que faz ponto em movimentada rua do Rio Comprido, na Zona Norte do Rio.

Entre uma fala e outra, um telefonema aqui e um pedido de entrevista ali. Para Marcelo, a noite da última segunda era para ser mais um dia normal na sua vida. Após rodar a cidade fazendo corridas, ele tomou o rumo de casa, em Santa Teresa.

Estafani e Nicole: parto dentro de táxi
Estafani e Nicole: parto dentro de táxi Foto: Arquivo pessoal

Pouco depois das 23h, quando se preparava para tomar banho e jantar, Marcelo recebeu a ligação de um amigo pedindo ajuda. Estefani do Nascimento da Conceição, de 16 anos, moradora do Morro dos Prazeres, estava prestes a dar à luz o segundo filho. Ao socorrer Estefani para a Maternidade Escola da UFRJ, em Laranjeiras, Marcelo teve uma supresa, a pequena Nicole, nasceu dentro do seu carro. A cena viralizou nas redes sociais após o taxista contar a história. Nesta quarta-feira, ele esteve na maternidade com o pai da criança. Hoje, o taxista é chamado de “anjo da guarda”.

— A minha rotina é sair de casa às 7h e voltar às 23h. Eu moro em Santa Teresa e eles moram na comunidade dos Prazeres. Naquele dia (segunda-feira), eu cheguei em casa, tirei a minha roupa e estava indo tomar banho. Um amigo, que tem uma lanchonete em frente à casa da família, me ligou desesperado. Ele estava procurando um carro para levar uma mulher até o hospital. Ele disse: ‘Cara, tem uma mulher dando a luz aqui. Vem agora, vem agora’. Eu peguei uma roupa suja no cesto e fui correndo pra lá. Colocamos o casal no carro. Ambos foram no banco de trás — relata Marcelo.

Pai de três filhos, o taxista conta que tudo foi muito rápido. No entanto, os segundos foram eternos, seunfo ele afirmou. Tudo foi registrado e postado no Facebook do profissional do volante. Ele diz que tentou ajudar da melhor forma possível, durante o parto do bebê, porque já havia assistido ao partos dos filhos.

— Foi tudo muito emocionante. Só vivenciando para saber o que aconteceu. Foi um mix de emoção, angústia, aflição e parecia que era uma eternidade, mas tudo foi muito rápido. Não sei o instinto que me deu, mas eu fui instruindo o pai. Eu já havia visto o parto dos meus filhos. E como ele estava fora de si e a mãe gritava muito eu fui orientando. Eu falei para ele ir colocando as mãos para ela não cair, perguntei se o cordão estava no pescoço e logo a Nicole chorou. Eu pensei, graças a Deus e continuei dirigindo. Peguei a contra mão na Rua das Laranjeiras até chegar no hospital. Lá os médicos deram prosseguimento e depois eu vim para casa — lembra Marcelo.

Lembrar-se da corrida incomum ainda emociona Marcelo:

— Nós pegamos a (Rua) Almirante Alexandrino e já estávamos passando o túnel (Rio Comprido-Laranjeiras) para acessar a Rua Alice. Quando estávamos no segundo redutor de velocidade, a mãe começou a gritar, e a Nicole nasce às 23h30m.

Em mais de trinta décadas pelas ruas da cidade é a primeira vez que Marcelo socorre uma mulher em trabalho de parto. No entanto, ele conta que já passou por outras situações tristes e perigosas.

— Foi a primeira vez que participei de um parto. Mas, nesses anos todos, eu já fui sequestrado e duas pessoas não tiveram a mesma felicidade da Nicole e faleceram no meu carro. Esses dois fatos me abalaram muito.

Apaixonado por fotografia, o sonho do taxista é ganhar uma máquina fotográfica profissional. Diariamente, ele gosta de registrar as belezas do estado.

— Eu sou apaixonado por fotografia. Nunca fiz nenhum curso, mas eu tenho um sonho de ser um fotógrafo. Faço minhas fotos com o celular e meus amigos falam que sou bom. Não sei dizer — comentou, modesto.

Taxista Marcelo abraça Alan, pai da pequena Nicole, que nasceu dentro de um carro
Taxista Marcelo abraça Alan, pai da pequena Nicole, que nasceu dentro de um carro Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Convidado para ser padrinho

O pai da criança esteve na porta da maternidade na manhã desta quarta-feira. E ele lembra como tudo aconteceu.

— Não estava marcado para aquele dia. Estava marcado para nascer o próximo mês. Na sexta-feira, ela ainda fez o pré-natal e a médica disse que iria nascer nos primeiros dias de agosto. Foi o dia mais nervoso e mais feliz — lembra Alan Luiz Dias da Silva, de 27, pai da pequena Nicole Isadora do Nascimento Dias da Silva, que nasceu com 3,120 gramas e 48,5 centímetros. Ele convidou o taxista para ser padrinho da filha.

— Pela manhã ela já estava sentindo dores e eu disse que levaria o meu filho para brincar na rua. Ela foi lá e disse que estava sentindo dores. Quando foi as 19h, ela começou a sentir muitas dores. Quando foi as 20h, ela já não aguentava mais. Dei janta para o nosso filho e ela começou a gritar que a bolsa estourou. Eu só consegui pegar a minha carteira e o Nicolas. A Estefani desceu e todo mundo começou a pedir ajuda. Quando eu só escutei que ela estava coroando — lembrou Alan.

— Na metade do caminho a minha filha começou a nascer. E eu comecei a chorar com a minha filha no braço. Eu estava muito nervoso. Não tenho nem palavra para agradecer o que aconteceu. Só tenho que agradecer ao anjo da guarda da Nicole. Só quero que Deus continue abençoando ele.

Sobre o texto que Marcelo postou em rede social, Alan disse que chorou ao ler a mensagem

— Não tem como não se emocionar — completou.

A jovem ficará internada até amanhã. A família diz que elas só não terão alta porque, como foi parto normal, ela terá que ficar na maternidade por dois dias.





Fonte: G1