Estudo da prefeitura conclui que mais da metade dos ônibus do Rio sumiu das ruas


Faça chuva ou faça sol, João Vítor Brum pedala diariamente quase dez quilômetros (ida e volta) pela Estrada da Matriz, da Praça Doutor Capelo Barroso até a estação do BRT Mato Alto, em Guaratiba, na Zona Oeste. A bicicleta foi a solução encontrada para a falta crônica de ônibus que atinge o bairro há mais de um ano. Na estação do Mato Alto, mais um desafio: embarcar em um BRT lotado para ir até o supermercado onde trabalha, na Barra da Tijuca. A escassez de veículos no transporte rodoviário municipal faz da rotina de passageiros de ônibus, como João Vítor, uma maratona diária.

BRT enguiçado perto da estaçãoo Mato Alto
BRT enguiçado perto da estaçãoo Mato Alto Foto: Antonio Scorza / Extra

Estudo desenvolvido pela Secretaria municipal de Transportes identificou, pelos equipamentos de GPS dos ônibus BRT, que apenas 199 veículos (48%) estavam em condições de rodar — contra uma frota estabelecida de 413. Durante a pandemia, os passageiros foram minguando, assim como o número de articulados circulando. Os três corredores (Transoeste, Transcarioca e Transolímpica), que chegaram a transportar 330 mil usuários por dia (entre pagantes e gratuidades) hoje é opção de transporte para 170 mil. Ajudaram a esvaziar o sistema BRT não só a pandemia, mas problemas anteriores à Covid-19, como a concorrência com as vans e o transporte por aplicativos e a redução do número de estações. Hoje, o sistema tem 47 que estão inoperantes, seja por vandalismo ou porque não reabriram depois de fechadas preventivamente devido à pandemia.

Ônibus BRT trafega com tampa do motor aberta no Recreio: falta manutenção
Ônibus BRT trafega com tampa do motor aberta no Recreio: falta manutenção Foto: Antonio Scorza / Extra

Nas linhas convencionais, a situação não é melhor. No mesmo estudo, realizado de 4 a 14 de janeiro, em toda a cidade, onde os ônibus comuns são operados por quatro consórcios, foram localizados 3.020 coletivos, ou só 40% do previsto. A escassez de ônibus é mais crítica na Zona Oeste. Levando-se em conta apenas as linhas comuns, a prefeitura encontrou 532 veículos do consórcio Santa Cruz em circulação. A quantidade equivale a só 27,9% da frota determinada. De 492 linhas acompanhadas, apenas 77 (ou 15,65% do total) cumprem o contrato de concessão, que exige ao menos 80% da frota estipulada em circulação. Um terço das linhas (163) simplesmente não rodou no período do levantamento.

Os ônibus da linha 652 já não circulavam em agosto e agora têm até abril para voltar às ruas
Os ônibus da linha 652 já não circulavam em agosto e agora têm até abril para voltar às ruas Foto: Pedro Teixeira / Extra / 03.08.2020

Moradora do Recreio, a secretária Renata Fernandes, de 46 anos, trabalha na Ilha do Governador. Para chegar ao trabalho, antes da pandemia, ela costumava pegar os BRTs Transoeste e Transcarioca até desembarcar na Ilha do Fundão, onde fazia conexão com um ônibus convencional, gastando apenas R$ 4,05 na ida e depois na volta. Ela reclama que o tempo de espera para conseguir embarcar num ônibus no Fundão para a Ilha e vice-versa aumentou, e a escassez crescente de coletivos tornou a viagem mais cara:

— Hoje, desembolso R$ 13 na ida e R$ 13 na volta, pois pego dois ônibus comuns e um intermunicipal que circula entre a Barra e a Baixada. Antigamente, a viagem até o Fundão levava cerca de 1h20. Mas desisti do BRT porque passei a perder quase três horas: ou demoravam a passar ou quebravam pelo caminho.

O que piora o quadro no transporte público é a falta de atenção às regras sanitárias para conter a Covid-19.

— No BRT, de manhã, viajo imprensada, ao lado de um monte de gente sem máscara. À noite, preciso de outro transporte para chegar em casa. Mas só tem van pirata. Embarco, e seja o que Deus quiser — relata a auxiliar de enfermagem Margarida de Mello, de 47 anos, moradora de Guaratiba, na Zona Oeste.

Prazo para volta às ruas

Após o dia de paralisação dos rodoviários do BRT, o prefeito Eduardo Paes estipulou um prazo de 90 dias para uma solução que contemple os articulados. Em relação às linhas convencionais, a meta é restabelecer, até o fim de abril, a frota original de 40 linhas que circulam hoje com poucos coletivos ou deixaram de rodar. Os trajetos foram selecionados com base nas queixas de usuários. A prefeitura informou que, em março, fará uma pesquisa de demanda nas estações do BRT em atividade para tentar redimensionar a frota.

Os empresários dizem que o setor está no limite, com a queda do volume de passageiros e a concorrência de outros meios de transporte.

— Temos que discutir com a sociedade, o Ministério Público e a prefeitura qual a mobilidade urbana que queremos, quanto isso vai custar e quem vai pagar. Queremos discutir alternativas, revisão das regras do Bilhete Único ou a intensificação da fiscalização contra o transporte clandestino. Com a pandemia, houve uma queda de até 45% na demanda pelo serviço. Isso gerou um desequilíbrio econômico que afetou ainda mais os consórcios — argumenta o porta-voz do sindicato das empresas de ônibus, Rio Ônibus, Paulo Valente, admitindo que hoje o setor está longe de ter a frota definida pela prefeitura.





Fonte: G1