Estudantes vivem espera pelo plano de volta às aulas no Rio; veja como será o retorno em 15 cidades


Enquanto a artesã Juciane Gomes, de 38 anos, tenta trabalhar, seus quatro filhos disputam o único celular da família. Não para estudar, mas para jogar. A única apostila escolar que a mãe conseguiu imprimir durante a pandemia está esquecida em um canto do apartamento, localizado em um condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida, em Santa Cruz. Do outro lado da cidade, em Vigário Geral, a desempregada Leila Oliveira da Silva, de 46 anos, vê sinais de estresse na filha, Júlia, de 7. Nos últimos meses, a pequena passou a trocar o dia pela noite e adquiriu a mania de morder a camisa. Cenas como essas se multiplicam nos lares dos cerca de 641 mil alunos matriculados na rede municipal de ensino. Há nove meses afastados das salas de aula, eles passam a maior parte dos dias em casa, sem ter o que fazer.

— Ela era uma menina expressiva, agora está tímida e quase não interage — lamenta Leila.

O início do ano letivo está marcado para 8 de fevereiro na capital (veja na lista abaixo os planejamentos de outras 15 cidades), mas ainda não há previsão de como ou quando será o retorno das aulas nas escolas do município. O plano de retomada está sendo elaborado a “várias mãos”, segundo o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, pois abrange questões que extrapolam o processo educativo. Além de criar um protocolo sanitário balizado pelas diretrizes da Secretaria municipal de Saúde e do Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19, o secretário pretende ouvir representantes da comunidade escolar antes de apresentar o plano à população. Na semana passada, ele visitou duas Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) e pretende visitar outras três essa semana.

— Calendário letivo é uma coisa e plano de volta às aulas é outra. Estamos construindo esse plano com seriedade científica para garantir um ambiente seguro à comunidade escolar — afirmou Ferreirinha.

Quanto mais o plano demora para sair, mais aumenta a preocupação de Leila com a alfabetização da filha. Juliana ainda estava se ambientando no primeiro ano do ensino fundamental na Escola municipal Presidente Gronchi, em Jardim América, quando começou a pandemia. A mãe chegou a contratar uma explicadora para tentar evitar o atraso, mas não conseguiu continuar pagando.

— Ela estava começando a aprender a ler, mas agora já desaprendeu tudo. Estou pensando no que vou fazer esse ano para ela ser alfabetizada — diz.

Na casa de Juciane, os quatro filhos, todos alunos de escolas municipais de Santa Cruz, até tentaram acompanhar as atividades remotas oferecidas pela prefeitura. Mas o único computador que havia na casa queimou. Ainda que funcionasse, o desempenho dos estudos seria atrapalhado pela má qualidade da internet. Além do atraso nos estudos, outra questão preocupou a artesã: a falta de merenda. Com as aulas suspensas, ela viu o orçamento com alimentação aumentar bruscamente. Após ficar três meses sem receber qualquer auxílio, ela decidiu organizar um protesto na porta da prefeitura, que ficou conhecido como a Passeata das Mães.

— Comecei a ver que muitas mães estavam passando por dificuldades, como eu, então fizemos o protesto. Precisamos repetir mais duas vezes, porque tivemos muitos problemas, e temos até hoje, na distribuição dos cartões de alimentação — conta.

‘Danos irreparáveis’

Em uma carta aberta aos prefeitos eleitos do Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) pediu “prioridade absoluta à educação e à reabertura das escolas”, diante da pandemia. Estudos mostram que as crianças abaixo de 11 anos transmitem muito menos a Covid-19 e que, quando são contaminadas, são assintomáticas ou apresentam um quadro leve. No caso das crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos, o índice de contaminação ainda é menor do que entre adultos, embora bastante acima das crianças menores.

— A escola é um serviço essencial. A gente só deve fechar escolas quando outros serviços e atividades não essenciais estiverem fechadas, e mesmo assim apenas se tiver uma transmissão alta — defende o pediatra Daniel Becker, que é membro do Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19 da prefeitura.

Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva ressalta que a manutenção da suspensão das aulas pode afetar a saúde mental das crianças.

— Há relatos de aumento em geral de quadros de ansiedade e de quadros depressivos. Um ano é tempo demais para uma criança. São perdas irreparáveis — diz.

O planejamento de outras cidades

Belford Roxo: O retorno das aulas está previsto para o início de fevereiro, em caráter de avaliação. A ideia é avaliar o aproveitamento do ensino semipresencial durante a pandemia. Em março as aulas começarão efetivamente, podendo ser presencial ou semipresencial, de acordo com a escolha dos pais. A carga horária poderá ser reduzida e todos os alunos voltarão às aulas ao mesmo tempo. Não haverá rodízio de turmas.

Duque de Caxias: O ano letivo começa em fevereiro, porém, o retorno presencial ocorrerá apenas quando houver autorização dos órgãos competentes. A data e o procedimento para a volta às aulas presenciais estão sendo avaliados para que ocorra de maneira organizada e segura.

Guapimirim: A previsão é de iniciar as aulas em março, adequando tempo o suficiente para a reforma das unidades, regularizar o fornecimento da merenda escolar e insumos, e treinar os profissionais para que estejam preparados para lecionar cumprindo os protocolos e medidas contra o COVID-19. Até semana que vem, o planejamento será concluído.

Itaguaí: O retorno gradativo das atividades presenciais está previsto para fevereiro, desde que obedeça às condições estabelecidas pela Vigilância Sanitária e observe o risco do município em relação à pandemia. Caberá aos pais ou responsáveis legais decidir pelo retorno dos alunos às atividades presenciais nas escolas, mediante a assinatura de termo de consentimento.

Japeri: A prefeitura está fazendo um levantamento acerca das condições estruturais da rede. Somente em posse destes dados, será traçado e divulgado um plano de retomada das aulas.

Magé: O ano letivo de 2020 será concluído de forma remota no período de 1 a 28 de fevereiro. A partir de 1º de março, serão retomadas as atividades presenciais de forma reduzida, sendo optativa para o aluno e resguardando o direito dos professores maiores de 60 anos e com comorbidades. Esse retorno será com redução de 50% da carga horária, com escalonamento de turmas.

Mesquita: O calendário letivo de 2021, prevendo a carga horária obrigatória e com previsão de início de atividades em março, aguarda ainda a análise epidemiológica, necessária para a definição do formato de ensino que será adotado – se será 100% remoto ou híbrido, ou seja, também com atividades presenciais.

Nilópolis: Uma comissão técnica se reunirá na próxima quinta-feira para analisar o quadro epidemiológico dos moradores da cidade em relação ao combate à Covid-19. A partir desse encontro, será definido como será o retorno das aulas para os 13 mil estudantes da rede. Há um plano de retomada que oferece opções de aulas presenciais e atividades remotas ou apenas remotas.

Niterói: Para recuperar o conteúdo do ano de 2020 e garantir o retorno de professores e alunos de forma segura, será criado um gabinete de crise, integrando a educação com outras esferas municipais. O novo ano letivo está previsto para começar em março.

Nova Iguaçu: As aulas da rede municipal só serão retomadas após todos os alunos serem imunizados: “Não é justo que a gente demore mais tempo para vacinar a população. Sem a vacina, não temos condições de retomar as atividades presenciais com segurança”, afirmou o prefeito reeleito, Rogério Lisboa.

Paracambi: Não enviou posicionamento sobre o retorno das aulas.

Queimados: O foco está voltado para o término do ano letivo de 2020. Para o ano letivo de 2021, o planejamento está sendo feito com base em três possibilidades metodológicas, considerando definição dos órgãos de saúde acerca da manutenção dos protocolos de segurança necessários. Inicialmente, em face da situação atual, o planejamento considera a continuidade do modelo remoto.

São Gonçalo: O ano letivo se iniciará no dia 8 de fevereiro de 2021. O retorno não será presencial, as aulas serão ministradas de forma remota, com os professores em home office. Quando o retorno presencial dos alunos e professores for garantido pela Secretaria de Saúde, a Educação adotará um planejamento escalonado e com protocolos seguros.

São João de Meriti: O retorno às aulas seguirá o calendário letivo previsto para o início de fevereiro. Esse retorno está sendo planejado juntamente com a Secretaria municipal de Saúde, a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual. Uma reunião agendada para a próxima sexta-feira irá definir os próximos passos.

Seropédica: Não enviou posicionamento sobre o retorno das aulas.

Renan Ferreirinha é o atual secretário municipal de Educação do Rio
Renan Ferreirinha é o atual secretário municipal de Educação do Rio Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo / 23-09-2020

‘Temos que encarar esse debate’

As escolas municipais foram as primeiras a fechar, no início da pandemia, e ainda não reabriram. O desafio do secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, é reverter esse quadro de forma segura. Confira, a seguir, uma entrevista com o secretário.

Quando as aulas presenciais serão retomadas?

Renan Ferreirinha: Esse é um tema de muita urgência, que a gente precisa tratar com prioridade e com uma discussão racional. Serão levados em consideração quatro aspectos principais: o educacional, pois nossas crianças foram muito impactadas pelo déficit de aprendizagem; o sanitário, que exige um protocolo seguro; o da alimentação escolar; e o aspecto socioemocional.

Qual foi o desempenho do ensino remoto em 2020?

RF: Foi nos passado que em torno de 12% dos alunos (cerca de 77 mil) não tiveram atividade alguma após o fechamento das escolas. Esse número pode ser maior, porque entre os 88% de alunos que acessaram, estão incluídos aqueles que só conseguiram se logar no sistema, mas tiveram problemas para acompanhar as aulas. Em 2021, vamos acompanhar isso com maior profundidade.

A secretaria vai continuar apostando no ensino remoto?

RF: O ensino remoto vai ser crucial para 2021. O plano que queremos apresentar será de retorno gradativo, de acordo com as condições de cada unidade. Pode ser que, no início, umas escolas voltem, outras, não. Por isso, o ensino remoto vai ser importante.

Como está a situação das escolas municipais?

RF: Estamos fazendo um levantamento da infraestrutura de cada uma das nossas 1.543 unidades. Tem problema no telhado? Tem janelas nas salas de aula? Tudo isso faz parte do levantamento para definir o plano de volta às aulas.

Em que etapa está o plano?

RF: O plano está sendo construído a várias mãos, porque envolve outras situações para além da educação. Estamos construindo junto com a Secretaria municipal de Saúde o protocolo sanitário e um plano de contingência integrado, que talvez seja validado em meados de janeiro pelo Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19. Enquanto isso, tenho conversado com a comunidade escolar.

Como avalia a carta da Unicef?

RF: A Unicef faz um questionamento pertinente: que tipo de sociedade é essa, que não prioriza a educação? Não estou dizendo, com isso, que as aulas têm que voltar no dia X ou Y, mas nós temos que encarar esse debate.





Fonte: G1