Especialista em leitura de expressões corporais analisa discurso feito por Witzel para deputados na Alerj


Ansiedade, indignação, impaciência estavam na cara. Na quarta-feira, ao falar virtualmente aos deputados na Assembleia Legislativa do Rio, durante a votação de seu impeachment, o governador afastado Wilson Witzel deu alguns sinais claros do seu estado de espírito. Mas outros, nem tanto. Para entender as oscilações de ânimo de Witzel, que pode ser o primeiro chefe do Executivo estadual a sofrer um impeachment, o especialista em microexpressão facial e linguagem corporal Armando Moucachen de Sant’Anna, a pedido do GLOBO, analisou uma hora de discurso e encontrou também movimentos de cabeça, das mãos e até esgares que denunciavam sentimentos como desprezo e, mesmo diante da situação difícil, de uma certa superioridade do ex-juiz em relação a seus julgadores.

No telão do Palácio Tiradentes, Witzel falou, às vezes, lendo um texto e e, outras vezes, improvisando, principalmente quando citava menções feitas a ele pelos parlamentares pouco antes. Lembrou Tiradentes, Jesus Cristo e até o presidente Fernando Collor que, após denúncias, foi inocentado pelo Supremo.

Desconforto inicial

Formando pelo Paul Ekman Group, na Califórnia, Armando destacou o alto grau de tensão de Witzel nos momentos que antecederam os votos sobre seu destino político:

— Obviamente, vemos uma pessoa nervosa e muito preocupada, e ao mesmo tempo fazendo grande esforço para se mostrar no controle.

O profissional chama atenção para o gestual de Witzel, sobretudo o das mãos que, de acordo com ele, podem indicar, por exemplo, um desejo de afastar os problemas.

— Ele utiliza-se de gestos pontuadores com a mão fechada e dedo em riste. A voz muda de tom várias vezes, indicando uma tensão com o que se diz — analisa.

Momento em que o ombro e o olhar de Witzel mostram que ele recebe um papel, que, de acordo com especialista, usa para disfarçar o nervosismo
Momento em que o ombro e o olhar de Witzel mostram que ele recebe um papel, que, de acordo com especialista, usa para disfarçar o nervosismo Foto: Reprodução

Nos primeiros momentos do discurso, Armando pôde ver em Witzel uma “coreografia” que sugeria um certo desconforto. Aos 50 segundos de fala, ele destaca uma expressão perceptível no olhar e no ombro do governador afastado quando recebeu sutilmente um texto ou documento de alguém. Para Armando, ele passa a ler e tenta passar uma imagem de estava calmo, seguro e no controle das emoções.

Quando Witzel referiu-se ao parlamento, o especialista notou em diversos momentos a microexpressão definida por ele como de desprezo: percebida através de uma leve puxada lateral da boca, como um esgar. Para ele, a grande incidência dessa expressão pode indicar discordância com os parlamentares e até um sentimento de superioridade em relação ao grupo.

A “puxada” na boca se repetiu quando Witzel mencionou o presidente da Casa, André Ceciliano (do PT, que chamou de “senhor presidente”), e quando disse que “ouviu atentamente a todos”. O governador afastado também usou a microexpressão quando disse que sua defesa poderia ser comparada à defesa do Estado Democrático de Direito, o que, de acordo com a análise, sugere a intenção de passar a perspectiva de que, quem não aceitasse sua defesa, estaria contra a democracia, que garante ampla defesa.

‘Desprezo’: expressão definida pelo especialista com o movimento unilateral no canto da boca do governador afastado Foto: Reprodução

Emoção à flor da pele

Curiosamente,o especialista detectou, no começo da fala de Witzel, além de desprezo e medo, uma sugestão de “estranha” felicidade. Isso acontece logo após ele gaguejar ao falar que os amigos estavam “clamando” para que tivesse um julgamento justo.

— Talvez isso (gaguejar) o tenha deixado sem graça e ele tenta se divertir com isso. Chamamos de atitude pacificadora — explicou Armando.

Alegria, medo e desprezo: especialista viu indícios de três microexpressões na mesma fala de Witzel
Alegria, medo e desprezo: especialista viu indícios de três microexpressões na mesma fala de Witzel Foto: Reprodução

O analista também fala sobre a hora em que Witzel afirma aos deputados que “as portas do Palácio Guanabara sempre estiveram abertas a todos”. De acordo com ele, há discordância entre o que o governador afastado fala e o que o seu corpo mostra. Armando afirma que, enquanto Witzel expõe uma frase afirmativa, sua cabeça faz movimentos inconscientes negando o tempo todo o que ele diz. Outro movimento captado pelo especialista, é quando ele ele fecha os olhos, exatamente no momento em que fala a palavra “todos” durante a frase. Segundo ele, isso é analisado como uma tentativa de “não ver o que está dizendo”.

Movimento para frente, para trás, e raiva: Witzel analisado por especialista durante o discurso
Movimento para frente, para trás, e raiva: Witzel analisado por especialista durante o discurso Foto: Reprodução

A raiva e a disposição de enfrentar também aparecem. “Quantos dos senhores, deputados e deputadas, foram investigar as OSs?”, pergunta Witzel na parte final de sua defesa. E termina a frase com cara de raiva. A mesma raiva que surge, quase em forma de fúria, quando Witzel afirma que os deputados “também são omissos”. Armando acha que o gesto parece genuíno porque ele também se inclui como responsável por estar “à flor da emoção”, em que o inconsciente vem à tona.

‘Como se estivesse apertando um botão várias vezes’

Por fim, o especialista Armando Sant’Anna destacou um dos momentos mais polêmicos da fala de Witzel na quarta-feira, que provocou a ira de deputados e reação do presidente André Ceciliano. No momento em que o governador afastado diz a frase “Os senhores e senhoras também são omissos”, Sant’Anna diz que o ex-juiz federal alterna entre expressões de raiva, fúria e advertência. A última, ele diz que é evidenciada por movimentos com o dedo repetidas vezes para baixo.

Witzel
Witzel ‘como se apertasse um botão repetidas vezes’: definição foi usada por especialista para explicar microexpressão de ‘advertência’ Foto: Reprodução

– O movimento de advertência é como se ele estivesse apertando um botão várias vezes. E o que mais chama atenção para mim é a palavra “também”. Dessa forma, ele se coloca como responsável, o que pode ser visto como genuíno, por ele estar “à flor da emoção”. É um momento em que o inconsciente vem à tona.





Fonte: G1