em meio à pandemia, artistas fazem outros malabarismos para sobreviver


Filho de artistas circenses, Thiago Campello, de 33 anos, acabou seguindo o caminho dos pais e, desde os 13 anos, atua como malabarista, no Brasil e no exterior. Agora, por conta da pandemia, o único malabarismo que ele faz é tentar sobreviver. O rapaz trocou o picadeiro por uma moto, mas seu destino não foi o globo da morte e, sim, as ruas de São Gonçalo, onde se vira fazendo entregas para uma lanchonete, como motoboy.

As restrições impostas pelo combate ao novo coronavírus atingiram em cheio os cerca de 30 circos que atuam no estado do Rio. O golpe foi mais duro para os de pequeno e médio portes, que são maioria, levando muitos à lona. A restrição de público (na capital é de 40%) faz com que muitos prefiram permanecer fechados, após a flexibilização, para não terem prejuízos. As apresentações no sistema drive-in, adotada por alguns, também não se mostraram rentáveis. Enquanto isso, artistas se viram como podem. Tem engolidor de fogo que virou pintor de paredes, assistente de mágico e de atirador de facas fazendo bicos como garçonete e diarista. E o palhaço, o que é? Agora é vendedor de vassouras.

— Até então, só tinha trabalhado no circo. Mas veio a pandemia, e parou tudo. Como eu tinha habilitação de moto comecei a rodar com uma da minha mãe. Depois comprei outra melhor e, hoje, essa atividade (motoboy) é a principal. Como malabarista tenho participado de alguns festivais de circo e feito trabalhos esporádicos até em festa de aniversário. E assim a gente vai levando — afirma Thiago, que na semana passada ficou em terceiro lugar na Mostra Competitiva do Circo Crescer e Viver, no Rio, e transformou o prêmio de mil reais em cestas básicas doadas a colegas.

Alberto Raduan está com a família e os funcionários vivendo em trailers, com a estrutura do circo desmontada
Alberto Raduan está com a família e os funcionários vivendo em trailers, com a estrutura do circo desmontada Foto: Roberto Moreyra / Extra

A Lei Aldir Blanc, de socorro ao pessoal do mundo das artes, foi a principal ajuda em tempos de plateias vazias. Segundo a Secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa, o edital Juntos Pelo Circo contemplou 17 companhias com o auxílio de R$ 60 mil para cada uma. Porém, além de não beneficiar todos, os donos de circo alegaram que esse dinheiro, apesar de bem-vindo, só podia ser investido em manutenção e melhorias na estrutura. Teve circo que trocou até a lona velha por uma nova, mas, com as restrições do combate à pandemia, se mantiveram fechados ou desmontados.

— A única fonte de renda do circo é a bilheteria. Se ela fecha não tem como sobreviver. Não vejo luz no fim do túnel. Onde o circo abre o público não vai, com medo da contaminação — aponta Limachem Cherem, diretor da área de circos do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio.

Sem dinheiro do aluguel

O Circo Rhiwany não tem de onde tirar os R$ 35 mil necessários para instalar nova lona. Está montado num terreno cedido pela associação de moradores do bairro Cacuia, em Nova Iguaçu, mas não faz espetáculos. Enquanto isso, seu dono, Kaynã Rhiwany, faz divulgação de loja e recorre a malabares para ganhar alguns trocados na rua. A carência de espaço público para se instalar e a falta de dinheiro para arcar com os aluguéis são dramas para as companhias. O Halley Circus se instalou há cinco semanas na Cidade de Deus, onde mesmo com ingressos a R$ 5 faz espetáculos para menos de 15 pessoas na plateia.

O Circo Raduan chegou em março a Sepetiba, onde a trupe está abrigada em trailers. Na quarta geração de uma família circense, seu proprietário Alberto Júnior, de 31 anos, disse que nunca passou por algo assim:

— Atuo como vendedor e já fiz bicos como servente de pedreiro. O que aparecer a gente faz.

Claudinei Ferreira de Oliveira, de 51 anos, o palhaço Batata, virou vassoureiro. Diariamente, ele sai com o carro do African Circo, do qual é dono, pelas ruas de Casimiro de Abreu vendendo vassouras.

Francis Mantovani nasceu há 28 anos no Circo Tihany e aos 10 estreou. De lá para cá, já trabalhou no Circo Beto Carreiro, fez excursões pela Arábia Saudita e já foi atração do quadro “Se Vira nos 30” do Domingão do Faustão. O acrobata descobriu que a vasta experiência não ajuda:

—A gente nasce no circo, aprende lá o ofício passado de pai para filho. É o que sabemos fazer. Não temos currículo nem carteira assinada para conseguir emprego formal.

O governo estadual informou que apoiou as companhias circenses desde o início da pandemia, com a doação de cestas básicas, o edital Cultura Presente nas Redes e a Lei Aldir Blanc, que incluiu o edital Juntos Pelo Circo. A Secretaria municipal de Cultura informou que o setor foi beneficiado por várias iniciativas e subsídio mensal. Limachem Cherem, do Sated, reconhece os esforços do poder público, mas argumenta que como a pandemia já dura mais de um ano, e as atividades estão restritas, os problemas só crescem.





Fonte: G1