Demitidos da Marcopolo lamentam fim das atividades em Xerém, na próxima sexta-feira


Ao longo de 23 anos, a Rua Pastor Manuel Avelino de Souza, em Xerém, Duque de Caxias, Baixada Fluminense, foi o destino de todas as manhãs do soldador gabariteiro Ernandes Paulo Lima, de 55. O endereço é da unidade da Marcopolo, maior fabricante de ônibus do país, que encerrará suas atividades nesta sexta-feira. Ernandes está entre os mais de 800 empregados da tradicional fábrica da Baixada Fluminense.

— Foi um baque muito grande. Aqui, pude adquirir meu patrimônio: uma boa casa, meu veículo… Para mim, essa empresa é uma vida. Os colegas eram meus irmãos. Vou levá-los no meu coração para sempre. Aprendi muito com eles — lamenta.

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Ernandes conta que as notícias sobre o fechamento da unidade ganharam mais força em julho do ano passado, quando ele viajou para a unidade do Espírito Santo para começar as adaptações:

— A fábrica de lá faz micro-ônibus. Fui para preparar as adaptações para passar a fabricar ônibus urbanos. Então, eu sabia da mudança, mas não acreditava, devido ao resultado da fábrica daqui, sempre fechando no verde e com uma produtividade muito boa.

A unidade de Xerém foi o primeiro emprego de André Barbosa
A unidade de Xerém foi o primeiro emprego de André Barbosa Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

O montador André Barbosa de Oliveira, de 39 anos, também parece não acreditar que a fábrica onde conquistou seu primeiro emprego vai fechar as portas esta semana. Ele fazia parte do pequeno grupo que seria transferido para o Espírito Santo, mas a mudança foi cancelada e ele também foi demitido.

— Estava certo de eu ir, já estava paga a passagem. Pensava em ficar lá por dez anos, até me aposentar. Trabalhei aqui por 19 anos e sete meses, desde que eu tinha 19. Ainda estou perdido — desabafou André.

O pintor plástico Wilson Duarte Melo Gomes, de 32 anos, estava há dez anos e dois meses na fábrica da Marcopolo e conta que o boato sobre o fechamento da unidade já dura alguns anos:

— Desde 2015 esse fantasma de que vai fechar ronda a gente, mas a empresa sempre dava um bom resultado. É a primeira no mercado.

Wilson Duarte acredita no retorno da fábrica
Wilson Duarte acredita no retorno da fábrica Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Wilson tem esperanças de que a fábrica em Xerém retome as atividades no futuro:

— Minha ficha ainda não caiu. São muitos anos dentro dessa empresa. Fazemos planos, temos sonhos. Temos esperança de que a fábrica reabrirá e voltará a funcionar. O futuro a Deus pertence.

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Recentemente, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, afirmou que uma empresa chinesa de ônibus elétricos pode ocupar o espaço.

Em nota, a Prefeitura de Duque de Caxias informou que a área onde está localizada a fábrica de carrocerias Marcopolo, em Xerém, é privada e que não tem informações sobre a ocupação da área por outra empresa.

O último ônibus produzido pela fábrica em Xerém
O último ônibus produzido pela fábrica em Xerém Foto: Reprodução

Início em meio à Segunda Guerra

Governo Getúlio Vargas, 1939. O Brasil se lançava em um grande processo de industrialização. Nesse espírito, o então coronel Antônio Guedes Muniz propôs a construção de uma fábrica de motores de avião. Assim, em 1942, foi fundada a Fábrica Nacional de Motores, em Xerém.

Quando saiu o primeiro avião com motor FNM-Wright, em 1946, a Segunda Guerra já havia acabado e Getúlio fora deposto. O novo presidente, Eurico Gaspar Dutra, mandou suspender a produção. Para salvar a FNM, Muniz (alçado a brigadeiro) pôs a fábrica para fazer até eletrodomésticos. Só em 1949 é que Xerém encontrou seu rumo: foi a primeira empresa a fabricar caminhões no Brasil. Com o golpe militar, o novo governo fez uma intervenção e, em 1968, a velha parceira Alfa Romeo assumiu o controle da FNM.

Em 1977, a fábrica foi vendida à Fiat. Na época, o governador Leonel Brizola salvou da falência a fábrica de carrocerias de ônibus Ciferal, em Ramos. Em 1992, a produção da Ciferal foi transferida para a FNM. Em 2001, a empresa acabou adquirida pela Marcopolo. Agora, virou história.





Fonte: G1