O leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) ocorreu nessa sexta-feira, dia 30. A empresa, responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto da maioria dos municípios do estado do Rio, opera desde 1975 e faz parte da História do saneamento do Rio, que teve início com a chegada dos portugueses ao Brasil.
Mais recursos: Após acordo entre Castro e Paes, concessão da Cedae vai render R$ 55 bilhões aos cofres da prefeitura do Rio
O leilão da Cedae arrecadou, em três dos quatro lotes em disputa, R$ 22,69 bilhões em outorgas. A Aegea, hoje a segunda maior operadora privada do país, é a grande vencedora, tendo levado os blocos 1 e 4. Além da busca por um maior equilíbrio das contas públicas, a proposta de privatização pelo poder estadual também tem por justificativa a correção de problemas históricos do processo de abastecimento de água.
— O abastecimento de água precisou acompanhar a expansão territorial da cidade e, como podemos ver hoje, seu processo não planejado e desordenado fez com que nossa rede ainda não consiga atender a todos os cidadãos — explica a vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Luciana Mayrink.
Confira a história do abastecimento de água no Rio, desde 1500 até o leilão de privatização da Cedae.
1500 – 1800
‘Lagoa de água ruim’ e a construção do Aqueduto da Carioca
A história do abastecimento de água no Rio de Janeiro começa com a “lagoa de água ruim” — como era conhecida, por volta de 1565, a única fonte da cidade. A lagoa era localizada entre a Urca e o Pão de Açúcar. Cerca de 50 anos depois, ocorreram as primeiras obras de ampliação do sistema de abastecimento, em 1617, por iniciativa do governador Rui Vaz Pinto.
Homicídio: Pequena Ketelen passou três meses trancada em quarto
Segundo Luciana Mayrink, o primeiro poço foi aberto pelos portugueses, próximo ao Morro Cara de Cão, logo após a que chegaram ao Rio, mas a água ofertada era inadequada ao consumo humano, e a dificuldade de alcançar profundidades maiores fez com que os habitantes descessem as ladeiras buscando as águas do rio Carioca.
No entanto, apenas no ano de 1673 é que teve início o processo de encanamento das águas do rio Carioca para a região central da cidade. A distribuição, naquela época, acontecia por meio de bicas de água, aquedutos e fontes.
Um dos mais famosos, o Aqueduto da Carioca — conhecido atualmente pelos Arcos da Lapa — foi construído em 1723 e trazia água do alto de Santa Teresa. Com a poluição do Rio Carioca, a alternativa foi encontrar novos meios de abastecimento de água, o que favoreceu intensamente o crescimento da cidade.
— Havia um chafariz onde os escravos recolhiam a água e levavam para a casa de seus senhores. O desenvolvimento a partir destes momentos históricos se encadearam a partir da necessidade da população e crescimento da cidade — explicou Luciana.
Criminalidade no Rio: Homicídios caem ao menor patamar desde 1991, mas mortes pela polícia têm o pior primeiro trimestre da História
1800 – 1900
Chegada da água aos domicílios e primórdios do tratamento de esgoto
O serviço de limpeza das casas da cidade do Rio de Janeiro e do esgoto das águas pluviais teve início no ano de 1853, por meio da Lei Nº 719, sob o governo de Dom Pedro II. Após quatro anos, com assinatura de João Frederico Russel e Joaquim Pereira de Vianna de Lima Junior, o Decreto Nº 1929 aprovou o contrato para esgotamento das ruas e prédios da região central da cidade.
Pandemia: ONG realiza protesto em Copacabana pelos 400 mil mortos por Covid-19 no país
O contrato aprovado pelo cecreto admitiu a constituição de uma empresa com capitais ingleses: era a The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited. Em maio de 1863, o contrato de Russel e Lima Júnior foi transferido para a City, como ficou conhecida posteriormente. O segundo Contrato de Esgotos foi concedido à City no ano de 1875.
Segundo Luciana, pesquisadora dos temas ‘forma urbana’ e ‘drenagem’, as medidas de tratamento de esgotos tiveram início anteriormente, quando eram armazenados em pequenos cômodos de madeiras nos quintais e transportados por escravos, à noite.
De acordo com a urbanista, o aumento populacional e a expansão da cidade no século XIX geraram a necessidade de água para a sobrevivência.
UTI: Média móvel de mortes apresenta estabilidade no Rio, mas 14 cidades não têm mais vagas
— No ano de 1876, o Governo Imperial iniciou a construção da rede de abastecimento de água em domicílio. Inicialmente, algumas dezenas de mananciais locais foram aproveitados. Alguns desses mananciais atendiam a poucos moradores, que se localizavam próximos ao ponto de captação — explicou a arquiteta.
A iniciativa tornava possível a abolição das bicas e barris. Também nessa época, começou a se considerar a medição da água.
No ano de 1890 — já na era republicana — sob o governo de Marechal Deodoro, foi assinado um terceiro contrato e os bairros do Jardim Botânico, Gávea, parte do Andaraí, Engenho Novo e Engenho de Dentro passaram por esgotamento.
Na mesma época, em 1892, foi iniciada a captação de água para a região de Niterói. Os primeiros registros de instalação de hidrômetros são do ano de 1898. A instalação foi autorizada pela Lei 489, de 15 de dezembro de 1897 e pelo Decreto 2794.
1900 – 1961
Manancial do Rio Guandu e construção da primeira Estação de Tratamento de Esgotos
Somente no século XX, em 1911, um acordo entre a City e o Governo Federal fez com que a empresa recebesse despejos industriais em sua rede.
A primeira Estação de Tratamento de Esgotos construída foi a da Penha, no ano de 1940. No mesmo ano, foram construídas a primeira adutora de Ribeirão das Lajes e a segunda adutora da Usina de Fontes Velhas, da Light, que proporcionaram uma vazão de 5100 litros por segundo a mais para o Rio de Janeiro. Em 1951, houve a escolha do Rio Guandu como manancial para suprir as necessidades de água até o ano de 1970. A capacidade oferecida seria de 1,2 milhões de litros por dia.
Em 1947, a City teve seus serviços e funcionários incorporados ao Departamento de Águas e Esgotos (DAE). Ali foi constituído o Serviço de Esgotos, que abrangia toda a área esgotada da cidade do Rio. Enquanto isso, quatro anos depois, houve a escolha do Rio Guandu como manancial para suprir necessidades de água até o ano de 1970.
O Serviço de Esgotos foi extinto em 1954, e teve suas funções transferidas para a 4ª Divisão do DAE. No entanto, em novembro de 1957, foi criada a Superintendência de Urbanização e Saneamento (Sursan), que absorveu todo o acervo e encargos de esgotos sanitários do Departamento de Águas e Esgotos, sendo passados, então, ao Departamento de Esgotos Sanitários (DES). Em 1961, o Departamento de Águas também foi incorporado à Sursan, após uma ocorrência na Elevatória da antiga adutora do Guandu.
Onze anos mais tarde, o Governo do Estado foi autorizado a criar a Esag — Empresa de Saneamento da Guanabara — responsável pela administração dos serviços de esgotos sanitários, além do combate aos mosquitos no Estado da Guanabara.
1961 – 1975
Fusão das empresas de saneamento e criação da Cedae
A princípio, em 1966, foi criada a Companhia Estadual de Águas da Guanabara (Cedag). Reservatórios foram remodelados, tubulações foram substituídas e, além disso, foi elaborado um cadastro próprio de consumidores. Computadores com tecnologia mais avançada foram incorporados e, na mesma época, houve a implementação da telemetria no controle do sistema adutor.
Quase uma década mais tarde, em 1º de agosto de 1975, uma nova mudança no mapa político tornaria Guanabara e Rio de Janeiro um só Estado, como é até hoje. A fusão determinou a integração das empresas de saneamento dos dois lados, unindo a Empresa de Águas do Estado da Guanabara (Cedag), da Empresa de Saneamento da Guanabara (Esag) e da Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (Sanerj), esta última a responsável pelos serviços de água e esgotos do território fluminense. Assim nasceu a Cedae.
1975 – atualmente
Expansão e tentativas de privatização
Dos anos 1990 até os dias atuais, houve diversas tentativas que buscavam privatizar a companhia como uma saída para equilibrar as contas do estado. Em 1998, o então governador Marcello Alencar chegou perto de concluir o processo, mas foi impedido pela Justiça.
Segundo Luciana Mayrink, o abastecimento de água não acompanhou o acelerado processo de urbanização da cidade em pontos específicos da história, o que acarretou em problemas que persistem até hoje.
— Não é feito de maneira correta, há falhas nas instalações, e a falta de fiscalização e de trabalho efetivo faz com que a população necessite fazer suas próprias ligações ilegais na rede existente, comprometendo o abastecimento e qualidade da água de muitas outras áreas — comentou.
Desde o segundo semestre de 2011, toda a administração da empresa (antes instalada em três prédios distintos) está centralizada no Edifício Cedae, na Cidade Nova. Atualmente, a empresa é responsável pelo abastecimento de água da maior parte dos municípios do estado do Rio.
Fonte: G1