Considerado esporte de elite, tênis ganha espaço no Complexo do Alemão


Com raquetes e bolas encontradas no lixo e doadas, rede de segunda mão, uma quadra adaptada e buscando alunos em casa. Assim nasceu, no começo do ano, o Favela Tênis. O projeto idealizado por dois moradores do Complexo do Alemão quer mostrar que essa modalidade esportiva, considerada elitista por conta do alto custo do material utilizado no jogo, pode ser praticada também por moradores das comunidades. A iniciativa segue os passos da escolinha de tênis mantida na Rocinha há seis anos pelo ex-tenista Fabiano de Paula, de 32 anos, um exemplo de talento que saiu da favela para as quadras. Os dois projetos são apoiados pelo Fundetennis, o Fundo de Desenvolvimento do Tennis no Brasil, idealizado pelo ex-atleta Artur Ricardo Costa para popularizar o esporte entre as camadas mais pobres.

— O que era a nossa pedra do caminho a gente usou como degrau. Vamos dinamitar essa barreira e vai ser justamente a nossa bandeira mostrar que o tênis é acessível a todos — defende o estudante de administração, Leandro Pancote, de 29 anos, que junto com estudante de educação física, Ruan Melo, de 26, idealizou e dá aulas no Favela Tênis.

Alto custo é barreira

O alto custo do material é uma barreira para os jovens jogadores
O alto custo do material é uma barreira para os jovens jogadores Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

A barreira, no caso, é o alto custo do material. Uma boa raquete, por exemplo, pode custar mais de R$ 2 mil, sem contar que a prática exige uma quadra adequada. Mas nada disso foi empecilho para os dois amigos, moradores no Alemão, que até pouco mais de um ano tinham pouca prática com a raquete, mas eram fãs do esporte que esteve em alta no país no começo dos anos 2000, quando o ex-tenista Gustavo Kuerten chegou ao auge de sua carreira derrotando grandes campeões e se consagrando como o número um do tênis mundial.

— Muita gente nas comunidades vê o tênis como um esporte de elite e caro. Ainda tem o preconceito dos que acham que é coisa para mulher. Já os mais novos nem sabem direito o que é esse esporte porque os campeonatos não são mostrados na TV aberta. Na época do Guga era diferente — aponta Ruan, que na infância acompanhou a ascensão do brasileiro pela televisão e se tornou fã do esporte da raquete e das bolinhas, assim como Leandro.

Sem condições de praticar, por não ter quadra perto de casa e pelo alto custo, o rapaz se contentava em jogar tênis pelo videogame. Quando entrou na faculdade de educação física achou que teria mais contato com o esporte, mas a proximidade se limitou a duas aulas. A oportunidade surgiu, finalmente, no ano passado, quando foi convidado para praticar no projeto mantido por Arthur, em Pilares, que abriu vagas para o pessoal da área de saúde e da educação física.

Leandro também tinha passado por lá e os dois aproveitaram para, movidos pelo amor ao tênis, unir esforços e levar essa paixão a outros moradores da comunidade. Sem recursos, começaram a pedir doações nas redes sociais, foram ajudados pelo Fundetennis, que doou 16 raquetes e mais de 200 bolas, além de oferecer capacitação para os dois darem aula. O projeto da Rocinha também contribuiu. Mas faltava o principal: o espaço para receber os alunos. O jeito foi apelar para a Vila Olímpica local que cedeu alguns horários ociosos em dois dias da semana (terças e quintas-feiras), nos fins de noite, e aos sábados, no fim da tarde.

O passo o seguinte foi ir atrás dos alunos, que mesmo com aulas gratuitas e sem necessidade de ter raquete demonstraram pouco interesse por um esporte que não era popular entre os moradores do Alemão. O jeito foi correr de casa em casa e começar fisgando vizinhos e amigos da dupla. O projeto que começou com cinco alunos hoje tem mais de 40, entre crianças, adolescentes e adultos e a procura não para. O que falta é espaço para receber os novos interessados. Um primeiro dos fisgados foi Leandro Souza Alencar Júnior, de 18 anos.

— O professor é meu vizinho e sempre me chamava. No começo não tinha muito interesse, mas depois que comecei a praticar acabei me apaixonando e agora penso investir no tênis e, quem sabe virar, atleta — vislumbra o jovem, que durante o dia dá expediente como vendedor num quiosque na Praia da Macumba, na Zona Oeste do Rio.

Os idealizadores não botaram o nome da comunidade onde nasceram na iniciativa e batizá-lo de Favela Tênis já sonhando ampliá-lo para outros locais. Outro sonho acalentado pelos amigos é conseguir uma quadra própria e mais adequada para a prática do esporte. Para isso contam com ajuda do Poder Público ou de patrocinadores. Mas se o apoio não vier eles não pensam em desistir.





Fonte: G1