chuvas fortes expõem problema crônico de diferentes pontos da cidade


As chuvas de 30 de abril, que nem foram das mais fortes, evidenciaram um problema crônico no Rio: a ineficiência no escoamento das águas. E, mais uma vez, os mais prejudicados foram aqueles que moram em regiões próximas a rios, canais e valões. Houve transbordamento em regiões das zonas Sul, Norte e Oeste, expondo a histórica falta de cuidado com os cursos d’água pelas particularidades de cada região. No Jardim Botânico e no Catete, motoristas e pedestres chegaram a ficar ilhados, mas a situação foi mais grave em locais como Jardim Maravilha e Acari, onde a água poluída dos rios invadiu a casa de moradores, que perderam móveis e eletrodomésticos e ficaram expostos a doenças.

Na Zona Norte, bairros como Acari, Parque Colúmbia, Coelho Neto e Fazenda Botafogo sofreram com a grande vazão de água do Rio Acari, que transbordou e alagou ruas e casas. Tomadas pela água poluída do rio, vias do entorno ainda cheiravam a esgoto e estavam cheias de lama seis dias depois da chuva. Em razão do alagamento, um ônibus ficou preso na ponte que liga a região ao Morro da Pedreira, e o Hospital municipal Ronaldo Gazolla foi invadido pelas águas.

Estragos permanentes

Uma das casas atingidas pelas chuvas foi a de Renata Rollemberg, em Fazenda Botafogo. A força da água foi tanta que de nada adiantou a válvula de retenção que ela instalou na tubulação de esgoto. Nascida e criada na Rua Vitor Frond, ela conta que ver a casa sendo invadida pela água suja se tornou rotina em dias de chuva forte: as paredes estão cheias de infiltrações, problema que prejudicou a saúde dos filhos pequenos. Na sexta-feira, a região ainda continuava cheia de lama.

— Enquanto chovia, começou a sair água suja pelo ralo da cozinha, que se espalhou pela casa inteira e chegou à altura da minha panturrilha. Foram cinco horas com a casa inundada. Numa chuva em janeiro, minha casa também alagou, e minha geladeira chegou a virar. Perdi uma estante, uma cama e todas as portas de madeira. Estamos sem porta em casa — relata a moradora de 41 anos.

Osvaldo Rezende, especialista em recursos hídricos e professor da Escola Politécnica da UFRJ, afirma que a bacia hidrográfica do Rio Acari é uma das que concentram maior população vulnerável em toda a cidade. Em termos geográficos, ela é muito parecida com a do Rio Piraquê-Cabuçu, que extravasa no Jardim Maravilha, loteamento em Guaratiba: tem uma encosta muito íngreme e chega numa grande planície, onde a água desce rapidamente até chegar a uma superfície plana. Ele explica que a diferença é que o Rio Acari corta uma área urbana muito densa, enquanto boa parte do Cabuçu segue seu curso em regiões de vegetação e, antes de desaguar em Sepetiba, acaba atingindo em cheio o Jardim Maravilha, onde também vive uma população de baixa renda.

— A gente tem a percepção de que as bacias do Rio Cabuçu-Piraquê e do Acari inundam mais que as outras porque as consequências socioeconômicas dessas inundações são mais graves. Mas há rios escondidos sob o asfalto que transbordam muito mas ninguém vê: quando chove, o Rio Carioca, que desce por Laranjeiras e deságua no Flamengo, recebe um volume grande de água de uma bacia muito íngreme, que desce rápido numa galeria subterrânea de apenas 1,8 metro. É um espaço muito pequeno para a vazão do rio, e isso se reflete na água que extravasa e desce pelo asfalto das ruas Cosme Velho e das Laranjeiras quando chove — detalha.

Mais de um dia para escoar

O Jardim Maravilha, que tem sucessivos alagamentos, também sofreu com as chuvas do dia 30. Parte do loteamento se encontra na mancha de inundação do Rio Cabuçu-Piraquê, não permitindo o escoamento das águas mesmo quando o rio não enche. Cobras, ratos e lacraias invadiram as casas dos moradores, que precisaram conviver com o lamaçal de esgoto misturado com lixo pelas ruas.

Rosilda Oliveira mora há 22 anos na Rua Vila Glória, no Jardim Maravilha: água dentro de casa chegou a um metro de altura
Rosilda Oliveira mora há 22 anos na Rua Vila Glória, no Jardim Maravilha: água dentro de casa chegou a um metro de altura Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Rosilda Oliveira mora há 22 anos na Rua Vila Glória, no Jardim Maravilha. Ela conta que após os estragos causados pela chuva do dia 30, pensa em se mudar — dentro de casa, a altura da água, que demorou mais de um dia para escoar, chegou a um metro.

— A água entrou e invadiu todas as casas. Coitada da minha, de tanto passar por isso, já está a coisa mais feia do mundo — lamenta a moradora, que precisou se abrigar no segundo andar da casa da filha.

Osvaldo Rezende diz que a situação no Jardim Maravilha ainda pode ser parcialmente revertida, uma vez que, no local, “ainda há espaço para macrodrenagem e soluções modernas como jardins de chuva e tetos verdes”, ao contrário da comunidade da Muzema, que é atingida pelas cheias do Rio das Pedras e é considerada sem solução pelo especialista:

— A região da Muzema não tem solução, é muito grave. É uma área muito, muito baixa e muito plana, com ocupações no nível do mangue que existia ali e ao lado de uma lagoa. O solo também é muito mole, então as casas tendem a afundar com o tempo. Uma parte do Rio das Pedras é canalizada pelas próprias construções. É uma combinação de fatores que torna o local totalmente inviável para moradia. É necessária a realocação daquela população para um lugar seguro.

Medidas da Fundação Rio-Águas

A Fundação Rio-Águas, vinculada à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, diz que está desenvolvendo um projeto de ações de infraestrutura para o Jardim Maravilha. As obras vão abranger dois milhões de metros quadrados, beneficiando mais de 22 mil moradores.

No Rio das Pedras, a Fundação Rio-Águas atua, no momento, na limpeza e desassoreamento do rio, em quase toda a sua extensão.

Para diminuir os alagamentos da Muzema, a Rio-Águas desenvolveu projeto em conjunto com a Secretaria de Infraestrutura, a ser implantado na Avenida Engenheiro Souza Filho, nos limites da comunidade de Rio das Pedras.

Para o Rio Acari, a Fundação afirma que trabalha na estimativa de custos para a limpeza e desassoreamento dos trechos 1,2, 3, que beneficiarão diretamente a região de Acari e Fazenda Botafogo.

O projeto para estudar as soluções de drenagem para os alagamentos da Rua do Catete e adjacências está em andamento, e os estudos têm conclusão prevista para o segundo semestre.

Na Bacia do Canal do Mangue, a Rio-Águas mantém em operação os reservatórios de controle de enchentes da Grande Tijuca, nas praças da Bandeira, Varnhagen e Niterói.

Para a Grande Tijuca, a Rio-Águas revisa estudos de ações para melhorar o escoamento das águas pluviais na região e tem como ação prioritária o estudo de construção de um desvio no Rio Maracanã para o desvio do Rio Joana, a fim de que os excedentes de água que chegam ao Rio Maracanã passem a desaguar diretamente na Baía de Guanabara





Fonte: G1