Centro do Rio tem mais de 500 imóveis em estado de conservação ruim ou em ruínas


RIO – De um lado da Praça Tiradentes, o velho Hotel Paris, em estilo neoclássico, sucumbe ao abandono, apesar de promessas recentes para transformá-lo num cinco estrelas. Do outro, só restou a fachada do sobrado que, antes da pandemia, era palco de festas, sob o sugestivo nome de “Espaço Ruínas”. São exemplos de uma negligência com o patrimônio que se espalha pelos quatro cantos do Centro do Rio, onde estão os 504 imóveis com estado de conservação “ruim” ou em “ruína”, segundo o mapeamento do Programa Centro Para Todos.

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É um problema quase crônico que está na mira do projeto Reviver Centro — projeto da prefeitura para revitalização do Centro, com incentivos à moradia — e que também suscita propostas do IAB-RJ e do CAU-RJ para aperfeiçoamento dos mecanismos propostos pela administração municipal. Numa região em que muitos desses prédios ajudam a contar a História do Rio e do Brasil, as entidades pedem que o município apresente um inventário arquitetônico detalhado daqueles que são listados como protegidos, assim como defendem que Iphan e Inepac participem da elaboração desse documento.

No levantamento já feito no município, que analisa tanto construções históricas quanto as mais recentes, a lista das que estão em pior situação tem 340 imóveis cuja tipologia predominante é a de sobrado, como os tantos que se veem em áreas como a Lapa e o entorno da Praça da Cruz Vermelha, às vezes contrastando com vizinhos bem preservados que viraram bares, restaurantes e hotéis. Há ainda há 93 prédios, 21 lojas, 15 casas, 13 palacetes ou casarões e 11 galpões/telheiros. Além disso, seis construções são consideradas de arquitetura icônica, sendo cinco delas igrejas, quatro são vilas e um terreno tem apenas resquícios de um sobrado.

Com dados de campo coletados entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018, nele foram abarcados todos os imóveis que tinham uma numeração, não avaliando individualmente salas, apartamentos ou casas de vila, por exemplo. No fim, as informações geraram um mapa feito por meio das grades estatísticas do IBGE, metodologia que permite preservar o sigilo da localização exata de cada construção.

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No entanto, basta circular pelas regiões do Centro demarcadas para se deparar com o flagrante abandono. Na Rua do Passeio, um dos casos mais emblemáticos é do prédio tombado do Automóvel Clube do Brasil, projetado inicialmente como residência em meados do século XIX e reformado em 1854, pelo arquiteto Luís Hoske, que deu ao lugar as linhas neoclássicas que tem hoje. A beleza da construção ainda se evidencia, porém, a cada dia mais ofuscada: parte do teto já despencou e são constantes as invasões de moradores de rua.

Edifício na esquina da Rua Visconde do Rio Branco com a Praça da República
Edifício na esquina da Rua Visconde do Rio Branco com a Praça da República Foto: Guito Moreto / Agencia O Globo

— É uma questão sistêmica, que tem a ver com o padrão de crescimento da cidade, privilegiando a expansão urbana em vez da manutenção das áreas centrais — diz o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, apontando mais dois fenômenos que resultaram nesse cenário atual. — Está relacionado também com o fato de a dinâmica imobiliária só entender o Centro como lugar de comércio e serviços, atividades muito vinculadas à economia, o que acaba colocando esses imóveis sempre em compasso de espera. Um terceiro aspecto, que não digo ser a causa, mas que ajuda, é da regularização e de titularidades desses imóveis. É uma região muito antiga, e muitos estão em inventários familiares ou com documentação desorganizada.

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Nesse processo, na Lapa são vários os exemplos de uma história que vai sendo apagada. Na esquina da Rua Gomes Freire com a do Senado, a construção que hoje é só casca e tomada por mato é o Edifício-Garagem Poula, que na virada dos séculos XIX e XX abrigava carruagens e charretes que circulavam pela cidade. Perto dali, na Rua dos Inválidos com a Rua Riachuelo, o antigo solar que já foi residência nobre quase desapareceu em ruínas.

No Corredor Cultura da Praça Tiradentes, o Hotel Paris, após um passado um recente como um bordel, tem arbustos crescendo numa das sacadas. Cenas que se repetem em casarões no entorno da Praça da República, nas imediações da Rua da Constituição e também no entorno da Rua Camerino e da Avenida Barão de Tefé.

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Por área do Centro, o mapeamento da prefeitura mostra que o entorno da Cruz Vermelha e o da Tiradentes empatam no topo do indesejado ranking de onde há mais imóveis em mau estado: 119 em cada região. Em seguida, vêm Lapa (101), Saara (101), Centro financeiro (38), Praça Quinze (12), Cinelândia (oito) e Castelo (seis). Em 37 deles, só tinha sobrado a fachada.

O levantamento quantifica ainda outra questão preocupante e que com agravamentos recentes. Independentemente do estado do imóvel, 549 imóveis não estavam ocupados, segundo os dados coletados antes da pandemia — que provocou um rápido esvaziamento do Centro que, só agora, dá sinais de começar a ser superado. Antes das mudanças drásticas do efeito cascata do coronavírus, a região da Praça Tiradentes aparecia no topo também nesse quesito, com 142 imóveis vazios.

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Fajardo destaca que um dos recortes do Reviver Centro visa justamente incentivar que imóveis em mau estado ou arruinados sejam recuperados. Além de benefícios fiscais para conversão deles em moradias e o estímulo à regularização dos imóveis, Fajardo destaca a proposta de retomada do Programa de Apoio à Conservação do Patrimônio Cultural (Pro-Apac), que entre 2015 e 2016 recuperou 23 imóveis na região.

— É um programa de financiamento público para ajudar na recuperação de imóveis privados, através de um edital, um chamamento público. Os imóveis que se habilitam ganham um prêmio, que é a prefeitura financiar a recuperação da fachada, da cobertura, da estrutura, de instalações prediais, sempre para o uso habitacional — explica Fajardo, ressalvando que ainda não há valores definidos para o programa. — Ainda é um ano em termos financeiros desafiador, mas, aprovando o Reviver, acredito que no início do ano que vem podemos colocar o programa em andamento.

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Nesse ponto, a crítica feita por IAB-RJ e CAU-RJ é de que o programa deveria incluir, não só os proprietários, mas os ocupantes e/ou inquilinos no processo de conservação das edificações.

“A inclusão desses indivíduos que frequentemente habitam bens protegidos mediante aluguel ou ocupações, contribuiria para o fortalecimento do uso residencial no Centro (…). Ao se privilegiar apenas os interesses de proprietários, contribui-se para processos de gentrificação de usuários de baixa renda, que terão dificuldades de se manterem nas edificações após as intervenções de conservação”, dizem as entidades no documento divulgado na segunda-feira.

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Fajardo lembra ainda que há, na lei, a proposta de outras ações com foco no patrimônio cultural da região. Um dos programas, chamado de Sescora, facilita a ação da prefeitura para o escoramento de imóveis privados, com serviços pagos pelo proprietário através do IPTU. No entanto, também há medidas punitivas, como a arrecadação pelo município de imóveis deixados vagos, como previsto no Código Civil, ressalta Fajardo.

— Trabalhamos sempre na lógica de oferecer uma das mãos para ajudar, e a outra para punir se (o proprietário) não fizer nada (para recuperar seu imóvel). A gente coloca uma oferta de benefícios, mas também precisa deixar punições. Se não, estamos sempre nos direitos e nunca chega nos deveres — diz o secretário.





Fonte: G1