Câmara nega abrir processo de impeachment contra Marcelo Crivella por ‘QG da Propina’; veja como votou cada um


RIO — A Câmara de Vereadores do Rio decidiu por 24 votos a 20 não abrir um processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella. A denúncia contra Crivella foi apresentada na última terça-feira pelo PSOL, que pede para o prefeito ser investigado pelo caso conhecido como “QG da Propina”.

  • A Câmara rejeitou abrir o processo por 24 votos a 20;
  • Este é o segundo pedido de abertura de impeachment contra Crivella em duas semanas e o quinto do seu mandato;
  • Na última votação, o prefeito venceu apenas por dois votos de diferença;
  • Na defesa de Crivella, o vereador Ínaldo Silva (Republicanos) comparou o prefeito a uma fênix. Já Tarcísio Motta (PSOL) criticou ma suposta troca de cargos na prefeitura por votos a favor de Crivella
  • Ao defender o impeachmnet, Reimont (PT) chegou a rasgar um papel que representava o diploma de vereador

Veja como votou cada vereador

O que dizem os vereadores

Um dos primeiros a usar o microfone, o vereador Inaldo Silva (Republicanos) defendeu o prefeito Marcelo Crivella no plenário, o comparou como uma fênix e adiantou que votará contra o impeachment:

— Nunca um prefeito foi tão vítima de pedidos de impeachment e CPIs como o Marcelo Crivella. Ele consegue superar tudo. Semana passada vimos os ataques e muitos dava o prefeito como morto. Mas se posso compará-lo, seria com a aquele pássaro fênix que é morto e ressuscita das cinzas. Hoje é ovacionado pela cidade por causa da Linha Amarela — diz.

O vereador Dr. Marcos Paulo (PSOL), por sua vez, curiosamente também citou um animal em sua fala. No entanto, disse ser “indigno” comparar o prefeito a um cachorro, ao falar sobre quem define a abertura do processo de impeachment como “bater em cachorro morto”.

— Várias pessoas me mandam mensagem falando que vamos chutar cachorro morto, mas eu falo, cachorro morto não. É indigno ao cachorro compara-lo ao prefeito dessa cidade. É um desrespeito ao animal compara-lo a um prefeito de tão baixa capacidade de gestão como é o prefeito Marcelo Crivella — disse.

Também defendendo a abertura do processo, Reimont (PT) chegou a rasgar um papel que simbolizava seu diploma de vereador:

— Nós vereadores temos duas atribuições de fazer leis e fiscalizar o executivo. Se hoje dissermos que não há nada a investigar estamos dizendo que rasgamos o diploma de vereador porque nego tudo que falei em Janeiro de 2017. Prometemos diante a Constituição e ao povo fiscalizar o poder executivo. Nós descobrimos em setembro de 2020 que o prefeito da cidade não se chama Crivella, se chama Rafael Alves. Senhores vereadores aceitem uma segunda chance que a vida nos dá, e vamos aprovar hoje a abertura do processo de impeachment — afirmou

O líder do governo Dr Jairinho, defendeu o prefeito e disse que se a investigação ainda está em fase de inquéirto e se “tivesse algo mais contundente, a Justiça já o teria afastado”

— Eu vi os vereadores que me antecederam aqui e entendo o motivo pelo qual eles estão preocupados. Foi veiculado a operação policial, com o Ministério Público autorizada pela Justiça. Só que no momento atual, o processo está na fase de inquérito. Meus colgas que me antecederam, com todo respeito, já o condenaram. Nem investigado ou denunciado o chefe do executivo está. Peço cautela porque caso inicie o processo hoje ele termina só em tres meses e a eleição é em dois meses. O verdadeiro processo será dia 15 de novembro. Confio na polícia, na Justiça e no Ministério Público. Tem que respeitar o povo e o mandato popular. Deixa o povo decidir. Se tivesse algo mais contundente, a Justiça já o teria afastado — defendeu

Já Leonel Brizolla (PSOL) criticou a gestão do prefeito como um todo e lembrou polêmicas da gestão, como a nomeação do filho de Crivella para a Casa Civil e do “caso Márcia”:

— Toda administração deixa uma marca e um legado. O que caracteriza uma gestão são as obras que trazem melhorias para a cidade. Qual é a marca de Crivella? Alguma inovação na saúde? Na educação? Crivella não passa de reacionário, ou seja anti-povo. O legado desta gestão é a falta de planejamento e amistura de interesses pessoais e eleitoreiros do prefeito. Há provas contudentes da ligação do prefeito com o grupo.

O líder do PSOL, Tarcísio Motta, também defendeu a abertura do processo e criticou uma suposta troca de cargos na prefeitura por votos a favor do prefeito:

— Está tudo escancarado. É corrupção no sentido mais conhecido da palavra em todos os cantos do governo. O Rafael Alves parece que foi beneficiado em vários setores. Cuidar das pessoas na prefeitura é cuidar do dinheiro público. Até quando ter cargos no governo é o suficiente para acobertar indícios tão fortes? — questionou.

Em defesa de Crivella, a vereadora Tânia Bastos (Republicanos) afirmou que a abertura do processo seria “covardia” e ainda pediu para a candidata do PT às eleições Benedita da Silva não aceitasse uma “união entre a esquerda”:

— Essa atitude da oposição revela desprezo pela nossa democracia. Faltam menos de três meses para a eleição e não há nenhuma denuncia concreta contra o prefeito. Pela quinta vez querem usar um instrumento para cassar um mandato legitimo de um prefeito. É muito vergonhoso. Mais uma vez a esquerda tenta tirar o prefeito Marcelo Crivella. A gente precisa apurar os fatos. Essa casa já foi publicada a segunda CPI, e se o prefeito tiver que ser chamado, será para depor. Agora, tirar o mandato de um prefeito que daqui a pouco teremos uma eleição direta, um pleito onde a população estará escolhendo o prefeito dessa cidade? É covardia demais — defendeu

O vereador Átila Nunes (DEM) criticou a manobra da base do governo de tentar abrir uma CPI para investigar as denúncias:

— Antes que se fale que é perseguição, é inacreditável a capacidade da administração do desgoverno Crivella de fazer um problema atrás do outro. Agora é uma denúncia muito mais séria. O Ministério Público aponta Crivella como líder da organização criminosa. Vamos criar um salvo conduto às vésperas da eleição que pode fazer qualquer ilegalidade por que é véspera das eleições? Ele não pode continuar com a caneta na mão, porque sabe lá Deus que caneta é essa — indagou.

Fernando William (PDT) foi outro que se mostrou favorável à abertura do processo.

— O impeachment não é o remédio para tirar um governo ruim, é o voto da população. Mas as denúncias são graves e nos preocupam, do ponto de vista que como um prefeito pode ser tão submisso a uma pessoa que nunca teve cargo público e coloca suas vontades. Isso é gravíssimo. Quanto a cidade perdeu?

Bate boca entre os vereadores

Durante sua fala, o vereador Babá (PSOL) afirmou que Tânia Bastos havia dito que a Câmara não é competente para julgar o prefeito e ainda disse que Crivella faz uma política do “rouba mas não faz”:

— Crivella é a política do rouba mas não faz. Está aí o resultado da cidade — afirmou

No plenário, Tânia assumiu o microfone e disparou contra Babá:

— O vereador precisa usar um aparelho auditivo

Um bate-boca se instaurou e enquanto o vereador Leonel Brizolla reclamava com o presidente Jorge Fellipe, Tânia disse:

— Quando um burro fala outro baixa a orelha

A denúncia do ‘QG da Propina’

Pode-se dizer que, ao longo de seus quatro anos de mandato, o prefeito Marcelo Crivella se acostumou a ver a Câmara Municipal avaliar a abertura de processos de impeachment contra ele. Este é a quinta vez que os vereadores analisam se Crivella deve ser investigado por cometer algum crime durante o mandato. A nova denúncia é assinada por Isabel Silva Prado Lessa, presidente do diretório municipal do PSOL. De acordo com o texto, Crivella cometeu improbidade administrativa, crime de responsabilidade e desvio de verbas públicas.

Foto: Antonio Scorza / Antonio Scorza

O novo pedido de cassação foi motivado pela investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ), que aponta que existiria na prefeitura do Rio um esquema de corrupção envolvendo o prefeito Marcelo Crivella, o empresário e lobista Rafael Ferreira Alves e dezenas de empresários de confiança. O chamado “QG da Propina” motivou uma operação do MP-RJ e da Polícia Civil, na última semana, contra Crivella e outros 22 alvos.

Governistas acenam por abertura de CPI para investigar prefeito

Enquanto a bancada do PSOL definia como será formulado o pedido de impeachment, o vereador governista Jorge Manaia (PP) se adiantou e protocolou, pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o “suposto QG da propina” na prefeitura. No documento, Manaia afirma que “o prefeito Marcelo Crivella, figuraria como chefe de um esquema de corrupção” e que são “inúmeras as denúncias de irregularidades que evidenciam uma estrutura criada, para resolução de problemas particulares, uma verdadeira central de negócios”.

Manaia é líder do bloco governista na Câmara e teve o apoio de 23 vereadores, superando as 17 assinaturas necessárias para a protocolação da CPI. Até mesmo parlamentares do partido de Crivella, o Republicanos, assinaram a CPI proposta por Manaia, em um movimento visto pela oposição como uma tentativa de criar uma CPI chapa-branca, composta por aliados do governo.

Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara a decisão de instaurar CPIs — inclusive deliberar, no caso de haver duas proposições com a mesma finalidade, sobre qual CPI será levada adiante. Manaia nega que o fato de integrar a base do governo seja um sinal de que a CPI que propôs não vai investigar a fundo as supostas irregularidades e que serviria apenas para tirar o protagonismo de partidos de oposição. Crítico de Crivella, o PSOL avaliava protocolar pedido de investigação nesta terça-feira, mas optou por mais um pedido de impeachment.

— A Câmara Municipal do Rio de Janeiro não pode se manter inerte diante da gravidade das denúncias. Os responsáveis devem ser investigados bem como a possível existência de organizações que atuam nesse sentido — justificou Manaia.

Vereadores também são investigados

Um braço da Câmara de Vereadores no esquema de desvio de dinheiro público na prefeitura do Rio, conhecido como “QG da Propina”, está sendo investigado pelo Ministério Público estadual. Na representação que embasou as buscas e apreensões que atingiram o governo Marcelo Crivella, na semana passada, os investigadores relatam que o vereador Paulo Messina (MDB) — que antes de romper com o prefeito foi secretário da Casa Civil — atuava com um grupo de vereadores,para controlar cargos e obter vantagens financeiras. Esses vereadores, de acordo com o MP, disputavam poder com os suspeitos de integrarem a organização criminosa que desviava recursos do município.

Messina, que não foi alvo da operação, mas deve depor nesta quinta-feira como testemunha, rebate a menção a seu nome. “Não existem duas verdades, só uma. O MP escreveu em um único parágrafo o que leu da conversa de dois bandidos falando que eu atrapalhava os planos deles de desviar dinheiro”, afirmou o vereador por nota. Messina, que nesta terça-feira lançou sua candidatura à prefeitura do Rio, disse que tem áudios e documentos para provar que “salvou” o caixa da prefeitura, ao impedir o pagamento de restos a pagar. Parte das irregularidades foi constatada na liberação de pagamentos atrasados a fornecedores.

O MP se debruçou sobre diálogos travados entre os integrantes do grupo criminoso que mencionam Messina. Numa das conversas, o empresário Rafael Alves, apontado como um dos operadores do propinoduto, conversa com o marqueteiro de Crivella, Marcelo Faulhaber. Os dois trocaram mais de 11 mil mensagens entre junho de 2017 e agosto de 2018. A maioria delas estava em quatro celulares do empresário apreendidos.

“Messina tomando dinheiro de todos os empresários. Bem uma vergonha”, diz Rafael Alves a Faulhaber em uma das mensagens de celulares em poder do MP. O marqueteiro responde: “Pode se preparar porque os caras não vão sossegar enquanto não derrubarem você e seu irmão. Vamos destruir o Messina”. Rafael é irmão de Marcelo Alves, ex-presidente da Riotur.

Em outra sequência, Rafael Alves mostra-se confiante de que o irmão não seria afastado da Riotur em razão de “tudo que sei dele e da família dele”. Ele se referiria, segundo o MP, a Crivella. Rafael, segundo as investigações, investiu na campanha do prefeito e, a partir do início do governo, passou a ter o controle de nomeações e contratações feitas pelo município. Foi possível verificar que há uma disputa aberta por espaço no governo municipal, tendo como pano de fundo a obtenção e ganhos provenientes da corrupção

Para os promotores, existem duas células de corrupção dentro da prefeitura do Rio, que estavam em disputa. “De um lado, temos o grupo formado por Rafael Alves, Faulhaber, Mauro Macedo (ex-tesoureiro das campanhas de Crivella, que é bispo licenciado da Igreja Universal), e outros. De outra banda, temos o grupo liderado por Paulo Messina, (então) chefe da Casa Civil, que juntamente com vereadores do MDB e de outros partidos estariam ocupando e controlando cargos que lhes garantiriam somas de propina”. A denúncia do MP culminou com 22 mandados de buscas e apreensões, um deles contra o próprio Crivella que teve o celular apreendido.

Disputa por ganhos

Os promotores afirmam que “foi possível verificar que há uma disputa aberta por espaço no governo municipal, tendo como pano de fundo a obtenção e ganhos provenientes da corrupção”. Eles mencionam que o empresário Rafael Alves estava insatisfeito porque achava que deveria ter um espaço maior no governo porque contribuiu financeiramente, enquanto o MDB foi adversário de Crivella nas eleições. O MP destaca que as mensagens entre Rafael e Faulhaber, ambos investigados, expõem um gigantesco esquema de corrupção, “com o envolvimento do prefeito, vereadores e diversos membros do alto escalão do governo”. Em comunicado, o MP informou que a investigação está em curso e novas diligências serão realizadas. O órgão observou ainda que “todas as assertivas lançadas no requerimento cautelar de busca e apreensão deferido pela Justiça encontram amparo nos elementos de prova produzidos nos autos do processo”.

Procurada, a Câmara Municipal do Rio afirmou desconhecer o envolvimento de qualquer vereador em relações não republicanas com qualquer esfera do Poder Executivo. “O Legislativo municipal, pelo contrário, tem se mostrado ativo na adoção de todas as medidas necessárias ao cumprimento das suas competências constitucionais”. O MDB ressaltou que Messina não foi denunciado pelo MP. O vereador deixou o governo Crivella em abril de 2019 e reassumiu o mandato para votar contra um dos processos de impeachment que tramitava contra o prefeito na Câmara. Mas acabou rompendo com Crivella definitivamente, alegando que a prefeitura do Rio assumia gastos que iriam ameaçar o equilíbrio fiscal. De aliado passou a ser um dos mais ativos adversários do prefeito.

A defesa de Rafael Alves disse que “tudo será esclarecido nos autos do processo, com observância do sagrado direito de defesa”. O advogado de Faulhaber, Fernando Fernandes, diz que seu cliente não participou de esquemas criminosos nem disse “vamos destruir Messina”





Fonte: G1