Buzinaço, rojões, grito de quem já nem tem mais voz para sussurrar e churrasco marcado para o fim de semana. Poderia ser final de campeonato de futebol ou resultado da apuração dos desfiles de mais um carnaval fora de época. Mas não. Eram as comemorações pelo resultado do Comida di Buteco, divulgado na noite de quarta-feira. Em sua 15ª edição no Rio, quatro dos cinco primeiros colocados no concurso (eram 103 participantes) foram bares da Baixada Fluminense. A exceção foi o Bar do David, na comunidade do Chapéu Mangueira, no Leme, que conquistou o primeiro lugar pela terceira vez.
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— A Baixada é vista como uma região perigosa, mas o concurso veio mostrar que é um lugar com bons bares, bons petiscos. Não é esse bicho de sete cabeças que as pessoas pintam — diz João Duque, do Pasta da Nonna, em Duque de Caxias, feliz de ver a região crescer a cada edição do concurso. — O melhor de tudo é trazer as pessoas de fora para conhecer o seu lugar, o seu bar. As pessoas chegam aqui pelo petisco, mas acabam conhecendo mais coisa.
O bar conquistou o 2º lugar com o “Virando a laje”, que simula uma obra em andamento, com bolinhos de mocotó servidos em carrinhos de mão junto com baldes recheados de rapadura apimentada e vinagrete de azeitona para garantir aquela “sustança”.
— Montamos um prato para as pessoas tirarem fotos. Pensamos no bolinho de mocotó em homenagem ao nosso pai, e vimos que combinava com virar uma laje. Para isso, precisa ter a laje. Então, fizemos 50 maquetes, uma a uma, na mão.
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Veterano da região, o Boteco do Teixeira participa desde que as fronteiras do concurso foram expandidas para a Baixada, em 2016, e levou à mesa o “Teixeira Apelou!”, creme de bacalhau gratinado com crostini de parmesão e azeite temperado no alho e no bacon. Desde então, o bar só ficou fora do palco da premiação uma vez. Mas a Baixada sempre teve representante entre os mais bem colocados.
Para Sandro Teixeira, o Teixeira, as conquistas nesse período foram gigantes. A começar pelo número de bares. Se no primeiro ano eram só quatro, hoje são nove: quatro em Caxias, dois em São João de Meriti e três em Nova Iguaçu.
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— No primeiro ano a gente teve uma caravana. Este ano foram 11 — comemora Teixeira, citando o atendimento diferenciado na Baixada. — Os caras ficam deslumbrados com o lugar e com o atendimento quando chegam aqui. A gente não entrega só um petisco, a gente faz a apresentação do prato, todo o serviço, com carinho.
O segredo não é só esse. Uma das características dos petiscos que vêm de lá é justamente fincar bandeiras e contar histórias. Nesse clima, o Boteco do Portuga, em Nova Iguaçu, foi o primeiro bar fora da capital a conquistar o título de melhor botequim do Rio, em 2018. O petisco premiado deste ano, o “Próxima parada: Estação Maxambomba Vulcão Adormecido”, inclusive, é um passeio pelo município.
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O trem, principal ligação da região com o Centro do Rio, está representado no petisco, carregando rodelas de laranja. Produtora da fruta, a região já chegou a ser conhecida como “Cidade Perfume” pelo aroma vindo das plantações. A rampa de asa-delta na Serra do Vulcão, 885 metros acima do nível do mar, também é representada ali, com planadores que sobrevoam a batata recheada com creme de camarão.
— A gente contou a história de alguns pontos turísticos de Nova Iguaçu. É uma homenagem ao nosso município, às nossas origens, e à nossa criação — explica Paulo Sérgio, craque em fazer petiscos temáticos, como a “Marmita do Cabral”, um farnel com lascas de bacalhau, legumes e requeijão e azeite, e o “Roupa velha”, um tanque de roupas cheio de bolinhos de bacalhau. — Não é só botar um petisco na mesa, é saber por que ele está ali
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Participando pela segunda vez do concurso, o caçula do time, o Carpaccio, em São João de Meriti, transformou um dos seus carros-chefes em petisco. Foi assim que a casquinha de siri virou o “Siri cascudo”, bolinhos de carne de siri recheados com provolone e empanados na Panko. Alexandre Gomes da Cunha contou com a ajuda dos amigos de boteco para dar o OK final ao belisquete servido durante o concurso.
— Aqui é todo mundo muito unido. Antes de apresentar a versão final do petisco, um mostra para o outro. Cada um dá um palpite — conta Alexandre, que já tem programação para o fim de semana. — Temos um churrasco marcado com todo mundo, mas até lá a gente não vai parar de comemorar também.
Derrubando fronteiras
Grande campeão da edição de 2022, David Bipso, do Bar do David, reconhece a força da Baixada e entende, mais do que ninguém, a importância de derrubar mais uma fronteira numa mesa de bar. Em 2016, o bar foi o primeiro de favela vencer o concurso, o que se repetiu no ano seguinte.
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Depois de três anos longe do concurso, a vitória veio com o petisco “Ousadia”, bolinhos de abóbora com ora-pro-nóbis e coco, recheado com camarão, criado em homenagem a mãe do dono do bar.
— Eles vêm fazendo um bom trabalho ao longo do tempo, se dedicam muito ao concurso — diz David, que comemora a inclusão de novos polos gastronômicos na rota de bares do Rio. — Isso só enriquece o concurso e todo o cenário da gastronomia do Rio.
Fonte: G1