baianas cuidam do coração; intérpretes, da respiração; e ritmistas, dos ouvidos


Um desfile de escola de samba é, por si só, uma verdadeira prova de resistência para quem cruza os 700 metros da Marquês de Sapucaí. Para não deixar o ritmo cair em meio ao batuque dos repiques e tamborins e chegar à Apoteose, componentes precisam estar com a saúde em dia — ainda mais se considerados fatores extras, como o peso da fantasia, o som alto ou o uso incessante da voz, que dificultam a maratona. Dessa forma, escolas de samba do Rio apostam em exames e consultas médicas para cuidar dos componentes durante a preparação para os desfiles.

No Salgueiro, o projeto “Sambando com saúde” leva médicos voluntários de uma a duas vezes por mês para a quadra. No pré-carnaval, o trabalho é intensificado com os segmentos. As baianas, por exemplo, passam por uma rotina de exames com o cardiologista Áureo do Carmo Junior.

— Um desfile mistura desgastes físico e emocional. É importante para se sentirem mais seguras, sabendo que os corações estão fortes — afirma a psicóloga e diretora do centro médico, Vilma Araújo.

Tia Glorinha, da ala das baianas do Salgueiro
Tia Glorinha, da ala das baianas do Salgueiro Foto: Hermes de Paula

Para o desfile em que a escola vai apresentar o enredo afro “Resistência”, a fantasia da ala pesa quase 25 quilos.

— São duas horas, somando concentração e Avenida, com a roupa. É preciso fazer os exames para agregar saúde ao amor pelo carnaval — conta a diretora das baianas Tia Glorinha, de 75 anos.

À frente do carro de som da Mangueira há três carnavais, Marquinho Art’Samba já teve a voz comparada à do mestre Jamelão, antigo intérprete e um dos homenageados neste ano, junto com Cartola e Mestre Delegado. E as semelhanças são grandes mesmo. Assim como o baluarte, Marquinho também tem fama de cochilar em qualquer lugar. O traço, porém, esconde problemas respiratórios e cardíacos que têm sido tratados pelo cantor com uma equipe profissional.

— Faz parte do meu trabalho me cuidar e buscar a longevidade de um canto em alto nível — frisa o intérprete.

O médico pneumologista Leandro Vianna trabalha em parceria com a fonoaudióloga Silvia Freitas e conta que Marquinho é asmático e sentiu um desconforto respiratório no ano passado. Após uma avaliação, notou-se problemas cardíacos e de sono. A diminuição, do ronco, inclusive, levou Marquinho a cantar melhor.

— Cheguei a brincar perguntando como ele conseguia cantar tão bem e ter resistência para a Sapucaí. Ele agora vai ser ainda melhor, novo em folha — brinca Leandro.

Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia
Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia Foto: Hermes de Paula

O Salgueiro também aposta em testes preventivos de audiometria para ritmistas e mestres da bateria. Segundo a fonoaudióloga Juliana Bravo, da Telex Soluções Auditivas, os efeitos da exposição ao barulho de uma bateria de escola de samba podem ser devastadores a longo prazo. No carnaval, a intensidade pode atingir 120 decibéis — potência que se aproxima ao som da turbina de um avião. Por isso, ela indica o uso de protetores auriculares para minimizar os riscos.

— Se o ruído for por vários dias seguidos, como numa sequência de ensaios e desfile, as células ciliadas dentro das orelas podem se degradar por completo. Como não se regeneram, acontece a perda de audição — explica Juliana.

Mestre do Salgueiro ao lado do irmão Gustavo, Guilherme Oliveira conta que faz os testes para manter a qualidade auditiva e lembra que muitos ritmistas tocam em mais de uma escola, o que pode ser ainda mais prejudicial. A fonoaudióloga confirma essa percepção:

— Uma das principais causas de perda auditiva é a exposição prolongada a sons muito altos. Suportamos bem os sons até 80 decibéis, por oito horas ao dia. Com 120 decibéis, a tolerância cai para 15 minutos.

Gustavo dos Santos Oliveira, da bateria do Salgueiro, cuida dos ouvidos
Gustavo dos Santos Oliveira, da bateria do Salgueiro, cuida dos ouvidos Foto: Hermes de Paula

Guilherme dos Santos Oliveira, da bateria do Salgueiro, passa por exames de audição
Guilherme dos Santos Oliveira, da bateria do Salgueiro, passa por exames de audição Foto: Hermes de Paula

Ações na Portela e na Grande Rio

Na Portela, o departamento de cidadania comandado pela diretora Helen Mary faz um trabalho de monitoramento físico e psicológico da Velha Guarda, das baianas e do departamento feminino. No primeiro grupo, percebeu-se que 21% precisam de acompanhamento emocional feito por componentes treinados que, semanalmente, ligam para os idosos. Em caso de necessidade, um profissional é acionado.

— O mundo do samba, hoje, é da jovialidade, da beleza. A velhice os leva a acharem que serão descartados. Há a falta de contato familiar próximo para alguns.

Na Grande Rio, que este ano traz Exu como enredo, o intérprete Evandro Malandro não abre mão das aulas de canto que faz com o professor Pedro Lima e que o ensinaram a melhor forma de se expressar:

— A ideia é potencializar a minha musicalidade. Preciso saber usar a minha voz para mantê-la saudável durante o processo de apresentações.

O profissional de educação física Everton Pereira, que ao lado de Bruno Germano cuida da preparação física do casal de mestre-sala e porta-bandeira Sidclei e Marcela Alves, do Salgueiro, lembra que a passagem pela Sapucaí pode durar, para cada componente, até 35 minutos e que os gastos energéticos variam para cada um.

— Sambar já é intenso, e na Avenida é mais ainda. Passistas terão desgaste maior que alguém da alegoria, por exemplo. É indicado que diretores observem como os componentes se comportam durante os ensaios, se respondem bem ao esforço que exige um desfile — diz Everton.

Baiana do Salgueiro passa por exame na quadra
Baiana do Salgueiro passa por exame na quadra Foto: Hermes de Paula

Dia de exames na clínica médica dentro da quadra do Salgueiro, na Tijuca
Dia de exames na clínica médica dentro da quadra do Salgueiro, na Tijuca Foto: Hermes de Paula

Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia
Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia Foto: Hermes de Paula

Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia
Marquinho Art Samba, intérprete da Mangueira, cuida da respiração e do fôlego antes de encarar a folia Foto: Hermes de Paula



Fonte: G1