Após posto de monitoramento ser fechado, Reserva do Tinguá sofre com abandono: ‘Estão passando a boiada’


Uma das mais importantes unidades de conservação da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro está abandonada e correndo grande risco ambiental. Depois que teve o posto de monitoramento fechado no início deste ano e a fiscalização transferida para Teresópolis, a Reserva Biológica do Tinguá, na Baixada Fluminense, está sofrendo com garimpo ilegal, caça irregular de animais silvestres, construções irregulares e degradação causada por grupos religiosos que realizam rituais dentro da mata, deixando muito lixo para trás. Tais denúncias, inclusive, são de conhecimento do Ministério Público Federal (MPF), que recebeu uma queixa-crime sobre as atividades ilegais dentro dos limites da reserva.

O possível abandono da Reserva já havia sido noticiado pelo EXTRA em dezembro do ano passado. Há um ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou a portaria 426/2020 criando o Núcleo de Gestão Integrada de Teresópolis, que centralizava a administração de cinco unidades de conservação: o Parque Nacional da Serra dos Órgãos; Área de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis; APA de Guapimirim; Estação Ecológica da Guanabara e a Rebio do Tinguá.

Dentro da reserva, é possível achar lixo, como essa máscara cirúrgica.
Dentro da reserva, é possível achar lixo, como essa máscara cirúrgica. Foto: Brenno Carvalho

Na ocasião, o MPF conseguiu uma liminar determinando a exclusão da Rebio do Tinguá do processo, alegando que a reserva e sua zona de amortecimento já vinham sofrendo deterioração ao longo dos últimos anos, o que iria aumentar com o fechamento do posto de fiscalização. No entanto, a liminar foi derrubada no fim do ano passado e o posto fechado no início deste ano, com os fiscais passando a ficarem baseados em Teresópolis, a cerca de 80 quilômetros de distância da região. Responsável pela ação judicial, o procurador da república Julio José Araújo destaca que a ausência da presença do estado estimula invasões e degradação da reserva.

— O processo segue, ele foi suspenso por que eles (ICMBio) a decisão pela presidência do tribunal, mas estamos aguardando a sentença. A Rebio demanda uma atenção especial, é uma reserva onde a presença humana não deve ser tolerada. Há também uma discussão sobre a recategorização da região, que gera muitas tensões devido a intenção de ser realizar empreendimentos privados na região. Por isso é mais que necessário que se fortaleça a estrutura fiscalizatória. A questão da reabertura da sede é fundamental, pois é importante estar presente para evitar a degradação ambiental e institucional, que já vinha ocorrendo. A sede é parte importante, pois é um símbolo da presença de órgãos de estado. Por mais que se alegue que com a sede em Teresópolis, as atividades ainda estão sendo exercidas, a presença no local é um reforço simbólico e material.

A reportagem do EXTRA esteve em dois pontos de acesso à Rebio, sendo um deles a antiga sede da fiscalização, e constatou que qualquer pessoa consegue adentrar a reserva devido à falta de monitoramento. Dentro, foi possível encontrar boa quantidade de lixo, inclusive máscaras cirúrgicas. Além disso, há muitas clareiras na mata, que segundo o ambientalista Ricardo Portugal, são abertas por grupos religiosos, que realizam cerimônias dentro da reserva.

— Desde a criação deste ING a reserva ficou abandonada. Os fiscais foram transferidos para Teresópolis, a mais de 80 quilômetros de distância, o que torna inviável a fiscalização, uma vez que não há mais um chefe lotado na unidade, nem viaturas para circular, com isso qualquer um entra. Grupos religiosos vem para cá fazer rituais e cultos e com isso abrem clareiras, destruindo a mata, além disso há denúncias de caça e garimpo ilegal, inclusive no MPF. Queremos que a autonomia de reserva seja restaurada antes que percamos esse patrimônio da humanidade.

Guarita que abrigava funcionários do parque está fechada.
Guarita que abrigava funcionários do parque está fechada. Foto: Brenno Carvalho

Moradores da região de Tinguá denunciam também o aumento de construções irregulares nos arredores da reserva. Em uma ronda próximo às margens do Rio Tinguá, área onde é proibido qualquer tipo de construção, há uma boa quantidade de obras em andamento, assim como movimentação de caminhões que trazem os materiais. Além disso, há denúncias sobre circulação de caçadores, principalmente aos fins de semana. Eles chegariam pela manhã em pick-ups, indo embora somente no fim da tarde.

A ONG Ecocidade entrou com uma queixa-crime no MPF em janeiro deste ano denunciando a prática de garimpo ilegal, inclusive dando as coordenadas dos locais de atuação dos garimpeiros. A denúncia foi aceita e protocolada na Procuradoria da República em São João de Meriti, que abriu um inquérito civil para investigar o caso.

— O fechamento da reserva foi um convite e uma carta branca para quem estava só esperando uma oportunidade de explorar o local ilegalmente. Literalmente estão passando a boiada como falou o Ministro do Meio Ambiente. Tem garimpo, catadores de palmito, pousadas fazendo trilhas ilegais e sujando a mata. Está de mal a pior, é preciso que urgentemente seja restaurada a autonomia da Rebio e a fiscalização devolvida, senão os danos provocados podem ser irreversíveis — disse o presidente da Ecocidade, José Miguel da Silva.

Criada em 1989 com cerca de 24.812 hectares, a Rebio-Tinguá abrange quatro municípios: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Miguel Pereira e Petrópolis. Em 1993, ela foi classificada pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade, na categoria de Reserva da Biosfera. A área é vista como de grande importância biológica, por abrigar 560 espécies arbóreas, 85 de mamíferos, 350 de aves, e 34 de peixes, com populações de espécies de grande porte como puma, queixada, veado mateiro e águia-cinzenta.

Além disso, a reserva biológica garante segurança hídrica a 400 mil moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro, já que abastece o sistema Acari da Cedae. Atualmente, cerca de 30 captações de água estão inseridas e protegidas em seu interior. A unidade protege ainda um importante acervo histórico, como as ruínas da vila de Santana das Palmeiras, fazendas caminhos imperiais e aquedutos ainda preservados.

Na semana passada, entidades de proteção ambiental promoveram uma manifestação pedindo a reabertura da Rebio-Tinguá e prometem realizar mais atos em proteção da reserva. O EXTRA questionou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade sobre a situação da unidade, porém ainda não obteve retorno.





Fonte: G1