Após a ressaca | G1 – Rio de Janeiro


O Cristo Redentor e prédios do Rio de Janeiro são vistos refletidos nas janelas espelhadas de um edifício.
Nos últimos dois anos, embriagado, o carioca esbaldou-se em si próprio. Copa do Mundo, Olimpíada, abundância de tudo, emprego, dinheiro e segurança. Passados os eventos que sustentavam a euforia, veio a ressaca. A maior ressaca que este Estado já viu.

Nos últimos dois anos, náusea, dor de cabeça, fotofobia, desmonte da UERJ, das UPPs, das vidas dos servidores públicos do Estado, das vidas de policiais militares, das vidas dos assassinados em comunidades. Ressaca. Nos últimos anos, ficamos todos de cama.

Como tudo na vida, a ressaca passou. 2018 é aquele ano em que o carioca vai começar a entender o que afinal aconteceu. Levantar da cama e olhar em volta. E o que verá?

O que veremos? Todos os ex-governadores do estado, na última década, presos. O secular esquema de corrupção no transporte público desbaratado (perdão, não resisti ao trocadilho). Algo que nenhum carioca acreditaria um dia acontecer. Uma notícia que faria qualquer carioca sair pelas ruas comemorando: “Agora vai!”.

Mas estamos com um pé atrás. A experiência do verdadeiro “Boa Noite, Cinderela” do qual fomos vítimas nos tornou desconfiados. Aquele que promete a si mesmo, durante a ressaca, que nunca mais vai beber. Perdemos a inocência.

Perdemos a inocência mesmo? Ano que vem é ano eleitoral. Se não aprendemos com tudo o que passamos, e continuarmos votando mal, o que mais precisaremos sofrer para aprendermos?

Desta água nunca mais beberemos? É do Rio de Janeiro o candidato à Presidência da República que promete ser a solução para todos os problemas, o novo messias. Seus fiéis o chamam de mito.

Em 2018 vai ter muito carioca ainda acreditando em mito.

Na História da Cidade, será o ano eleitoral no qual, nos botecos da cidade, menos falará-se de política. Não se aguenta mais falar de política. Situação ideal para oportunistas e salvadores da pátria, pela ordem e progresso.

Mas a vida no Rio de Janeiro não é a Ópera descrita no capítulo mais delicioso de Dom Casmurro. Machado de Assis, e sua literatura inebriada desta cachaça que é esta cidade, errou. A vida é um samba enredo. E o carioca que aprendeu com o “porre de felicidade”, irá, já neste carnaval, “sacudir e zoar toda a cidade.”

Teremos o melhor carnaval de todos os tempos. Mais da metade dos blocos de rua foram proibidos, restringidos ou movidos de lugar. Isto vai tornar todo o carnaval interessantíssimo. Blocos proibidos irão organizar desfiles secretos, despistar a polícia e, quando pegos, apanhar de PMs, dispersar-se e reunír-se novamente.

O Carnaval já não era verdadeira transgressão, não era politicamente perseguido faz 50 anos. Em fevereiro de 2018, teremos esta volta os melhores carnavais. Será o fato cultural imperdível do ano.

Ouvir funk, e funk carioca, também será, em 2018, um ato de resistência. Basta um olhar para as preferências políticas de quem gosta de funk. Funkeiro não vota no PMDB, funkeiro não vota em milicianos ou militares, funkeiro não vota em quem defende o fim das linhas de ônibus que integram zona sul e zona norte, funkeiro tolera todas as religiões.

Mas a turma da “Ordem, Progresso e o resto deixa como está” acha o funk também um porre.

Após a ressaca, veremos quem ainda está bêbado.

Ou, dependendo do resultado das urnas em outubro, sentiremos o bafo.

(FOTO: O Cristo Redentor e prédios do Rio de Janeiro são vistos refletidos nas janelas espelhadas de um edifício. CRÉDITO: Christophe Simon/AFP)



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