agravamento da crise fecha negócios históricos e muda a cara do bairro


RIO — Com sua praia em forma de meia-lua, que atrai turistas do mundo inteiro, Copacabana mantém toda a sinuosidade que lhe deu projeção internacional — mas alguma coisa acontece no “coração da Zona Sul”. Desde antes da pandemia, um fenômeno tem mudado o perfil do bairro, marcado desde os anos 1920 por pequenos comércios, bares e restaurantes — muitos miúdos — e pela elegância do Copacabana Palace. Com o agravamento da crise, o local em que vivem cerca de 140 mil moradores, a maior população idosa do Rio, vem perdendo tradição com a fuga de negócios históricos. Depois de já ter abrigado os cinemas Roxy, Joia e Rian — este último se despediu ainda nos anos 1980 — , já não tem mais espaço para cinéfilos. As livrarias e sebos também foram indo embora, deixando apenas duas pequenas do ramo que lutam para escrever outra história.

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Uma transformação cada vez mais acentuada que pode ser constatada num olhar mais atento para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, um de seus principais pontos comerciais. Há cerca de 70 lojas fechadas. Em todo o bairro, na categoria glamour, já deram adeus a Confeitaria Colombo e os cassinos Atlântico e Copacabana. Os sessentões Cirandinha, um restaurante e casa de chá, e a Sapataria Santa Fé, fecharam as portas em 2016 e 2017, respectivamente.

Fechamento do Cinema Roxy mostra uma decadência de espaços tradicionais em Copacabana
Fechamento do Cinema Roxy mostra uma decadência de espaços tradicionais em Copacabana Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Oitenta e cinco farmácias

Há quem já fale numa mudança de identidade. O arquiteto e urbanista Pedro da Luz, professor da UFF, enxerga novos tempos, mas ainda não consegue defini-los.

— Não se sabe onde isso vai dar, o que vai acontecer após a pandemia. Falta horizonte para planejamento. Apesar disso, uma mudança de perfil, mas Copacabana ainda está forte —analisa, admitindo que o que dá força ao bairro é a insistência de antigos devotos do local — Alguns restaurantes antigos resistem, mesmo que o turismo tenha diminuído.

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Depois da chegada do coronavírus à cidade, uma nova onda levou outros ícones, como a loja Só a Rigor de aluguel de roupas para festas, que bombou ali nos últimos 40 anos, o restaurante Flor do Inhangá, o Cervantes, a Sala Baden Powell e até a boate Barbarella, um dos últimos inferninhos de Copa.

O historiador Milton Teixeira lamenta a perda de glamour a cada estabelecimento tradicional que fecha.

— Está virando um bairro comum, como outro qualquer — acredita.

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Sai o glamour, entram as grandes redes mais capitalizadas para enfrentar o preço alto do aluguel e também problemas relacionados à falta de segurança, agravada pela população de rua crescente. A cada dia, há mais farmácias e lojas de mercadorias variadas de grandes redes. Presidente do Sindicato dos Lojistas (SindLojas) e do Clube dos Diretores Lojistas (CDL), Aldo Gonçalves lista o que está por trás dessa nova feição da Princesinha:

— Os aluguéis e o IPTU estão altos, falta estacionamento, a violência é resiliente e a desordem urbana cresce. Isso favorece os grandes magazines, que vendem um pouco de tudo, farmácias e supermercados, que atendem ao morador. Eles têm mais capital de giro, mais fluxo de caixa e uma maior estrutura, inclusive para contratar uma boa segurança de forma a impedir que camelôs e moradores de rua fiquem na frente dos estabelecimentos. O chamado comércio fino, de lojas de moda e acessórios, está fechando.

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Perucas Lady resiste

Apesar disso, o presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, está otimista depois de ter feito uma pesquisa na Nossa Senhora. Se em abril deste ano havia cerca de 70 lojas fechadas na avenida, o que pouco mudou em relação ao mesmo mês de 2020, há algumas novas iniciativas surgindo, o que lhe dá razões para acreditar num possível renascimento do comércio e do burburinho típico da região.

— De 30 a 40 lojas estão reabrindo. Neste momento, Copacabana passa por um processo de revitalização — defende ele, que vai pedir à prefeitura a inclusão do Roxy, que acabou de anunciar o fechamento, no cadastro dos estabelecimentos tradicionais e notáveis da cidade, para que o uso do espaço seja mantido.

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Segundo a Secretaria especial de Ordem Pública do município (Seop), Copacabana já tem hoje 85 farmácias e 17 supermercados. Recentemente, uma loja de roupas deu lugar a uma nova drogaria na esquina das rua Barata Ribeiro e Siqueira Campos. Mas o número de bares e restaurantes no bairro ainda é grande: 523 têm alvará.

O Cervantes, na Rua Prado Júnior, fundado em 30 de julho de 1955, quando era apenas uma simples mercearia, anunciou o fechamento no fim de março. O seu forte, o balcão — onde os clientes saboreavam o famoso sanduíche, bebiam e papeavam —, não podia ser usado em tempos de rígidas medidas sanitárias. Uma das sócias, Kátia Lema Peres não dá como certo o fim:

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— Vamos aguardar com sabedoria o melhor momento para reabrir.

Num bairro conhecido por uma forte vibração cultural, o Cine Joia, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, resistia, mas, em novembro do ano passado também jogou a tolha. Com a saída de cena do Roxy, não há mais cinemas onde já reinaram absolutos o Riam, em plena Avenida Atlântica, e o Bruni, na Rua Barata Ribeiro.

O golpe também acertou em cheio as casas de espetáculo. Projetada para apresentações musicais, a Sala Baden Powell, que tinha uma programação voltada para a terceira idade, fechou por causa da pandemia. Fundada no lugar de um antigo cinema, o Ricamar, a casa pode reabrir entre agosto e setembro, segundo Secretaria municipal de Cultura. Mas, para ter uma reestreia à altura de seu legado, a sala terá de passar por alguns cuidados: uma vidraça está quebrada, e o reboco da marquise está se desfazendo.

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O Teatro VIlla-Lobos, na Princesa Isabel, fechado desde 2011, está em ruínas, embora a Funarj garanta que tem intenção de devolvê-lo à população. Também do estado, o Gláucio Gil, na Praça Cardeal Arcoverde, fechado em março de 2020, reabriu em abril último, quando começou a ser usados para a gravação de espetáculo.

Resistir é preciso

Nadando contra a maré, Real Chopp, Perucas Lady e Flora Santa Clara são exceções à regra. Com 76 anos de idade, 58 de Brasil e 43 com bar aberto em Copacabana, o português Herminio Henrique de Albuquerque não perdeu o sotaque, tampouco a paixão — com críticas — pelo bairro. Recentemente, investiu alto na reforma e na ampliação do Real Chopp, na esquina das ruas Barata Ribeiro e Paula Freitas.

— Há 30 anos, Copacabana era nota dez. Agora, é menos de zero. Tem até assassinato em bar (se refere à morte de Ildecy Cardoso Xavier esta semana). Mas vai melhorar. Copacabana é o principal lugar do Brasil para os turistas, a princesinha — diz “seu” Hermínio, que com máscara personalizada do bar, apela às autoridades por mais atenção para o lugar da sua vida.

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Outra que está no front há muito tempo é um ícone dos ícones: a famosa Perucas Lady continua firme e forte na Rua Barata Ribeiroe. A proprietária, uma senhora de 83 anos, mora na Barra da Tijuca. A loja fica sob os cuidados da administradora Cátia Amorim, de 66 anos, que conta ter começado a trabalhar naquele ponto há 50 anos. Mas os motivos para a marca estar lidando relativamente bem com um momento tão trágico são de se comemorar.

— Nossa clientela não caiu nos últimos meses. Com a pandemia, muita gente está ficando careca. Mas, em vez de procurar perucas, os clientes agora vêm para comprar apliques, que são mais baratos. E, em vez de cabelos humanos, mais caros, optam por sintéticos. Ou seja, as pessoas estão sem dinheiro.

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Outro caso de resistência é o da Flora Santa Clara, floricultura que fica na rua homônima. A proprietária, Clarisse São Bento, de 70 anos, diz que a sobrevivência do negócio tem demandado grandes sacrifícios.

— Precisamos nos reinventar. Tivemos de mimar nosso cliente até não poder mais. Em tempos como esses, de Dia dos Namorados, o preço das rosas triplica, o que dificulta. Mas a gente gosta do que faz e vai indo — ensina.





Fonte: G1