Publicitários brasileiros dão aulas gratuitas de inglês, direto de Londres, para moradores de favelas do Rio 


A pandemia deixou nosso cotidiano real cada vez mais virtual: debates do grupo da família, reuniões, festas… E, por que não, um curso de inglês no WhatsApp? De Londres, na Inglaterra, os publicitários brasileiros Marcos Almirante e Felipe Faria resolveram testar a ideia no aplicativo ao alcance das mãos de quase todos. Os alunos estavam do outro lado do Atlântico, em favelas cariocas. Com a ajuda da tecnologia que encurta distâncias, a dupla provou que o plano poderia ser transformador, ao dar a oportunidade de aprendizado gratuito de um idioma global, mas que a realidade desigual do Rio torna restrito a poucos.

— Queríamos que entendessem que aprender inglês não é para rico. É para todo mundo. E que não saber a língua significa não ter acesso a um monte de coisa. Quando um aluno nosso assimila algo que antes lhe era negado, estamos plantando a semente de que ele pode aprender tudo — conta Marcos, de 38 anos, que há cinco anos deixou o Rio rumo às terras do Big Ben.

O projeto ganhou o nome de What’s Up. Ganhou formas ano passado, em meio ao auge da pandemia, quando o planeta se adaptava à imposição do ensino remoto. Tudo se desenrolou a partir de um papo com Alan Duarte, fundador da ONG Abraço Campeão, do Complexo do Alemão. A primeira turma de introdução ao inglês, iniciada em julho de 2020, tinha 20 alunos, todos oriundos do trabalho social que oferece a prática da artes marciais a crianças e jovens do Alemão. Dividindo-se com suas tarefas diárias em agências de publicidade londrinas, eram Marcos e Felipe que lecionavam. Significava, no entanto, só o pontapé inicial. Amanhã, por exemplo, começam as aulas da quinta turma do projeto. A quantidade de inscritos explodiu: são 600, de comunidades não só do Rio, mas espalhadas por 18 estados brasileiros, de cidades como Duque de Caxias e São Gonçalo ao bairro dos Afogados, no Recife. As ONGs participantes são mais de 15. E a rede de voluntários que faz essa engrenagem funcionar envolve cerca de 30 profissionais do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos, entre eles dez professores de inglês.

— Vemos a possibilidade de chegarmos a todo o país, ao restante da América Latina e fora das Américas, para expandir acessos — afirma Marcos.

Enquanto cresce, o projeto já atingiu da infância à melhor idade, com a aluna mais idosa até agora com 81 anos. Já a pequena Ágata Vitória Cypriano Santos, de 9 anos, tinha 8 quando ingressou nas aulas pelo WhatsApp. Destacou-se tanto que ganhou bolsa de estudos para continuar aprendendo inglês no curso Brasas, que fechou parceria com a iniciativa.

A aluna Ágata Vitória Cypriano Santos, de 9 anos, moradora no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão
A aluna Ágata Vitória Cypriano Santos, de 9 anos, moradora no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

— Minha filha dança balé na ONG Na Ponta dos Pés. No grupo do projeto que descobri o What’s Up. O pai da Ágata e eu fazemos de tudo pela educação da nossa filha. É o futuro dela. E sabemos a importância do inglês — diz a mãe da menina, a atendente de farmácia Vania Cypriano Ferreira, de 32 anos, moradora do Alemão.

Metodologia e linguagem próprias

O projeto desenvolveu metodologia e linguagem próprias, adequadas ao universo das mensagens por aplicativo e ao cotidiano dos alunos. Memes, figurinhas e GIFs viraram instrumentos essenciais na sala de aula virtual. E os assuntos abordados se aproximam da realidade das comunidades. Imagens das favelas, atletas famosos e uma pitada de humor acompanham a jornada de lições diárias durante as 12 semanas do módulo de introdução ao idioma.

— Utilizamos muitos áudios e imagens nas aulas, mas não usamos vídeo. Sabemos que, se enviarmos um link de YouTube, pode consumir muito os dados móveis do telefone do alunos, e nem todos acessam as aulas com wi-fi — diz Felipe, de 37 anos.

Material
Material Foto: Reprodução

Com o método muito focado na fala, os áudios são essenciais na troca entre os estudantes e os professores mentores.

— Hoje eu me sinto muito mais confiante, porque sei que, se eu viajar ou receber alguém de fora, vou saber me comunicar — diz o aluno e treinador de boxe Giliard Lima, de 23 anos.

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Fonte: G1