Em sua mais recente coluna na Folha (“O futebolês moderno”), o genial Tostão, ao dissertar sobre os futebolistas que atuam no meio-campo, escreveu que “com o tempo, o centro médio passou a ser chamado de volante, não sei por qual razão, pois a palavra não diz nada”.
Certamente Tostão, o camisa 9 da seleção campeã mundial na Copa do Mundo de 1970, no México, refere-se exclusivamente ao emprego do vocábulo no futebol, pois, sem recorrer a dicionário, qualquer pessoa sabe que volante, em uma de suas acepções, é a peça que permite às pessoas dirigir um carro –sinônimo de direção. Ou então o bilhete usado para fazer aposta em loterias.
Em relação ao futebol, de fato não parece, a princípio, fazer sentido referir-se ao meio-campista que atua mais recuado, com função primordial de marcação, como volante.
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Volante, alíás, é para mim uma das palavras mais emblemáticas e marcantes, quando penso no meu desenrolar na profissão.
Lembro-me de que em meados dos anos 1990, devido a uma campanha pelo didatismo empreendida por esta Folha, o jornalista precisava sempre, ao se referir a volante no contexto esportivo, utilizar parênteses com a explicação: volante (meia defensivo).
Ao ler o que Tostão escreveu, eu tive imediatamente uma lembrança, não muito nítida, do motivo da utilização de volante para qualificar determinado tipo de jogador: tinha a ver com algum ex-jogador.
E é isso mesmo. No fim dos anos 1930, o argentino Carlos Martín Volante, depois de passagens por clubes do seu país natal, da Itália e da França, desembarcou no Brasil para defender o Flamengo.
Raçudo e combativo, atuava como o homem mais recuado de meio-campo, à frente dos zagueiros. E era incansável na missão de recuperar a posse de bola para a equipe.
A fama que ele criou cresceu a ponto de o nome pelo qual ele era conhecido (Volante) transformar-se em posição no futebol (volante). Alguém, possivelmente da mídia esportiva, deve ter sido responsável por essa criação, contudo não se sabe quem.
O termo pegou e continua até hoje na boca dos narradores, dos treinadores e dos torcedores, exclusivamente no Brasil, se bem que faz algum tempo o volante ficou moderno e não se limita a retomar a posse de bola e a entregá-la para o companheiro mais próximo.
Ele cria, ataca e até faz gols –raridade no século passado. São exemplos de ótimos volantes Casemiro (Manchester United), o espanhol Rodri (Manchester City) e o inglês Rice (Arsenal).
O volante exclusivamente carrapato, muitas vezes brucutu (lembro-me muito do italiano Gattuso como símbolo do gênero), está em desuso.
Para registro, exponho o que trazem alguns dicionários em referência ao significado de volante no futebol. Houaiss: jogador de função defensiva no meio-campo (camisa 5). Michaelis: jogador que atua no meio-campo e tem função defensiva; centromédio. Priberam: jogador que ocupa habitualmente uma posição entre a defesa e o meio de campo; médio-volante.
Voltando a Volante, o argentino, após encerrar a carreira de jogador em 1944, tendo conquistado quatro Estaduais do Rio pelo Flamengo, tornou-se técnico e dirigiu Internacional, Vitória e Bahia.
Por este último, no qual ficou de 1958 a 1964, conquistou no Maracanã diante do Santos de Pelé (que não atuou no jogo decisivo) a primeira Taça Brasil, em 1959, competição reconhecida pela Confederação Brasileira de Futebol em 2010 como Campeonato Brasileiro.
Carlos Volante morreu em 1987, aos 76 anos, na Itália, porém seu sobrenome permanece vivíssimo no Brasil: é proferido por locutores, comentaristas e repórteres em todo jogo de futebol.
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