O craque brasileiro Vinicius Junior, consagrado como o segundo melhor do mundo na Bola de Ouro do ano passado, caiu neste ano para o 16º lugar na premiação –a mais tradicional do futebol mundial desde que foi instituída pela revista France Football em 1956. Aparecer na lista dos 20 melhores do mundo não é pouca coisa, mas a perda de 14 posições no ranking reflete o status atual de Vini Jr neste início de temporada europeia.
O brasileiro não é mais a principal estrela do Real Madrid. Pelo menos desde o primeiro semestre de 2023, o clube merengue sonhava em contratar o francês Kylian Mbappé. Na época o negócio não chegou a se concretizar –e, na temporada seguinte, a de 2023/24, Vinicius se tornou o astro do time, consagrado pelas exibições na Champions League e pelo destaque na luta antirracista.
Mbappé, no entanto, foi para o Real Madrid em junho de 2024 e logo roubou do brasileiro a primazia de craque do time, como fizera anteriormente com Neymar no PSG. Na temporada passada, a de 2024/25, Vinicius manteve seu patamar de gols, mas o francês anotou 44, o dobro. Como recompensa, Mbappé acaba de herdar a camisa 10 de Luka Modric, lenda madridista com seis Champions League no currículo.
O contrato do brasileiro com o time espanhol termina em junho de 2027, e Vinicius vem encontrando dificuldades para prorrogar o vínculo até 2030 –o que gera rumores de que estaria saindo do clube.
Mas a temporada que antecede a Copa do Mundo 2026 também traz desafios para o brasileiro em campo. Ele começou o primeiro jogo da Champions League deste ano, contra o OIympique de Marselha, no banco de reservas. No campeonato espanhol vem sendo recorrentemente substituído no segundo tempo dos jogos.
No sábado (20), a televisão mostrou o descontentamento do atacante ao ser sacado de campo na partida contra o Espanyol, no Santiago Bernabéu. Em reportagem sobre o assunto, o jornal americano The New York Times aventou problemas de relacionamento entre Vinicius Jr e o novo técnico do Real Madrid, o espanhol Xabi Alonso, contratado no início desta temporada.
Para o português António Veloso, criador de uma pós-graduação em futebol de alta performance na Universidade de Lisboa, a questão é mais complexa. “Com Carlo Ancelotti, o Real Madrid tinha o contra-ataque como uma de suas principais armas, potencializado pelos lançamentos precisos de Toni Kroos e Luka Modric para um Vini Jr. veloz e driblador. O time, assim, jogava em função dele”, diz Veloso, especialista em futebol europeu.
Passou-se um ano, o alemão Kroos abandonou o futebol, o croata Modric transferiu-se para o Milan, e o time passou a jogar em função de Mbappé. “Ao contrário de Ancelotti, Xabi Alonso prefere jogar à maneira espanhola, com muita posse de bola e marcação o campo inteiro”, diz Veloso. “Nesse esquema o time não pode se dar ao luxo de ter dois jogadores que não gostam de marcar. São os casos de Mbappé e Vini Jr, que ainda por cima preferem jogar no mesmo setor, pela esquerda, o que torna um desafio escalá-los ao mesmo tempo.”
Apesar das dificuldades, o atacante brasileiro continua a fazer boas partidas pelo Real Madrid, mostrando inclusive entrosamento com o craque da seleção francesa. No jogo de sábado contra o Espanyol, deu uma assistência para o gol de Mbappé e acertou uma bola na trave. Em partida contra o Levante, na terça (23), jogou como ponta direita e, fora de sua posição, realizou um prodígio da geometria ao enquadrar a bola fora do alcance do goleiro num espaço mínimo entre os zagueiros adversários.
Neste sábado (27), poder ter mais uma chance de brilhar. O Real Madrid faz clássico contra o Atlético de Madrid.
Na última Champions League, os dois times se enfrentaram nas oitavas de final, e a partida só foi decidida nos pênaltis. Para Vinicius Jr a rivalidade ganha contornos dramáticos. Foi num jogo contra o rival madrilenho, em 2022, que começaram os ataques racistas contra o craque brasileiro. No ano seguinte, a torcida colchonera pendurou um boneco com a camisa do brasileiro em uma ponte em Madrid, numa ofensa racista que desembocou em processo judicial, interdição de um pedaço do Estádio Metropolitano e punição contra torcedores por parte do próprio clube.
Desde que despontou como um dos principais clubes europeus, nos anos 1950, o Real Madrid se notabiliza por contratar grandes jogadores, mas nem sempre a coabitação entre astros fulgurantes é possível.
Foi assim durante o reinado do argentino Di Stefano, que não conseguiu conviver com o brasileiro Didi. Da mesma maneira, o brilho do português Cristiano Ronaldo, recentemente escolhido como o maior jogador europeu de todos os tempos, acabou ofuscando o galês Gareth Bale, então a contratação mais cara da história do clube.
O técnico Xabi Alonso chegou ao Real Madrid com a missão de recuperar a hegemonia na Espanha e na Europa, diante de um Barcelona que tem dois jogadores top 5 da Bola de Ouro, Lamine Yamal e Raphinha, e dos supertimes do PSG e Liverpool, detentores respectivamente da Champions League e da Premier League, as principais coroas do futebol mundial de clubes.
Pode ser difícil compatibilizar os egos e talentos de Kylian Mbappé e Vinicius Jr, mas seria certamente um grande passo para recolocar o Real Madrid no caminho dos principais títulos.
Folha de S.Paulo