Uma mulher pode correr uma milha em quatro minutos? – 27/02/2025 – Esporte


Quase três quartos de século após Roger Bannister, da Grã-Bretanha, em 1954, se tornar o primeiro homem a correr uma milha (correspondente a 1,609 km) em menos de quatro minutos, uma conquista que muitos na época consideravam inatingível, cientistas dizem acreditar que uma mulher agora também poderia quebrar essa barreira e expandir ainda mais os limites da possibilidade humana.

Um estudo publicado na revista Royal Society Open Science na terça-feira (25) teoriza que Faith Kipyegon, do Quênia, que em 2023 estabeleceu o recorde mundial feminino de 4 minutos e 7,64 segundos, poderia plausivelmente correr em um tempo de 3:59,37 já neste ano, reduzindo suficientemente o arrasto aerodinâmico com o auxílio de companheiras de treino especializadas em impôr o ritmo da corrida.

Críticos podem descartar a tentativa de uma mulher de correr uma milha em quatro minutos e classificá-la como improvável, golpe publicitário ou mero experimento de laboratório. Mas os autores do estudo acreditam que uma tentativa bem-sucedida apagaria uma barreira mental, inspiraria outras mulheres e se tornaria uma conquista simbólica em uma corrida onde correr quatro voltas em uma pista, em pouco menos de um minuto por volta, ainda mantém um tipo de fascínio mítico.

“Muitas pessoas disseram que era fisiologicamente impossível para Bannister ou qualquer um quebrar os quatro minutos, e tenho certeza de que muitos vão dizer: ‘De jeito nenhum uma mulher vai correr quatro minutos; está a sete segundos de distância'”, disse Rodger Kram, biomecânico e professor emérito da Universidade do Colorado e um dos autores do estudo. “Mas as pessoas disseram que as mulheres não podiam fazer muitas coisas, e então elas fizeram.”

O que ainda não se sabe é se Kipyegon estaria interessada no desafio. Kram disse que estava enviando uma cópia do estudo para ela e seu treinador.

Em uma declaração na quarta-feira (26), Kipyegon disse do Quênia que achou o estudo “interessante” e acrescentou: “Agradeço que as pessoas tomem minha performance de recorde mundial como inspiração para imaginar o que poderia ser possível no futuro.”

O estudo postula que a melhor chance para Kipyegon quebrar os quatro minutos seria através do auxílio de companheiras de treino para ajudar a reduzir a resistência do vento, com uma à sua frente e outra atrás na primeira metade da corrida. Elas seriam substituídas para as duas voltas finais.

Também pode ser possível, dizem os pesquisadores, que Kipyegon possa correr uma milha em menos de quatro minutos sem fazer a troca, se elas também fossem algumas das melhores corredoras de média distância do mundo.

Esse método, se bem-sucedido, qualificaria como um recorde mundial oficial. Ele permite que um atleta em busca de recorde corra mais rápido enquanto usa a mesma quantidade de energia.

A tática de trocar as marcadoras de ritmo foi usada por Eliud Kipchoge, do Quênia, ao quebrar a barreira de duas horas na maratona em 2019. O tempo de Kipchoge de 1 hora 59 minutos e 40 segundos em Viena não qualificou como um recorde mundial porque a rotação dos auxiliares não é permitida sob as regras da World Athletics, o órgão global de atletismo.

“Se tivéssemos que fazer alguma corrida de pista orquestrada, onde colocássemos marcadoras de ritmo novas na metade do caminho, acho que seria bom para mostrar que era fisiologicamente possível”, disse Shalaya Kipp, outra autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado em fisiologia do exercício na Mayo Clinic.

Ainda assim, o estudo certamente será recebido por céticos. Ray Flynn, que competiu em duas Olimpíadas pela Irlanda, correu a milha em menos de quatro minutos 89 vezes e agora é um agente proeminente e diretor de eventos, chamou Kipyegon de “magnífica e brilhante”, mas disse que não achava que fosse fisiologicamente possível para ela ou outra mulher quebrar os quatro minutos sem avanços adicionais na tecnologia de calçados. Ele observou que Kipyegon teria que correr essencialmente dois segundos mais rápido por volta para ficar abaixo dos quatro minutos.

“É romântico pensar nisso, mas sejamos realistas”, disse Flynn.

Mais de 2.000 homens de nível de elite correram uma milha em menos de quatro minutos, assim como mais de duas dúzias de corredores de ensino médio americanos.

O advento dos chamados supertênis, com amortecimento de espuma aprimorado e placas de fibra de carbono elásticas, juntamente com avanços na construção de pistas, ajudaram a tornar as milhas em menos de quatro minutos mais comuns. E a ingestão de bicarbonato de sódio, uma técnica legal que ajuda a amortecer a acidez e neutralizar a interferência com as contrações musculares, também é amplamente usada para corridas curtas e intensas como a milha.

Os autores do estudo reconhecem que uma milha em menos de quatro minutos teria que ser alcançada em condições ideais, entre elas a ausência de vento. E pode não ser fácil encontrar marcadoras de ritmo que possam acompanhar Kipyegon.

Nenhuma mulher chegou a menos de quatro segundos de seu recorde de milha de 4:07,64. Quando ela estabeleceu o recorde em Mônaco em 2023, ela correu sua quarta volta sozinha, o que anulou qualquer ajuda potencial com a resistência do vento.

Idealmente, diz o estudo, uma marcadora correria 1,3 metro à frente de Kipyegon, ajudando a desviar o que seria essencialmente um vento de 15 milhas por hora naquela velocidade de corrida. Uma segunda correria 1,3 metro atrás, empurrando moléculas de ar em direção às costas de Kipyegon e proporcionando uma redução adicional do arrasto aerodinâmico.

Também seria possível tentar quebrar a marca de quatro minutos usando dois atletas masculinos de elite para marcar o ritmo de Kipyegon durante todo o percurso, diz o estudo, mas isso não estaria de acordo com um recorde oficial para uma corrida exclusivamente feminina.

Uma equipe totalmente feminina teria “muitos benefícios psicológicos e sociológicos”, disse Kram. “Acho que seria muito legal ver mulheres sozinhas fazendo isso.”



Folha de S.Paulo