Não foi surpresa para ninguém. A confirmação de que a Arábia Saudita, candidata única, vai sediar a Copa do Mundo de 2034 já era esperada; foi só questão de tempo. A parte preocupante é o processo de escolha da organização do maior evento esportivo do planeta, ao lado dos Jogos Olímpicos, que parece ignorar discussões que temos hoje em sociedades democráticas ao redor do mundo.
Começando pelo anúncio, feito nesta semana pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino. De Zurique, na Suíça, foi virtual e por aclamação, ou seja, com representantes das confederações em diferentes telas aplaudindo. Não houve um voto.
Nenhum grande evento esportivo é perfeito, mas, se no caso dos Jogos Olímpicos futuras sedes são incentivadas a construir menos e a usar arenas que já existem, na candidatura saudita serão 15 estádios, 11 erguidos do zero, sendo um deles em uma cidade que ainda nem existe. O custo total estimado para a Copa é de centenas de bilhões de dólares. E como confiar em compromissos de sustentabilidade de um reino que é o maior exportador de petróleo bruto do mundo?
Além de denunciarem as restrições severas à liberdade de expressão e aos direitos das mulheres, tratadas como seres inferiores, e o fato de a homossexualidade por lá ser crime, organizações respeitadas como a Anistia Internacional e a ONU trazem dados chocantes sobre o histórico de violações de direitos humanos na Arábia Saudita.
Só neste ano, 300 pessoas foram executadas, há tortura em prisões, mais de 20 mil imigrantes de Bangladesh, Índia e Nepal que trabalham em obras de infraestrutura morreram. Com o grande volume de construções de cidades, hotéis, estádios para a Copa do Mundo, esse número sombrio vai aumentar.
Uma frase usada por quem defende a Arábia Saudita é chamar as críticas de “preconceito do Ocidente”. Outra é dizer que “o esporte pode servir como um catalisador de mudanças”. Quando torcedores estiverem em estádios novinhos e em uma bolha protegida da realidade, espero realmente ver que esse Mundial terá causado progressos na sociedade e nas leis sauditas.
Para quem for comprar ingresso, vale o lembrete sobre a data: com temperaturas que passam dos 45°C em julho, em um planeta que a cada dia está mais quente, poderemos ter, de novo, um Mundial no inverno europeu, no fim do ano.
Um esporte global como o futebol deve abraçar diferentes tipos de culturas? Sem dúvidas. Os sauditas têm culpa de se oferecerem para sediar grandes eventos, não por amor ao esporte, mas como uma estratégia inteligente para terem outras fontes de renda e investimentos no futuro além do petróleo? Com certeza não têm.
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A discussão maior é sobre quais são os critérios usados para países receberem a honra de sediar eventos como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, campeonatos mundiais. E a sensação de que, nos próximos dez anos, o futebol pode ser responsável pela morte de potencialmente milhares de trabalhadores.
Os sauditas investiram bilhões de dólares nos últimos anos na indústria global do esporte e agora conseguiram sua maior ambição. Tanto dinheiro traz privilégios. Enquanto quiserem assinar os cheques, boa parte do mundo vai continuar dizendo sim.
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