Um ano depois, existe um legado visível das Olimpíadas e das Paralimpíadas de Paris. Mais de 20 mil pessoas nadaram neste mês no antes poluído rio Sena, liberado para o banho após um século. Dez estátuas de heroínas francesas, negligenciadas pela história e usadas na cerimônia de abertura, agora têm local permanente. O imenso balão com a chama olímpica continuará deslumbrando o público a cada verão até Los Angeles-2028. A periferia ganhou ciclovias, estações de metrô, os apartamentos da Vila Olímpica.
Para o presidente do Comitê Organizador de Paris-2024, porém, o legado mais importante é o que ele chama de imaterial. “O poder do esporte de congregar as pessoas, de emocioná-las, é o fundamental. Porque toca milhões, quiçá bilhões de pessoas”, disse Tony Estanguet em entrevista à Folha.
No próximo sábado (26), os parisienses comemoram, com uma série de eventos, o primeiro aniversário dos “seus” Jogos, que vão figurar por muito tempo entre os melhores da história. Previsões pessimistas de atentados terroristas, caos no trânsito e calor sufocante não se concretizaram. Ficaram na memória coletiva imagens icônicas, da equitação em Versalhes, do ciclismo em Montmartre ou do futebol de cinco ao pé da Torre Eiffel.
Segundo pesquisa recente da empresa Harris, 83% dos franceses “têm uma imagem positiva dos Jogos” de um ano atrás. “O legado é verdadeiramente concreto, a começar pelos habitantes de Seine-Saint-Denis, onde concentramos muitos dos nossos investimentos”, disse à reportagem a ministra francesa dos Esportes, Marie Barsacq, referindo-se ao departamento pobre da Grande Paris onde foi construída a Vila Olímpica.
A abertura de 26 de julho de 2024 foi, segundo Tony Estanguet, o pior e o melhor momento da organização dos Jogos. A cerimônia idealizada por ele, ao ar livre, com um desfile de barcos ao longo do Sena, quase foi estragada pela chuva. “Foi um dia muito intenso, muito difícil”, conta. “No fim da cerimônia, eu estava completamente esgotado. Mas disse a mim mesmo: se sobrevivemos a isso, somos imparáveis.”
Mais que pelo mau tempo, a festa inaugural será lembrada pela performance final de Céline Dion, que entoou do alto da Torre Eiffel o “Hino ao Amor” de Édith Piaf. “Para mim, foi um alívio, uma liberação e uma energizada repentina, pelo orgulho de ter conseguido organizar a cerimônia”, lembra o dirigente.
Os Jogos que começaram tensos terminaram em consagração para Estanguet, com o público no Stade de France gritando “Tony! Tony!” na cerimônia de encerramento. Cogitado até para o cargo de primeiro-ministro, o ex-campeão olímpico de canoagem de 47 anos optou por um período longe dos holofotes. Mudou-se com a família para a cidade natal, Pau, no sudoeste da França.
O papel de presidente do comitê de 2024 exigiu visitas periódicas a Paris até junho, para as reuniões do conselho de administração. Era preciso fechar a contabilidade –eterno motivo de polêmica a cada edição dos Jogos. No mês passado, um relatório preliminar do Tribunal de Contas francês estimou em quase € 6 bilhões (cerca de R$ 39 bilhões) o custo do megaevento, sendo 46% despesas de organização, e o restante gastos com infraestrutura.
Estanguet e o comitê organizador contestaram o relatório, segundo eles pelo menos um terço acima do custo real. “Não se pode misturar investimentos perenes e temporários”, alega ele. “Infelizmente, muitas vezes querem somar tudo para inflar a conta o máximo possível.”
O dirigente vem desempenhando o papel de consultor, tanto junto ao comitê organizador de Los Angeles-2028 quanto dos próximos Jogos de Inverno, que serão nos Alpes franceses, em 2030. Segundo ele, seu projeto não é político. “Não tem nada muito concreto ainda, mas a partir de setembro vou trabalhar no esporte, seja em eventos, seja como consultor. Mas no esporte.”
Das lembranças que Estanguet tem de 2024, uma das melhores tem a ver com o Brasil. “Sem refletir muito, penso na hora no Gabrielzinho, que marcou a mente de bilhões de pessoas”, diz sobre Gabriel Araújo, ganhador de três ouros na natação paralímpica. “Ele nos conquistou. Encarna tudo o que amamos: êxito, excelência, alegria de viver, superação, solidariedade. Devemos muito a ele o sucesso de Paris-2024”, completa.
Folha de S.Paulo