
Juninho Paulista jogou duas partidas no mesmo dia em 1994
O calendário do futebol brasileiro é sempre motivo de críticas por parte de vários times do país.
Com jogos acontecendo no meio e no final da semana, atletas, treinadores e dirigentes reclamam que os jogadores ficam exaustos e mais propensos a sofrerem lesões musculares.
Fora isso, ainda há um problema crônico: vários campeonatos no Brasil não param durante a realização de torneios que envolvem seleções.
O regulamento de competições da CBF diz que nenhum time pode atuar em um intervalo menor que 66 horas entre uma partida e outra.
Entretanto, muitas vezes essa regra não é respeitada e times são obrigados a entrar em campo em um período menor que esse. Ou pior, jogar duas vezes no mesmo dia.
Bahia em dose dupla
Um dos casos mais recentes do futebol brasileiro aconteceu em 2016, quando o Bahia disputou duas partidas em um intervalo de poucos minutos.
O primeiro jogo, válido pelo Campeonato Baiano, começou às 19h30, no estádio da Fonte Nova, em Salvador.
Jogando com o time titular, o Bahia goleou o Galícia por 4 a 0.
Às 21h45, 15 minutos depois do primeiro jogo terminar, o Bahia voltou a entrar em campo em Petrolina, Pernambuco, a mais de 500 km de Salvador.
Em uma partida contra o Juazeirense, válido pela Copa do Nordeste, o Bahia usou somente jogadores da equipe sub-20 e não fez feio: venceu por 2 a 1.
Final da Libertadores ou Campeonato Equatoriano?
Ainda em 2016, o Independiente del Valle viveu uma situação ainda mais absurda.
No dia 20 de julho o time entrava em campo para disputar o jogo mais importante da sua história: a final da Copa Libertadores.
Jogando em casa, às 19h45, o time equatoriano empatou em 1 a 1 contra o Atlético Nacional, da Colômbia.
Cerca de 6 horas antes, o mesmo Independiente del Valle, com um time totalmente alternativo, entrou em campo contra o El Nacional pela 20ª rodada do Campeonato Equatoriano. O jogo terminou 5 a 2 pro El Nacional.
O técnico do Independiente Del Valle, o uruguaio Pablo Repetto, esteve presente nas duas partidas, já que os dois jogos aconteceram na cidade de Quito.
Uma semana depois, o Del Valle perdeu por 1 a 0 para o Atlético Nacional e ficou com o vice-campeonato da Libertadores de 2016.
Ceará com atenções divididas
Voltando um pouco mais na linha do tempo, em 2003 o Ceará também fez dois jogos no mesmo dia: um pelo Campeonato Cearense e outro pela Copa do Nordeste.
Pra deixar a coisa ainda mais surreal, os dois jogos aconteceram no mesmo horário: às 20h30.
O time titular viajou à Bahia pra enfrentar o Fluminense de Feira de Santana em jogo válido pela Copa do Nordeste.
Já o time reserva ficou em Fortaleza pra enfrentar o Boa Viagem pelo Campeonato Cearense.
Como se não bastasse a situação completamente inusitada, o Ceará perdeu as duas partidas pelo mesmo placar: 2 a 0.
Chape no Brasil e na Itália… ao mesmo tempo
Em 2018, a Chapecoense também jogou duas vezes no mesmo dia e provavelmente bateu o recorde de distância entre as duas partidas.
Um time alternativo viajou à Itália para enfrentar o Torino em uma partida amistosa que homenageava jogadores dos dois times. Tanto o Torino quanto a Chapecoense foram vítimas de tragédias aéreas.
Em 1949, o time italiano retornava de Portugal após uma partida contra o Benfica, quando pouco antes do pouso o avião foi atingido por um forte nevoeiro e bateu contra uma igreja, matando todos os ocupantes a bordo.
67 anos depois, em 2016, a Chapecoense viajava para a Colômbia para disputar a primeira partida da final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional.
Devido a uma sucessão de erros e negligência da companhia aérea contratada, o avião ficou sem combustível e caiu em uma montanha, matando 71 das 77 pessoas a bordo.
A partida amistosa entre Torino e Chapecoense foi disputada no Estádio Grande Torino, na cidade de Turim, e o placar terminou 2 a 0 para o Torino.
Horas depois, o time titular da Chapecoense entrava em campo, na NeoQuímica Arena, em São Paulo, para enfrentar o Corinthians pelo Campeonato Brasileiro. A Chape perdeu novamente, desta vez por 1 a 0.
A bagunça do calendário do futebol brasileiro
O ano de 1994 marcou, provavelmente, um recorde de times jogando no mesmo dia.
Na temporada de 94, o calendário do futebol brasileiro era uma verdadeira bagunça. Para piorar, a Federação Paulista de Futebol inventou mais um torneio para inchar ainda mais a agenda dos clubes.
Dois meses após o fim do Campeonato Paulista, foi disputado um torneio chamado Copa Bandeirante, que reunia os melhores times da primeira até a terceira divisão do Paulistão.
O campeão do torneio ganhava uma vaga na Copa do Brasil, mas mesmo assim os times grandes de São Paulo não deram atenção para o torneio.
No dia 29 de julho, o São Paulo enfrentou o Araçatuba pela 4ª rodada da Copa Bandeirante com um time formado por jogadores promovidos das categorias de base, equipe que ficou conhecida como Expressinho.
Mesmo com ingressos colocados à venda por 3 reais, apenas 24 torcedores foram ao estádio do Morumbi para acompanhar a partida, um dos piores públicos já registrados no estádio.
O motivo para um público tão baixo é que essa partida contra o Araçatuba começou às 21h00. Às 22h30 o time principal do São Paulo entrava em campo no Chile para enfrentar o Unión Española no primeiro jogo das quartas de final da Libertadores de 1994.
Ou seja, quem fosse ao estádio assistir o jogo contra o Araçatuba, com certeza perderia ou o jogo inteiro ou grande parte da partida do Tricolor na Libertadores.
A partida no Chile terminou empatada em 1 a 1, com o gol são-paulino marcado por Juninho Paulista.
Quatro meses depois, no dia 16 de novembro, o São Paulo entrava em campo novamente duas vezes no mesmo dia. O detalhe é que o time contou com um jogador em específico disputando as duas partidas: o Juninho Paulista.
Às 20h00, jogando no estádio do Morumbi, o São Paulo recebeu o Sporting Cristal, do Peru, pelas quartas de final da Copa Conmebol.
Mais uma vez jogando com um time formado por jogadores recém-promovidos da base, como o goleiro Rogério Ceni e o meia Denílson, o Expressinho venceu o Sporting Cristal por 3 a 1, com um gol de falta de Juninho Paulista, que entrou em campo aos 12 minutos do segundo tempo.
Duas horas depois, às 22h00, no mesmo estádio do Morumbi, o São Paulo recebeu o Grêmio pelo Campeonato Brasileiro.
Dessa vez jogando com o time titular, que tinha Zetti, Júnior Baiano, Cafu e Euller, o São Paulo venceu novamente por 3 a 1.
Juninho Paulista, que já tinha jogado pouco mais de 30 minutos contra o Sporting Cristal, entrou novamente em campo contra o Grêmio no segundo tempo, mas dessa vez sem marcar gols.
Uma curiosidade é que o time titular do São Paulo era treinado por Telê Santana e o time reserva era comandando por Muricy Ramalho, que chegou a ser campeão da Copa Conmebol de 1994, jogando somente com o time alternativo.
Na temporada de 1994, o São Paulo, seja com o time titular ou com o Expressinho, disputou absurdos 92 jogos.
Só não foi pior que a temporada anterior, em 1993, quando o time paulista jogou inacreditáveis 97 vezes entre jogos oficiais e amistosos.
O campeonato interminável
Em 1994 a Federação Gaúcha de Futebol também resolveu dificultar a vida dos jogadores e inventou um Campeonato Gaúcho que durou o ano todo, começando em março e só terminando em dezembro.
O torneio foi disputado em formato de pontos corridos, com intermináveis 44 rodadas.
O Grêmio, além de disputar o Gauchão, também tinha no calendário o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil, a Copa Conmebol e a Supercopa Sul-Americana, além de jogos amistosos no Japão e na Tailândia no início do ano, e um torneio amistoso no Rio Grande do Sul que envolveu o Internacional e a seleção da Nigéria.
Com tantas partidas no calendário, o Grêmio jogava praticamente a cada 2 dias.
Com o final do ano se aproximando, a Federação Gaúcha teve que encaixar vários jogos do Grêmio na mesma data de partidas do clube no Campeonato Brasileiro. Em 7 ocasiões o Grêmio jogou duas partidas no mesmo dia.
Porém, em 11 de dezembro, uma situação ainda mais absurda aconteceu: o Grêmio foi obrigado a jogar 3 vezes no mesmo dia.
Nessa altura, o Campeonato Gaúcho já estava definido e o Internacional já era campeão antecipado. Então, as partidas do Grêmio só serviram para cumprir tabela.
Às 14h00, em uma tarde quente com sensação térmica de 45 graus, o Grêmio entrou em campo para enfrentar o Aimoré no Estádio Olímpico, em Porto Alegre.
Com um time totalmente alternativo, formado principalmente por jogadores das categorias de base, o jogo terminou sem gols.
Às 16h00, foi a vez do Grêmio enfrentar o Santa Cruz, dessa vez com jogadores considerados titulares, como o goleiro Danrlei, o zagueiro Scheidt, o meia Carlos Miguel e o atacante Jacques.
Numa partida bem mais movimentada, o Grêmio venceu a segunda partida do dia por 4 a 3.
Às 18h00, o Grêmio voltava a campo pra fechar a rodada tripla contra o Brasil de Pelotas.
Novamente com o atacante Jacques em campo, o Grêmio venceu por 1 a 0, com o gol justamente marcado por Jacques.
Outro jogador que entrou em campo duas vezes foi o meia Emerson, que mais tarde faria sucesso defendendo a Seleção Brasileira e vários times no futebol europeu.
Os dois primeiros jogos da maratona gremista foram comandados pelo auxiliar Zeca Rodrigues. A terceira partida teve o técnico Luiz Felipe Scolari na beira do campo.
Os jogadores contam que a situação no vestiário entre as partidas era caótica, com jogadores que acabaram de jogar voltando pra tomar banho enquanto outro grupo se aquecia e fazia a preleção para o próximo jogo.
No mesmo Gauchão de 1994, o Juventude também disputou dois jogos no mesmo dia em duas oportunidades.
O interminável Campeonato Gaúcho de 1994 teve 23 participantes e 9 times rebaixados, reduzindo bastante o torneio do ano seguinte, e consequentemente, a confusão de datas dos clubes.
Problemas antigos no futebol atual
A situação inusitada que obriga um clube a disputar duas partidas no mesmo dia não é algo restrito ao passado. Em 16 de agosto de 2025, três times paulistas passaram por essa situação.
O Guarani viajou com uma equipe alternativa até a cidade de Americana, interior de São Paulo, para enfrentar o Rio Branco em partida válida pela última rodada da primeira fase da Copa Paulista.
O jogo, que começou às 15h00, terminou empatado em 2 a 2.
Às 19h30, o time principal do Guarani entrava em campo em Natal, Rio Grande do Norte, para encarar o ABC, pela 17ª rodada do Brasileirão Série C. O time paulista venceu por 4 a 3.
Na mesma data, a Internacional de Limeira também disputou um partida pela Copa Paulista. Com a classificação já assegurada para a próxima fase, o time de Limeira perdeu para o Itapirense por 3 a 2, em jogo iniciado às 15h00.
2 horas depois, às 17h00, a equipe principal da Inter de Limeira tinha um desafio muito mais importante em sua agenda: a partida de ida das oitavas de final do Brasileirão Série D.
Em Cariacica, Espírito Santo, a Inter derrotou o Rio Branco/ES por 1 a 0.
Outro clube paulista que enfrentou jornada dupla foi o Botafogo de Ribeirão Preto.
Às 15h00 o time perdeu para a Francana por 1 a 0, em jogo válido pela Copa Paulista.
Às 16h00, o time principal do Botafogo entrava em campo em Belém do Pará para encarar o Remo, em jogo pela 22ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro. O placar terminou empatado em 1 a 1.
O caso do Botafogo de Ribeirão Preto é ainda mais inusitado, pois a situação não é inédita para o clube.
Em 9 de outubro de 1988, o time também jogou duas partidas por torneios distintos.
O time principal foi até Goiânia enfrentar o Atlético/GO pelo Brasileiro Divisão Especial, equivalente à atual Série B. Após empate sem gols no tempo normal, o duelo foi decidido nos pênaltis, com vitória do Botafogo.
Já o time alternativo venceu o Noroeste de Bauru por 1 a 0, pelo Torneio Eduardo José Farah.
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