No tablado do ginásio, Rebeca Andrade se apresenta pronta e determinada a realizar uma sequência impecável. Naquele momento, é apenas ela, seu corpo e sua mente. Mas por trás de cada movimento, Rebeca reconhece o apoio essencial de sua família, amigos e equipe técnica. “Ninguém chega a lugar nenhum sozinha”, diz a maior medalhista olímpica do Brasil.
Ao seu lado, a jovem de 25 anos possui uma rede de apoio potente que nunca deixa de mencionar em suas entrevistas. Tudo começa com sua família. Filha de dona Rosa Santos, uma mãe solo que criou Rebeca e mais sete filhos na Vila Fátima, em Guarulhos, na Grande São Paulo, a atleta aprendeu cedo o valor da resiliência.
Dos exemplos de esforços vindos da mãe ao longo dos anos, Rebeca diz que sua criação foi baseada na humildade. “Tenho diversos valores, minha mãe me ensinou muitas e muitas coisas, mas para minha vida de hoje em dia, humildade e respeito com todos é uma das coisas que mais uso”, afirma.
Com uma diferença pequena de idade entre os irmãos, as brincadeiras em família eram constantes. “Lembro sempre de brincar muito com os meus irmãos, das idas aos treinos, me alimentando, me levando para a escola, me ajudando com tudo que eu precisava”, conta.
Quando Rosa estava trabalhando, cabia a Emerson, o segundo filho, levar Rebeca ao ginásio Bonifácio Cardoso. Ainda assim, apoio da mãe nunca faltou. “Mesmo trabalhando tanto, ela sempre estava disponível para ajudar, sempre com muito amor e carinho.”
Tenho diversos valores, minha mãe me ensinou muitas e muitas coisas, mas para minha vida de hoje em dia, humildade e respeito com todos é uma das coisas que mais uso
Construir o caminho até o sucesso não foi fácil. Desistir já passou várias vezes por sua cabeça, principalmente após três lesões graves no joelho direito. Ela só não jogou a toalha graças ao apoio da família e de toda sua equipe, como o treinador Chico Porath e a psicóloga Aline Wolff. Ela também se agarrou à certeza de que ainda podia subir em muitos pódios. “Queria mostrar ao mundo todo o potencial e o dom que Deus me deu.”
Nas Olimpíadas de Paris 2024, Rebeca consolidou esse potencial, tornando-se a atleta brasileira com mais medalhas olímpicas: seis no total, incluindo duas de ouro, três de prata e uma de bronze. Suas conquistas fizeram o Brasil sorrir e se emocionar. “Aprendi muito ao longo dos anos, tanto no âmbito profissional quanto pessoal, e levo esses aprendizados não só para minha vida esportiva, mas para minha vida após o esporte.”
Um dos momentos mais marcantes foi quando Simone Biles, maior ginasta do mundo, e Jordan Chiles reverenciam Rebeca no pódio do solo — naquele dia, formado só por atletas negras. “Nós estávamos ali representando, não só cada uma sua nação, mas também sendo representatividade para muitas pessoas que, às vezes, não têm oportunidade”, afirma. “Fazer com que as pessoas possam acreditar que é possível e continuem sonhando é algo muito, mas muito significativo.”
A excelência que exibiu nos Jogos fez a jovem vencer o Prêmio Todas em duas categorias: Esporte e Personalidade do Ano.
Conheça o Prêmio Todas
Distinção, idealizada pela iniciativa Todas, premia mulheres em oito áreas do conhecimento, divididas na categorias Ciência e Tecnologia, Cultura, Economia, Educação, Energia Limpa, Esporte, Política Pública e Saúde. Também foi escolhida a personalidade do ano. Ganhadoras foram eleitas a partir de júri composto por jornalistas, empresárias, ativistas, acadêmicas e membros do terceiro setor.
Com esse histórico e destaque que a acompanha, fica difícil manter a humildade. Mas a ginasta e colega de equipe de Rebeca, Lorrane Oliveira, garante que é uma qualidades da atleta. “Eu acompanho ela desde antes da fama, desde antes de todos os títulos inéditos dela. E ela só melhora a cada ano mentalmente”, diz. “Simples, humilde, uma mulher incrível, guerreira que não desiste dos sonhos e continua correndo atrás.”
Lorrane conheceu Rebeca em 2008, mas só começaram a se aproximar em 2011, quando a última entrou para o Clube de Regatas do Flamengo. A amizade cresceu e até passaram a se chamar de gêmeas. No Rio, as atletas moraram juntas e constataram que, além do talento, compartilham peculiaridades, como a falta de carisma pela manhã. “Chegamos ao ginásio, damos bom dia e só. Começamos a falar mais conforme o treino avança”, brinca Lorrane.
A conversa durante o treino rende. “Ninguém segura a gente, porque a fofoca é o dia todo”, diz entre risadas. “A gente fala muito, e o Chico fica para morrer.”
O ritmo da amiga, diz Lorrane, é único. “A Rebeca é fora do normal. Ela chega, faz o treino dela em uma hora e meia e acabou. E eu que lute, porque ela fica conversando comigo horas enquanto eu ainda estou no primeiro aparelho.”
Assim como Rebeca recebe muito apoio, ela também motiva suas colegas. “Se eu não tivesse ela no meu dia a dia, na minha rotina, não sei o que seria de mim. Não sei se eu estaria ainda na ginástica, se eu seria feliz”, diz a amiga.
Outra característica marcante de Rebeca é sua tranquilidade antes das provas, o que a faz ser “fora da caixinha”, como diz Lorrane. Enquanto outras atletas se aquecem intensamente de um lado para o outro, Rebeca permanece calma e tenta passar isso para a equipe. “Ela diz que só precisa estar com as mãos e os pés quentes, e está pronta.”
Essa serenidade foi conquistada ao longo dos anos e, de certa forma, influenciou sua decisão de estudar psicologia, principalmente pelo modo como sua psicóloga trabalha. “Gosto de conhecer as pessoas e de ajudar. Talvez isso venha da minha empatia e do desejo de fazer a diferença de outras maneiras também”, diz Rebeca.
A atleta inspira uma nova geração de meninas, que querem adentrar ou ter sucesso na ginástica artística —assim como ela foi impactada pelo desempenho da veterana Daiane dos Santos. Neste ano, Rebeca recebeu uma homenagem da Mattel, que fez uma Barbie à sua semelhança.
Pode ser que a ginasta mude de ideia no futuro, mas, neste momento, o que ela quer é “fazer com que as pessoas acreditem, que elas sonhem e que sintam que são capazes de alcançar, independentemente da idade e do sonho que elas tenham, desde que elas corram atrás e tenham sempre o apoio de pessoas boas que também acreditem no seu potencial”.
Rebeca não sabe o que será de seu futuro na ginástica, mas trabalha para que seja sempre inovador. “É algo que faz muito meus olhos brilharem”, diz. “Gosto de coisas novas, de experiências novas, de desafios.”
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