A carreira de coletor de lixo no Brasil não é muito recompensadora. Com salário na casa dos R$ 2.000 (com o complemento de insalubridade), 40 horas semanais de trabalho e a necessidade de pegar no pesado o tempo todo, a profissão é estafante e expõe o trabalhador aos rigores do clima e a outros riscos —cortes com cacos de vidro não são incomuns.
Coveiros ganham melhor, ainda que em jornadas de 44 horas semanais: cerca de R$ 2.500.
Mas não é tão ruim ser coletor na Suécia, em que os salários não são discrepantes em relação aos de outras carreiras, como a de jornalista, por exemplo.
Se há alguma vantagem competitiva em ser coletor de lixo no Brasil, é a do ganho de condicionamento físico. Diversos coletores que participam de corridas ganham-nas. Casos do baiano Renilson Vitorino da Silva, 38, bicampeão da maratona SP City e vencedor da maratona de Brasília disputada no último dia 21; e de Ivanildo Dias de Souza, 45, campeão do Troféu Independência, sub-30 nos 10km e criador e sponsor de uma corrida que leva seu nome em seu povoado natal, Lagoa do Meio, em Monte Santo, na Bahia.
Há aqueles, poucos, que deixaram a profissão para abraçar o alto rendimento. Caso do mineiro Johnatas de Oliveira Cruz, 34 anos, descoberto e lapidado por Fran Kauê, não por acaso treinador de Renilson e Vitorino.
O caso mais famoso é o do paulista Solonei Silva, ex-atleta olímpico e hoje educador físico, ouro na maratona no Pan de Guadalajara, em 2011, e integrante da equipe brasileira na maratona dos Jogos do Rio.
Com tempo de 2h12m45s, Johnatas Cruz venceu domingo passado (27) a maratona NB de Porto Alegre, quebrando o recorde das provas de 42km da capital gaúcha, de 1994. Em 2023, fez seu recorde pessoal: 2h10m43s na maratona de Hamburgo (Alemanha).
À coluna o atleta explicou como ter sido coletor de lixo por dez anos em São Paulo o ajuda na pista –ele também é o brasileiro mais bem colocado nas duas últimas edições da São Silvestre. Na de 2024 chegou em quarto lugar:
“A coleta de lixo me ajudou a construir uma mente mais forte. Nos dias chuvosos e frios, de noite, era muito difícil suportar o trabalho. Mas aprendi ali que conseguiria ir mais longe.”
“E hoje, principalmente na maratona, quando você está no km 30, no 35, é uma dor também, mas uma dor suportável. Na coleta de lixo eu entendi que poderia ir mais longe.”
Cruz também foi frentista e sonhou ser jogador de futebol. Chegou a fazer peneiras no Corinthians e em times do ABC. Mas no fim é grato por seu trabalho pregresso.
“Agradeço muito ter pegado essa jornada de coleta de 2012 a 2022. O difícil foi conciliar com o treinamento. Acabava descansando pouco, o turno era das 18h às 2h da manhã, tinha cinco, seis horas para dormir e sair para treinar.”
Considerando as dificuldades pelas quais passa um coletor de lixo no Brasil, alguém que raramente pode investir em supertênis, suplementos nutricionais ou até mesmo refeições equilibradas, é de se pensar o que faz de fato diferença na corrida para nós, amadores.
Neste domingo (4), no Anhangabaú, em São Paulo, a Corrida do Gari vai juntar algumas estrelas do atletismo que vivem da coleta em São Paulo. Elas disputam a inscrição para a próxima São Silvestre, que neste ano celebra 100 anos. Poucas provas poderiam ser mais inspiradoras.
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