Problemas na Copa América acendem alerta para Mundial – 30/07/2025 – Esporte


A disputa da Copa América feminina no Equador provocou nos últimos dias uma série de críticas de jogadoras e treinadores que participam da competição sul-americana, que vão desde as condições precárias dos gramados até a baixíssima presença de público nas arquibancadas.

O descaso e a falta de investimentos voltados ao futebol feminino por parte da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), responsável pela organização da competição, despontam como a principal razão por trás das falhas apontadas, segundo especialistas que acompanham há anos a modalidade.

Eles assinalam também que os problemas observados no torneio continental devem servir como um alerta para a organização da Copa do Mundo feminina que acontecerá no Brasil, em 2027.

“A Conmebol é uma entidade que deixa muito a desejar na organização dos campeonatos. E quando está em jogo o futebol feminino, que historicamente tem um fosso de desigualdade, com uma série de obstáculos para seu desenvolvimento, a situação acaba se tornando ainda mais complicada”, afirmou Leda Maria da Costa, pesquisadora do Observatório Social do Futebol, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

CEO da Universidade do Futebol, Heloisa Rios assinalou que, embora haja jogadoras, treinadoras e outras profissionais bastante competentes no futebol feminino da América do Sul, elas não são capazes de, sozinhas, fazer com que a modalidade dê um salto de patamar na região.

“Não só a Copa América, mas a própria Libertadores feminina é um reflexo do descaso da Conmebol. As postagens nas redes sociais das jogadoras denunciando o estado dos gramados, dos ônibus que as transportam para os estádios, é inconcebível, é inaceitável”, afirmou Heloísa.

A falta de planejamento fica ainda mais evidente diante do contraste com a Euro feminina, que aconteceu neste mês na Suíça.

Enquanto a Uefa (União das Associações Europeias de Futebol), responsável pela organização da Euro, aumentou em 156% a premiação destinada às seleções, com acordos de transmissão para mais de 150 países, a Conmebol apenas manteve os valores da edição de 2022, com acordos de transmissão somente entre os países da América do Sul, além dos Estados Unidos.

Além disso, enquanto a competição europeia com 16 seleções aconteceu em oito estádios espalhados por diferentes cidades suíças, a disputa sul-americana com dez equipes se concentrou em apenas três, em Quito. Foi essa escolha por parte da Conmebol que obrigou as jogadoras a se aquecerem exprimidas dentro de vestiários compartilhados nas rodadas iniciais do torneio, junto com atletas do time adversário.

Resultado do trabalho das respectivas confederações locais ao longo dos últimos anos, a Euro foi um sucesso de público, com mais de 650 mil torcedores apenas na fase de grupos, ao passo que a Conmebol sequer divulga o público das partidas, diante de estádios quase sempre vazios.

A final da competição acontece no sábado (2) no Estádio Casa Blanca, com o Brasil em busca do nono título contra a Colômbia.

Procurada, a Conmebol não respondeu aos pedidos de comentário.

Diretora da agência de marketing esportivo End to End, Danielle Vilhena afirmou que a diferença de público reflete o investimento, a estrutura e a valorização da modalidade em cada uma das regiões.

“Na Europa, o futebol de mulheres é tratado como um produto estratégico, com ligas nacionais bem organizadas, um reflexo do sucesso da Champions inclusive, com grandes atletas em campo e forte cultura de engajamento do produto com o fã.”

Leda, da Uerj, acrescentou que os torneios sul-americanos precisam ser mais promovidos midiaticamente, “sendo empacotados e vendidos como um grande produto.”

A pesquisadora afirmou que os problemas identificados na Copa América devem servir como um alerta para a organização pela Fifa (Federação Internacional de Futebol) da Copa do Mundo daqui a dois anos.

“A Copa do Mundo feminina chegou em um novo patamar de visibilidade, e o país que a sedia tem que ter isso em mente”, afirmou. “A Copa América acaba sendo um exemplo daquilo que não deve e não pode acontecer.”

Heloisa, da Universidade do Futebol, disse que é preciso estabelecer padrões mínimos de governança nas competições sul-americanas, de clubes ou de seleções, para que as falhas possam ser rapidamente detectadas e corrigidas.

“Ainda há um olhar muito displicente para a modalidade, sendo que deveríamos ser mais exigentes como indústria.”

Professor da EEFE/USP (Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo), Ivan Furegato prevê que os jogos da seleção brasileira na Copa devem contar com boa presença de público, assim como já aconteceu durante partidas da equipe nos Jogos Pan-Americanos e nas Olimpíadas no Rio de Janeiro, em 2007 e 2016, respectivamente.

Em confrontos envolvendo seleções de menor apelo, no entanto, ele avalia que será preciso que os organizadores adotem estratégias alternativas para atrair os torcedores.

“Em jogos com seleções sem tanta tradição, principalmente na primeira fase, talvez seja preciso pensar em alguma política de preços, ou até mesmo de gratuidade”, disse o professor, acrescentando que grupos escolares ou de projetos sociais poderiam ser beneficiados.

São pessoas que normalmente não frequentariam partidas de futebol feminino e que podem passar a acompanhar a modalidade com mais atenção a partir dessa experiência, fomentando o crescimento do esporte na região, assinalou Furegato.

Ary Rocco, da EEFE/USP, afirmou que é preciso que os organizadores na América do Sul tenham em mente que o futebol masculino e o futebol feminino dialogam com públicos diferentes, necessitando de abordagens e divulgações segmentadas para cada um deles.

“Essa sensibilidade é fundamental para o sucesso de um evento, e pode até parecer óbvia, mas a Conmebol deixa claro que não houve esse cuidado”, disse Rocco. “Essa postura vai irradiar para todo o ecossistema no entorno, como patrocinadores, torcedores e meios de comunicação.”



Folha de S.Paulo