Mais do que a derrocada espetacular da última revolução futebolística em Nova Jersey, as resenhas esportivas do fim de semana se ocuparam de assunto bem mais candente, por demasiadamente humano: a espinafrada pública dada pelo técnico do Flamengo, Filipe Luís, no centroavante Pedro, durante a entrevista coletiva que sucedeu ao jogo Flamengo 2 x 0 São Paulo.
Os resenhistas captaram bem o valor histórico da fita. O jovem técnico do Flamengo fez algo raramente visto, ou jamais visto, no futebol brasuca: não usou meias palavras contra um comandado. Filipe certamente sabia que essa decisão fundaria uma nova era da relação entre os dois; e quem sabe entre treinador e grupo.
Disse que Filipe não usou meias palavras, mas desdigo: o que ele fez foi despejar sentenças bombásticas. “O que aconteceu foi que o comportamento do Pedro durante a semana foi lamentável. Beirou o ridículo. […] Rompeu com um princípio claro […], que é a cultura de treino.”
Minha opinião sobre o caso importa lhufas, mas recomendo os senões de Arnaldo Ribeiro e a constatação de Juca Kfouri da divergência entre comentadores homens e mulheres neste “Posse de bola”, do UOL.
Mas vamos à ideia do título. Há limites na transposição para a corrida, já que normalmente você é um amador a correr não por um clube (ou “instituição”, como os técnicos agora preferem), mas para si.
E nem por isso deixa eventualmente de se cobrar caso sua performance “beire o ridículo”, ou, para usar outra do Filipe, “dados do GPS” mostrem que ficou a dever.
Mas a quem mesmo fica a dever? Por que buscar uma evolução na corrida para além do bom condicionamento físico e da manutenção de uma vida saudável, algo que a atividade é pródiga em encaminhar?
Questiono aqui duas premissas que são tomadas sem mais aquela no pequenino mundo da corrida: a) treino é treino, prova é prova; b) você precisa participar de provas.
Verifico que algumas pessoas necessitam de metas, pequenos objetivos que as motivem a sair de casa, mas expectativas e exigências excessivas podem subtrair todo o prazer da atividade.
E subtrair o prazer de uma atividade, qualquer que seja ela, é condená-la a um fim precoce.
Formo, já o disse antes, com o clã Nuno Cobra e sua visão da atividade física como pilar de um cotidiano saudável, com a mesmíssima importância do sono e da alimentação. Daí ser fundamental tê-la introjetada no dia a dia, imune ao ciclo de estímulos e frustrações que um modelo de recompensa e castigo pode suscitar.
O que significa que você não precisa de uma única prova para justificar o empenho dos quatro ou cinco meses pregressos.
Educadores físicos objetariam: diriam que sem novos estímulos de treinamento não se dá a quebra de situação de adaptação do corpo (“homeostase”, no jargão) e, consequentemente, que o condicionamento não evolui; ou, mais ainda, que uma posologia de corrida autodidata pode levar a lesões. Não divirjo, mas lembro que correr é uma atividade intuitiva e que nada é pior do que o sedentarismo.
Beirar o ridículo por uma semana talvez seja um preço bastante módico a pagar para manter a atividade física firme em seu cotidiano, algo que você deveria fazer sem pensar muito, como quando almoça na hora do almoço ou dorme na hora de ir dormir. Sim, correr uma prova no domingo pode ser um plus a mais, mas não se estresse por ela.
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Folha de S.Paulo