Os desafios da mídia segmentada em cobrir os grandes de São Paulo


O iG Esporte conversou com mídias segmentadas dos quatro maiores clubes de São Paulo
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O iG Esporte conversou com mídias segmentadas dos quatro maiores clubes de São Paulo

O jornalismo esportivo encontra, no dia a dia, diversos desafios a serem superados, mas as barreiras ficam ainda maiores quando consideramos a realidade das mídias segmentadas. Além dos problemas gerais da cobertura dos clubes e do fato de não estarem inseridos na chamada “imprensa tradicional”, alguns veículos precisam ser perseverantes para ultrapassar os obstáculos em busca da informação.

Com o intuito de ouvir depoimentos desse lado do jornalismo esportivo, o iG Esporte entrou em contato com veículos que cobrem os quatro grandes times de São Paulo, para destacar a realidade da mídia segmentada. Nossa reportagem ouviu representantes dos sites “Nosso Palestra”(Palmeiras), “De olho no Peixe”(Santos), “Central do Timão”(Corinthians) e “Arquibancada Tricolor”(São Paulo).

Buscamos entender quais os maiores obstáculos que essas mídias não tradicionais encontram na cobertura dos clubes, e também saber como os jornalistas lidam com a questão de separar a paixão pelo time de coração, do trabalho que está sendo exercido.

Ricardo Senna, um dos criadores do “Arquibancada Tricolor”, explica que mesmo com quase duas décadas de existência do site, ainda há muito a ser feito. Ele também relembrou as adversidades encontradas no início do projeto.

“Apesar de estarmos no ar há quase 17 anos, ainda digo que estamos conquistando nosso espaço. Inicialmente havia uma visão ruim sobre mídias segmentadas ou independentes, por vezes rotuladas pejorativamente. O nosso trabalho não era levado muito a sério, então havia uma necessidade de trabalhar muito mais, ter mais cuidado com a apuração de conteúdos e cometer o menor número de erros possível para evitar problemas, que no nosso caso, toma uma proporção maior”.

Senna afirma que a presença nas partidas tem feito a diferença: “Como estamos presentes em todos os jogos, dentro e fora de casa, isso faz com que possamos estabelecer parcerias e compartilhar conteúdos com grandes veículos da mídia tradicional. Mas ainda encontramos algumas dificuldades para obter entrevistas exclusivas com jogadores, quando tentamos solicitar”.

Sobre a relação entre a paixão pelo São Paulo e o jornalismo de qualidade, Ricardo faz um alerta: “Este é um ponto importante, porque por mais que sejamos um canal segmentado, precisamos ser isentos o suficiente para reportar, trazer informações e não direcionar o nosso público, mas permitir com que todos possam ver conteúdos e argumentos para formar suas próprias opiniões. Eu costumo dizer que depois que comecei a me dedicar 100% a este trabalho, eu passei a entender muito do que acontece no dia a dia e fazer com que o meu lado torcedor não fosse mais tão impulsivo ou que tomasse o lugar do meu lado profissional ao criar algum conteúdo”.

No caso do Palmeiras, o iG Esporte conversou com André Galassi, repórter do “Nosso Palestra”, site de mídia segmentada do Verdão. André reforça o discurso de Ricardo Senna e diz que a tradição no jornalismo independente ajuda, mas não elimina o problema, sobretudo em relação ao preconceito que ainda existe com a mídia segmentada.

“Hoje, o ‘Nosso Palestra’ já se consolidou no cenário da cobertura do Palmeiras. Estou aqui há quatro anos, o ‘NP’ já soma mais de sete ‘de estrada’, então é legal ver os obstáculos sendo superados. Estamos nos jogos, nos eventos, nas coletivas, é importante ocupar os espaços, sempre com responsabilidade. Falo em responsabilidade, pois hoje o maior obstaculo é mostrar para quem não conhece o nosso trabalho que a nossa cobertura não é de torcedor e sim de jornalista. Quem conhece e acompanha tem isso muito claro, mas geralmente causa estranhamento muitas vezes em quem não está acostumado com a mídia alternativa”.

No quesito de administrar a paixão pelo clube com a cobertura, André confessou que isso o preocupava no início: “Lidar com a paixão dentro do trabalho era meu maior medo quando embarquei no site. Mas acaba sendo algo natural e que com o tempo você vai aprendendo a lidar, assim como todo jornalista que tem seu clube e trabalha em alguma mídia que cobre esporte. Você aprende a falar primeiro como jornalista e depois como torcedor e isso flui bem, fica claro para quem acompanha. E tem bastidores legais demais dentro disso. O jogo contra o Botafogo na Libertadores, por exemplo. Lembro que eu estava escrevendo as atuações, as notas individuais dos jogadores, e ali na hora do gol anulado do Gómez era adrenalina pura. Fica difícil manter a postura nessas horas (risos)”.

Em relação ao Corinthians, procuramos o portal “Central do Timão”, um dos principais veículos na cobertura do clube. Falamos com Ciro Hey, sócio-proprietário do site. Ele acredita que a maior dificuldade dos veículos segmentados é o “surgimento e a consolidação”.

“Hoje, existem centenas de sites sobre o Corinthians e milhares de perfis nas redes sociais, muitos sem um compromisso jornalístico sério. Nesse cenário, conquistar credibilidade e relevância exige um trabalho consistente e profissional”, afirmou.

Para Ciro, o grande diferencial da Central está na abrangência e profundidade da cobertura: “Além do time masculino, cobrimos o futebol feminino, a base e outras modalidades. No cenário internacional, estivemos na Venezuela (no jogo contra a UCV, pela Libertadores), sendo o único veículo independente presente – ao lado apenas da Globo. No Equador, cobrimos a vitória do Barcelona (também pela Libertadores), em uma cobertura exclusiva feita apenas pela Central, Meu Timão e Globo. No futebol feminino, enfrentamos grandes desafios para levar um repórter à Libertadores no Paraguai, onde ficamos por 15 dias sem direitos de transmissão, superando barreiras para entregar conteúdo de qualidade”.

Com relação às dificuldades financeiras, Ciro diz que a realização de parcerias é fundamental para o mantimento do portal, e destaca outra dificuldade dos veículos segmentados, que é a falta de proteção ao conteúdo nas redes sociais.

“Muitos dos perfis mencionados no início, sem compromisso jornalístico, roubam nosso conteúdo e publicam como se fosse próprio, sem a devida atribuição. Enquanto grandes veículos contam com um suporte mais rigoroso das plataformas para proteger seus conteúdos, veículos independentes como a Central do Timão enfrentam dificuldades para fazer valer seus direitos sobre o material produzido, o que prejudica muito o nosso trabalho”.

Sobre o conflito entre torcer para o mesmo clube que cobre, Ciro enxerga isso de uma maneira positiva: “A paixão não atrapalha, ela impulsiona. É ela que nos faz viajar, investir tempo, esforço e dinheiro para cobrir o Corinthians de maneira completa. A diferença entre um veículo segmentado e um tradicional está na forma de comunicar. Nós falamos diretamente com o torcedor corintiano, então o tom, a abordagem e o olhar sobre os fatos são diferentes. Não escrevemos para um público genérico, mas sim para quem vive o Corinthians diariamente”.

“Se tomamos 3 a 0 do Barcelona, o redator que é torcedor do Corinthians tem que seguir escrevendo, mesmo bravo com o resultado. São detalhes que tornam o trabalho mais exaustivo para quem é torcedor, pois o emocional está envolvido. O jornalista tradicional pode cobrir qualquer clube e se manter mais distante da paixão da torcida. Já nós, não temos essa opção: somos torcedores trabalhando pelo torcedor. Mas há também o lado bom. Estar no dia a dia do Corinthians significa acompanhar momentos históricos do clube, estar em lugares que poucos torcedores terão a chance de estar e saber informações que nem sempre podemos publicar. É um trabalho intenso, apaixonante e de muita responsabilidade”, acrescentou.

Fechando os quatro grandes do estado, conversamos com Felippe Camargo, jornalista responsável pelo “De olho no Peixe”, portal que cobre o dia a dia do Santos. Felippe acredita que o veículo se equipara com as mídias mais hegemônicas.

“O nosso trabalho é igual ao das mídias tradicionais. Pelo menos o De olho no Peixe tenta desenvolver o seu trabalho sempre buscando o que é feito pela mídia que podemos chamar de tradicional. Claro que num primeiro momento, quando o site surgiu, havia um olhar de desconfiança até de colegas da nossa classe, porque achavam que era um canal de torcedor e tudo mais… Mas, todo o conteúdo desenvolvido pelo portal é via inspeção jornalística. Então estar na rua, estar apurando, estar na porta do CT, na porta da Vila, estar nos estádios fazendo todos os jogos… Acho que isso foi mostrando para os próprios colegas de imprensa que o trabalho é sério. E com certeza isso também chega aos torcedores e aqueles que coordenam as competições”.

Felippe acredita que a identificação com o clube que se cobre pode, sim, ser um obstáculo no jornalismo e faz um alerta: “A paixão pode atrapalhar o trabalho. Isso porque você pode tirar os pés do chão quando o time consegue uma sequência de vitórias, ou quando talvez você tem dirigentes que queiram maquiar as coisas, fazer a tal ‘da cortina de fumaça’, por isso é importante esse equilíbrio. A informação sempre em primeiro lugar, a gente não pode agir com a emoção”, concluiu.

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