Ofício da CBF contribui para deixar o futebol sem graça – 08/04/2025 – O Mundo É uma Bola


O futebol convive faz alguns anos com o VAR (video assistant referee), o árbitro assistente de vídeo. Uma figura que, criada com o objetivo de corrigir erros claro e óbvios da arbitragem de campo, tornou o jogo uma chatice.

Erros não claros e não óbvios (os mais comuns, a marcação ou não de pênaltis) são constantemente checados pelo VAR, custando minutos e mais minutos de paralisação das partidas. Não bastasse, a decisão tomada quase sempre é controversa, pois os lances são quase sempre interpretativos.

Tem também a checagem de cada gol.

O jogador faz o gol, comemora. Um tempinho (ou tempão) depois, o gol é anulado pelo VAR: impedimento milimétrico. Frustração.

Ou então o jogador faz o gol e ele é imediatamente anulado: impedimento. Não comemora. Um tempinho (ou tempão) depois, o VAR valida. E o sujeito, atrasado, festeja, sem a explosão de alegria previamente suprimida.

E o torcedor? Seja no estádio ou fora dele, só tem a certeza de que foi gol depois que o árbitro de campo autoriza nova saída de bola, do círculo central. Até lá, permanece a dúvida: será que valeu ou o VAR vai anular? Não há nada menos empolgante.

A dinâmica e emoção, dois dos maiores trunfos do futebol, estão moribundos.

E agora uma decisão da Confederação Brasileira de Futebol é o ponto de partida para cercear o direito dos jogadores de fazerem brincadeiras com a bola nas partidas.

Em decorrência do ocorrido na partida decisiva do Campeonato Paulista, na qual nos minutos finais o holandês Memphis Depay, no campo de ataque, próximo à bandeirinha de escanteio, subiu na bola com os dois pés, a CBF emitiu ofício relacionado à atitude, que fica sujeita a sanções.

Nesse documento, a entidade orienta os árbitros a punir com cartão amarelo o jogador que subir na bola, “com o intuito de provocação à equipe adversária”, além de marcar uma falta (tiro livre indireto) contra o time dele.

Memphis, do Corinthians, equilibrou-se na bola por um ou dois segundos, sendo esse o tempo para irritar jogadores do Palmeiras, que consideraram a ação uma zombaria, um desrespeito, uma afronta.

É lógico que, se o Corinthians precisasse de um gol –não era o caso naquele momento, o 0 a 0 servia para o título–, o holandês não faria aquilo. E foi mesmo provocativo. Mas foi proposital?

O camisa 10, acredito, com a conquista próxima de ocorrer, quis, mais que fazer chacota dos palmeirenses, agradar com um pequeno malabarismo aos milhares de torcedores alvinegros na arena de Itaquera –o mando era corintiano.

Dentro da mesmice do futebol (com a criatividade e a inventividade em baixa, pouquíssimo valorizadas), algo diferente, lúdico (uma firula, uma jogada de efeito, um drible irreverente), é bem-vindo. Sem jogadas desse tipo, o futebol perde a magia.

Saudade dos tempos do Garrincha, que, vi em vídeos, fazia diabruras diante de seu marcador, com fintas nada objetivas, e ninguém reclamava. E saudade do Kerlon, ex-Cruzeiro, apelidado Foquinha, que driblava rivais fazendo embaixadinhas com a cabeça (plástico, divertido), causando extrema irritação nos adversários, que logo lhe davam um pontapé.

Na final do Paulista, Memphis teve noção de que criaria celeuma? Não sei. Sei que nas regras do futebol nada diz não ser permitido subir na bola.

A CBF, em vez de se preocupar com isso, deveria dar um jeito de “despolemizar” o VAR. Esse, sim, ajuda a tirar a graça do futebol.

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Folha de S.Paulo