O Corinthians terminou a temporada 2024 com um recorde de nove vitórias consecutivas no Campeonato Brasileiro e uma improvável classificação à Copa Libertadores de 2025, depois de ter passado boa parte do Nacional lutando contra o rebaixamento.
A chegada de reforços na janela do meio do ano, principalmente a aquisição do holandês Memphis Depay, deu uma nova cara ao time e a esperança ao torcedor de que é novamente possível brigar por títulos —o último troféu adicionado à galeria do clube foi o do Paulista de 2019.
A boa expectativa em relação ao futuro da equipe no campo, porém, contrasta com a delicada situação do presidente corintiano, Augusto Melo, alvo de um processo de impeachment que deverá ser retomado logo nas primeiras semanas de 2025.
O pedido de afastamento do dirigente surgiu no final de agosto, como consequência das investigações na Polícia Civil e no Conselho do clube, ambas ainda sem conclusão, sobre o pagamento de R$ 25 milhões à Rede Social Media Design como comissão de intermediação pelo acordo com a VaideBet. A Rede Social Media Design pertence a Alex Fernando André, o Alex Cassundé, que atuou na campanha de Augusto.
Parte do dinheiro foi repassado à Neoway Soluções Integradas em Serviço, registrada em nome de Edna Oliveira dos Santos, apontada como laranja. Para embasar o processo de impeachment, os signatários do documento afirmam que Augusto Melo, por atuação ou omissão, permitiu que “a imagem da instituição fosse arremessada num lamaçal de notícias degradantes”.
“O Corinthians é vítima”, afirmou Augusto, em julho, em entrevista à Folha. “Desde o começo, eu sempre me coloquei à disposição. Como presidente, o que eu quero é esclarecer o mais rápido possível, mesmo porque o Corinthians é vítima. A partir do momento em que você tem um intermediário que faça alguma coisa, dali para fora o que ele faz é problema dele.”
O cartola também é alvo de outro processo de afastamento, por supostamente ter infringido a Lei Geral do Esporte. Neste caso, O Cori –órgão de fiscalização formado por ex-presidentes e membros vitalícios–argumenta que não foram apresentados balanços auditados e outros documentos que deveriam ter sido entregues.
Em 2 de dezembro, o Conselho Deliberativo se reuniu no Parque São Jorge para votar o impeachment, mas a reunião convocada pelo presidente do órgão, Romeu Tuma Júnior, opositor de Melo, foi suspensa após o mandatário do clube ter conseguido uma decisão favorável na Justiça para paralisar o processo.
A liminar obtida por Augusto, contudo, acabou derrubada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) no último dia 12. Com isso, Romeu Tuma já pode marcar uma nova votação, que deve ocorrer em janeiro.
Em contato com a reportagem, o presidente do Conselho afirmou que pode organizar uma reunião virtual. Seu argumento é que isso pode evitar que os conselheiros sofram ameaças. Além disso, no começo do ano, muitos estarão em viagens.
Na primeira tentativa de votar o impeachment, um forte esquema de segurança foi convocado por Tuma para proteger o Parque São Jorge. Cerca de 480 policiais atuaram na ocasião.
Quando a reunião foi suspensa, Augusto Melo comemorou com os torcedores presentes em frente à sede do clube, sobretudo os membros das torcidas organizadas, que são contra o afastamento do cartola.
Durante o encontro, eles gritavam “não vai ter golpe” e entoavam cânticos na linha de “se o impeachment aprovar, olê, olê, olá, o pau vai quebrar”.
O apoio das organizadas, principalmente da Gaviões da Fiel, maior torcida do clube, tem sido fundamental para Melo se manter no cargo. Em menos de um ano, o cartola perdeu grande parte de seu capital político no Parque São Jorge.
A crise política teve origem com a saída de Rubens Gomes, o Rubão, que ficou conhecido no começo da atual gestão pela frase “acabou a farra”, em alusão aos rivais do clube. Conselheiro vitalício, ele exercia a função de diretor de futebol quando entrou em atrito com Augusto Melo por ter questionado o presidente sobre o pagamento de comissão no contrato com a VaideBet.
Sua saída da diretoria iniciou uma debandada, com a saída de nomes que ocupavam cargos importantes, como os diretores financeiro, jurídico e de marketing, todos indicados por chapas que deram sustentação à candidatura de Augusto. Melo derrotou na eleição André Negão, candidato da então situação, liderada pelo ex-presidente Andrés Sanchez, agora parte da agressiva oposição.
“Talvez tenha tido um pouco da falta de experiência, confiar em pessoas que tinham capacidade. Mas todos somos seremos humanos e estamos sujeitos a errar, graças a Deus aprendemos muito”, analisou Augusto, no último sábado (21), em entrevista à TV Corinthians.
“Não conseguimos ter um planejamento, isso precisa mudar estatutariamente. O presidente, assim que eleito, deve ter voz ativa e transição imediata. Um mês fazer isso e assumir um clube como o Corinthians é muito pouco”, acrescentou o cartola.
Foi a segunda vez que Melo concorreu ao cargo. Em 2020, ele perdeu o pleito para Duilio Monteiro Alves, o último representante do grupo Renovação e Transparência, que ficou 16 anos no poder, responsável por grande parte da dívida que assola a agremiação alvinegra, estimada atualmente em R$ 2,4 bilhões —valor que inclui o financiamento da arena do clube, em Itaquera.
O Corinthians prevê terminar 2024 com as contas no vermelho em R$ 237,8 milhões. O deficit consta em documento enviado a conselheiros do clube. No orçamento para a temporada atual, o clube previa fechar o calendário com superavit R$ 17,5 milhões.
A situação financeira delicada coloca mais pressão sobre as costas de Augusto Melo, que, além de buscar soluções para o problema, precisa, talvez até com mais urgência, trabalhar para manter sua cadeira de presidente.
Folha de S.Paulo