
No Brasil todo dia é um 7 a 1 diferente desde a fatídica semifinal da Copa do Mundo de 2014.
Manifestações de rua, um impeachment, uma pandemia tratada à base da cloroquina, tragédias ambientais, Congresso tomado por incompetentes, crise econômica permanente. Reparem: tudo começou a desandar com a primeira cabeçada de Thomas Müller.
Se, na tese de botequim de Nelson Rodrigues, foi Pelé quem enterrou o complexo de vira-latas e ensinou que o brasileiro poderia encarar de peito aberto quem estivesse à frente, dentro e fora de campo, os 7 a 1 suspenderam por anos a auto-estima conquistada na base da caneta e do chapéu no Rei do Futebol na final de 1958.
Em campo, faz mais de dez anos que basta ver um europeu na frente para qualquer esquadrão mimetizar as cores da camisa e amarelar.
Só na Copa do Mundo foram duas eliminações precoces contra seleções periféricas que tinham como única vantagem comparativa o fato de treinarem do outro lado do Atlântico.
Da mesma forma, os times que se aventuram nos Mundiais de Clubes saíram do país sorridentes com a conquista da Libertadores e voltaram desdentados com as surras aplicadas pelas equipes do Velho Continente. Quando perdiam de pouco, casos de Flamengo (2019) e Palmeiras (2022), a maior conquista era dizer que jogamos de igual para igual.
O “não” a gente já tinha. Faltava conter a humilhação, como a que passou o Fluminense de Fernando Diniz contra o Manchester City de Pep Guardiola.
O histórico de piabas era tamanho que não tinha fluminense, botafoguense, flamenguista ou palmeirense dizendo, à boca pequena, nos grupos de amigos no WhatsApp, que a expectativa para o Mundial de Clubes era nada mais do que um discreto terceiro lugar na fase de grupos sem grandes vexames. Ainda bem que ninguém assinou o contrato antes.
Na primeira rodada do Super Campeonato, Palmeiras e Fluminense encararam potências europeias e bateram na trave, com empates sem gols. Mas, para surpresa de alguns, amassaram os rivais e mostraram o caminho: é possível, sim.
E era.
Na segunda rodada, o Botafogo venceu pelo placar mínimo o temido Paris Saint-Germain, que chegou aos Estados Unidos com um 5 a 0 aplicado contra a Inter de Milão na vitória mais elástica da história da Champions League. Contra o time carioca seria o quê? 8 a 0?
Quem apostou nos franceses apostou no cavalo errado.
No dia seguinte, o Flamengo, já sabendo que não era impossível, foi lá e fez: 3 a 1 contra o milionário Chelsea. E podia ser mais.
Então quer dizer que é possível encarar os europeus de igual para igual?
Veja bem.
A vitória dos cariocas contra os favoritos europeus parece ter resgatado o ufanismo que dormia no fundo do gol do Julio Cesar desde o primeiro gol da Alemanha. Ufanismo, patriotismo, auto-estima, pachequismo. Pode chamar do que for.
Jogar no gramado norte-americano parece ter resgatado a memória afetiva do último mundial de futebol disputado por lá. Foi em 1994 e o Romário estava no auge.
Mas calma lá.
Se para os brasileiros este torneio vale a vida, para os europeus é só o adiamento das férias ao fim de uma temporada frustrante para parte das equipes e sem direito a longas comemorações para o PSG, o grande vencedor do ano.
Contrariados, muitos jogadores decidiram tirar férias enquanto a bola rolava. Só esqueceram de comunicar o técnico e os patrocinadores.
O risco agora é que as derrotas tenham despertado os gigantes que achavam que poderiam vencer os sul-americanos dormindo. Não foi bem assim.
É bom que tomem o susto e voltem a respeitar quem até outro dia tinha o Rei e o reinado do futebol.
Mas o torneio só acaba quando termina.
E este está só no começo.
O maior adversário ainda, diria Nelson Rodrigues, é o vira-latismo. E ele só agora começa a ser chutado para longe.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG
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