Monica Seles enfrenta Miastenia Gravis – 20/08/2025 – Esporte


Por vários anos, uma das grandes campeãs de tênis da era moderna tem existido como uma espécie de fantasma.

Monica Seles conquistou nove títulos de Grand Slam, sete deles antes de completar 19 anos. Com seus golpes de duas mãos de ambos os lados e sua capacidade de acertar as linhas de qualquer lugar, ela era um considerada um fenômeno. Passou 91 semanas consecutivas como número 1, disputando 34 torneios nesse período. Chegou à final em 33 deles.

Em abril de 1993, Seles e Steffi Graf disputavam a supremacia no topo do esporte quando um fã obcecado por Graf esfaqueou Seles durante um evento na Alemanha. Ela retornou após mais de dois anos de tormento físico e mental e prontamente conquistou outro título de Grand Slam, mesmo quando o lugar onde exibia suas habilidades tenísticas já não parecia mais seguro.

Seles se reinventava, enquanto carregava o peso do que havia acontecido. Ela se aposentou do tênis em 2008, continuando a jogar exibições ao lado de outras estrelas, incluindo John McEnroe e Chris Evert. Também orientava jogadores mais jovens.

Mas desde 2019 Seles, 51, nascida na Iugoslávia, praticamente desapareceu da vista do público. Por volta daquele ano, ela começou a experimentar visão dupla e fraqueza extrema nos braços e pernas. Via duas bolas vindo em sua direção na quadra de tênis em vez de uma.

“Eu pensei: ‘Ok, vou superar isso'”, disse Seles em uma videochamada de sua casa na Flórida. “Mas aconteceram alguns episódios –na quadra e na vida diária–, e percebi que havia algo errado.”

Depois de um tempo, ela procurou aconselhamento médico, o que não foi fácil de conseguir quando 2019 se transformou em 2020 e a pandemia de Covid-19 começou. Seu médico a encaminhou a um neurologista, e, após dois anos de testes e exames, ela acabou sendo diagnosticada com Miastenia Gravis, MG, comumente chamada no Brasil de miastenia grave, uma doença autoimune crônica que afeta de 150 a 200 pessoas por milhão em todo o mundo. O sistema imunológico ataca a junção neuromuscular — o caminho através do qual nervos e músculos se comunicam.

Seus sintomas, que incluem a visão dupla e a fraqueza muscular que Seles experimentou, podem vir em fases, tornando difícil obter um diagnóstico preciso.

“Os pacientes podem apresentar fadiga, e então os profissionais de saúde não sabem o que fazer com isso”, disse Beth Stein, diretora de doenças neuromusculares da St. Joseph’s Health, em Nova Jersey.

O que se segue é uma espécie de caça ao tesouro reversa, em que os médicos realizam uma série de testes para eliminar ameaças mortais como tumores cerebrais. Testes de anticorpos podem confirmar a MG, mas alguns pacientes não os apresentam.

“Quando recebi meu diagnóstico pela primeira vez, nunca tinha ouvido falar disso nas notícias ou de qualquer outra pessoa”, disse Seles.

Para Seles, a MG trouxe outra reinvenção, o processo que os tenistas vivem de ponto a ponto, jogo a jogo, set a set e partida a partida ao longo de suas carreiras. Seu retorno ao tênis competitivo após o esfaqueamento ocorreu no Aberto do Canadá de 1995. Ela venceu o título, perdendo apenas 14 games no caminho. Perdeu a final do US Open para Graf antes de se reinventar novamente para vencer o Aberto da Austrália em 1996. O processo definiu sua carreira e, em certa medida, sua vida.

“Depois de sair do meu antigo país para a Academia IMG, tive que me reinventar totalmente”, disse ela.

“Quando me tornei número 1, foi uma grande reinvenção porque todo mundo te trata de maneira diferente. Então, obviamente, quando fui esfaqueada, foi uma enorme reinvenção. E, quando fui diagnosticada, foi uma enorme reinvenção”, acrescentou.

“A parte do dia a dia, de gerenciar isso, dependendo dos meus sintomas, é realmente um ajuste. Acho que qualquer outra pessoa que tenha Miastenia Gravis sabe que é um ajuste contínuo.”

Em alguns dias, Seles pode jogar tênis e pickleball e passear com seus cães. Ela se certifica de jogar com pessoas que entendem o que ela está vivendo. Ainda assim, “alguns dias são muito extremos”.

Isso pode ser difícil de aceitar para uma atleta do mais alto nível. Os esportes são parte de seu DNA, e Seles se perguntava quem ela seria se não pudesse treinar e competir. Novamente, ela recorreu às suas experiências no tênis e a alguns dos desafios que enfrentou na vida.

“Depois do meu esfaqueamento, tive que lidar com isso internamente por alguns anos para processar, e meu diagnóstico de MG foi muito semelhante”, disse ela. “Tive que entender meu novo normal da vida cotidiana, o que posso fazer em termos de trabalho e coisas diferentes.”

Seles planeja comparecer ao US Open em Nova York neste mês para um evento de conscientização sobre sua condição. Ela também pretende assistir a alguns jogos de tênis enquanto estiver lá. O esporte continua sendo uma grande parte de sua vida, e ela o acompanha de perto. Durante sua entrevista, contou que estava contando as horas para a final do Aberto do Canadá, entre Victoria Mboko e Naomi Osaka.

“No tênis feminino agora, nenhum de nós sabe quem vai ganhar qualquer torneio que venha a seguir, e isso é ótimo”, observou.

Ela acompanhava o retorno de Venus Williams, 45, com particular atenção. A semifinal de Wimbledon entre Aryna Sabalenka e Amanda Anisimova a fascinou, enquanto seu coração afundou por Anisimova quando Iga Swiatek a derrotou por duplo 6/0 na final.

Ela gostaria de fazer alguns comentários na televisão. Já fez alguns anteriormente e adorou.

“Eu, pessoalmente, adoro ouvir Chrissy, obviamente”, disse Seles sobre Chris Evert, ex-jogadora que se tornou comentarista. “Ela pode cobrir tantas gerações diferentes e tem a expertise. Ela tem tanta experiência de vida, o que acho que, para a geração mais jovem, é tão importante ouvir.”

De fato, ela tem. Ainda assim, talvez não haja ninguém no tênis que tenha mais experiência de vida do que Seles.



Folha de S.Paulo