João Fonseca não deve ser ‘o que o Brasil tem de bom’ – 17/01/2025 – Marina Izidro


Quando Ayrton Senna se tornou tricampeão mundial de Fórmula 1, em 1991, uma multidão esperou por ele nas ruas em seu retorno ao país. Câmeras de televisão registraram a cena e entrevistaram fãs. Uma jovem contou que colecionava recortes de jornal com as vitórias do piloto. Outra, rindo, tentou explicar tanta euforia: “É a única coisa que o Brasil tem de bom, né?”.

Infelizmente, se a mesma frase fosse dita hoje, quase 35 anos depois, muita gente não estranharia. Discordo totalmente, por achar que o Brasil tem inúmeras coisas boas e porque ela passa a sensação de um inconformismo que não ajuda em nada, mas entendo o que a menina quis dizer.

O sucesso esportivo dos nossos desperta orgulho e é um elemento forte na construção da nossa identidade nacional. Acontece no mundo inteiro, de formas diferentes dependendo do país. Tem o aspecto cultural, mas acredito que a forma como a população é tratada influencia.

No caso aqui da Inglaterra, dá para argumentar que os ingleses são mais fechados em comparação aos brasileiros. Mas, por serem parte de uma sociedade em que são respeitados, com acesso à educação e ao transporte público e menos stress, não colocam nos ombros de um atleta a responsabilidade de ser a única coisa que o país tem de bom. Se uma estrela do esporte perde ou ganha, vida que segue.

João Fonseca é o mais recente atleta a ocupar esse lugar do orgulho nacional. Quem acompanha tênis já previa seu sucesso. Aos 17 anos, chegou às quartas de final do Rio Open, um ATP 500. Aos 18, venceu o torneio Next Gen. Tornou-se o brasileiro mais jovem a disputar um Grand Slam na era aberta ao se classificar para o Australian Open. Foi elogiado por lendas do esporte. Tem talento e maturidade.

Todos temos dentro de nós a capacidade de ficar genuinamente felizes com o sucesso de quem admiramos. Que fique claro, não é sobre torcer para nossos ídolos, o que é ótimo, gera energia positiva. A questão é quando isso passa do ponto, e projetamos exageradamente no outro expectativas que na verdade fazem parte do nosso ideal de sucesso, ou dependemos de feitos de outra pessoa para ter orgulho de nós mesmos ou do nosso país. Como ninguém é perfeito e todo o mundo erra, sempre vamos nos decepcionar. Fica ainda mais perigoso em meio ao lixo que as redes sociais se tornaram, rotulando alguém de herói a fracassado em questão de segundos.

Ao mesmo tempo que acompanhei a alegria da torcida pelo João, depois da vitória dele sobre Andrei Rublev na primeira rodada pensei no tamanho da expectativa sobre um jovem que em algum momento viveria a situação mais normal do esporte de alto nível: perder.

Demorei para escrever este texto. Qual seria o tom certo? Quem sou eu para dizer para as pessoas terem calma, como elas devem torcer? Não tenho direito de fazer isso. Acho, sim, que invadir o Instagram do Rublev para ofendê-lo não é brincadeira, é falta de educação. Ainda mais o russo, que já falou que teve depressão.

Eliminado na segunda rodada na Austrália, João não seria herói caso avançasse, nem é um fracasso por ter perdido. Como diz o velho ditado, muito ajuda quem não atrapalha. O esporte profissional já tem pressão suficiente. Que ele tenha paz para que seu enorme talento se desenvolva ainda mais.

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Folha de S.Paulo