Japão, Argentina e Marrocos expõem novo mapa do futebol mundial


Japão, Argentina e Marrocos expõem novo mapa do futebol mundial
Buda Mendes/FIFA

Japão, Argentina e Marrocos expõem novo mapa do futebol mundial

A primeira fase do Mundial Sub-20 deixou claro que o futebol está passando por uma transformação silenciosa. Japão, Argentina e Marrocos não apenas dominaram seus grupos com atuações sólidas, mas também escancararam o avanço técnico e tático de países que, há poucos anos, dificilmente ameaçariam o protagonismo das potências tradicionais.

Mais do que um torneio de jovens promessas, a competição tornou-se um espelho de como o jogo está sendo repensado ao redor do mundo.

As vitórias contundentes do Japão — três triunfos, sete gols marcados e nenhuma bola na rede adversária — e a consistência da Argentina, mesmo sem nomes como Franco Mastantuono e Echeverri, confirmam que o talento, hoje, está distribuído de forma mais equitativa. Marrocos, que já havia surpreendido o mundo com a semifinal na Copa de 2022, liderou o “grupo da morte” superando Brasil e Espanha, e reforçou que o fenômeno não é casual.

Segundo Thiago Freitas, COO da Roc Nation, “O acesso global a jogos e extratos deles, de diferentes ligas, tem mudado a forma como jovens se inspiram e buscam referências em todo o mundo. O treinamento qualificado está disponível para os mais talentosos de Seattle a Adelaide, passando por Casablanca.”Esse acesso democratizado, somado à migração e ao intercâmbio técnico entre continentes, vem redesenhando a geografia do futebol. “França, Bélgica e Espanha, principalmente, estão formando anualmente dezenas de atletas aptos a defender seleções de suas antigas colônias. Isso fez com que ao longo das últimas duas décadas surgisse um número cada vez maior de seleções nacionais capazes de vencer as mais tradicionais campeãs mundiais”, completa Freitas.O contraste aparece justamente nas seleções mais tradicionais.

Pentacampeão da categoria, o Brasil não passa da primeira fase desde 2011. Em 2023, caiu para Israel nas quartas e, nesta edição, sequer avançou de grupo — empatou com o México (2 a 2), perdeu para Marrocos (2 a 1) e caiu diante da Espanha (1 a 0). Parte dessa queda de desempenho está ligada à ausência de talentos já integrados às equipes principais, como Endrick, Estevão e Vitor Reis — uma limitação que também afetou Espanha e França. Como explica Thiago Freitas, “No Mundial Sub-20, essas mais tradicionais ainda lidam com a indisponibilidade de todos os seus atletas já estabelecidos nas equipes principais de grandes clubes, o que gera uma distorção na percepção superficial, de curto prazo, sobre o nível delas.”

Esse desequilíbrio, porém, vem produzindo algo interessante: um nivelamento técnico que eleva as chances de surpresas. “Essa indisponibilidade está gerando um equilíbrio que não é natural, mas que eleva a possibilidade de surpresas, como se deu com o Brasil, eliminado na primeira fase sem ao menos nove que certamente seriam titulares no grupo que veio ao Chile”, complementa o executivo.Enquanto isso, países antes coadjuvantes ampliam seus investimentos em estrutura e metodologia.

Alexandre Vasconcellos, gerente regional do Flashscore no Brasil, observa que o conhecimento deixou de ser privilégio de poucos. “Atualmente, treinadores do mundo todo compartilham experiências e metodologias online, tanto em cursos pagos quanto em aulas gratuitas. Profissionais do futebol podem acompanhar as principais evoluções do esporte e ajustar, cada um na sua realidade, a maneira de trabalho para tirar o melhor de cada atleta. Na base, o talento ainda está sendo lapidado e a diferença de níveis de experiência e enfrentamento são menores que na fase profissional.”

A ascensão de seleções como Japão e Marrocos é reflexo desse intercâmbio. O Marrocos, que há pouco fez história ao chegar à semifinal no Catar, hoje conta com jogadores consolidados em grandes ligas — como Achraf Hakimi (PSG), Yassine Bounou (Al-Hilal) e Hakim Ziyech (Galatasaray) — e uma base cada vez mais internacional. O Japão, por sua vez, combina o rigor técnico oriental com o aprendizado europeu, formando uma geração que alia disciplina, leitura tática e ousadia.Nesse contexto, o mercado também se adapta. Plataformas como a E-Scout, que já mapeou mais de 8 mil jovens jogadores apenas no Brasil, mostram como o processo de descoberta está cada vez mais precoce e competitivo. “O mercado está cada vez mais precoce, porque clubes e representantes buscam descobrir talentos antes dos concorrentes. Isso gera captações cada vez mais cedo, muitas vezes a partir dos 12 ou 13 anos, mas aumenta também o risco de erro. Por isso, ter boas informações e ferramentas de scout é fundamental para reduzir riscos e tornar o investimento mais eficaz”, analisa Diego Vieira, CEO da plataforma.Ao fim da primeira fase, o que se vê é mais do que um torneio juvenil: é um retrato de uma mudança estrutural. O futebol do futuro será menos concentrado, mais plural e, acima de tudo, mais imprevisível. Japão, Marrocos e Argentina representam o início de uma era em que o talento pode nascer em qualquer canto do planeta — e vencer as potências que um dia pareciam inatingíveis.



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