Por sete anos, a promessa dos Jogos Olímpicos de 2028 tem brilhado no horizonte como uma fonte de orgulho e celebração para Los Angeles. Havia preocupações: a crise de pessoas sem moradia, o estouro de custos, as comparações com a bem-sucedida edição do ano passado, em Paris. Mas, em sua maior parte, 2028 mantinha a esperança de proporcionar um impulso para a economia da região e a imagem internacional tanto quanto as Olimpíadas de 1984.
Tudo isso foi colocado em dúvida no espaço de uma semana.
Os incêndios que devastaram a região apresentaram a Los Angeles um desafio que testaria a capacidade e os recursos de qualquer cidade: como sediar um espetáculo de 17 dias e US$ 7 bilhões (R$ 42,2 bilhões), com a expectativa de atrair até 15 milhões de visitantes para uma região de 18 milhões de pessoas, tudo isso enquanto bairros inteiros destruídos pelo fogo são reconstruídos?
Ninguém está sugerindo que os Jogos sejam adiados ou cancelados em resposta aos incêndios. Mas cresce a preocupação de que um empreendimento já desafiador, tanto para Los Angeles, a principal cidade-sede, quanto para o LA2028 —o comitê privado responsável por arrecadar a maior parte do dinheiro e administrar os Jogos—, tenha se tornado ainda mais complexo.
Mike Bonin, ex-membro do Conselho Municipal que votou a favor das Olimpíadas quando o esforço foi apresentado ao órgão governante de Los Angeles para aprovação em 2017, disse que os incêndios representam um “cenário de pesadelo”.
“Isso coloca em questão a capacidade da cidade de realizar as Olimpíadas”, afirmou.
Em toda a região, as pessoas estão chocadas com a extensão da destruição. Muitos perderam casas e pertences ou fugiram no meio da noite diante de evacuações obrigatórias. Eles acompanharam a tragédia se desenrolar pela televisão e também pelo brilho dos incêndios próximos, pelos céus escurecidos pela fumaça e pelo lamento das sirenes dos caminhões de bombeiros.
Quando os Jogos ocorrem em julho de 2028, autoridades dizem, Los Angeles ainda estará imersa na reconstrução do que foi destruído: casas, empresas, escritórios, locais de culto, prédios municipais e parques.
Os Jogos ocorrerão em quase 50 locais espalhados por um vasto território, de Temecula ao Vale de San Fernando. Mesmo antes da perspectiva de enormes projetos de reconstrução, havia preocupações sobre a logística de mover grandes multidões por uma região sobrecarregada pelo tráfego e com um sistema de transporte com problemas.
Agora, Los Angeles enfrenta os gastos inesperados de milhões de dólares em horas extras para bombeiros e policiais, além dos custos de reparar ou reconstruir estruturas de propriedade da cidade.
O comitê organizador é responsável por arrecadar o orçamento estimado de US$ 7 bilhões (R$ 42,2 bilhões) para a realização dos Jogos, contando com as receitas de venda de ingressos, patrocínios e contribuições do COI (Comitê Olímpico Internacional).
Mas, sob o contrato olímpico aprovado pelo Conselho Municipal de Los Angeles, a cidade é responsável pelos primeiros US$ 270 milhões (R$ 1,63 bilhão) de qualquer estouro de custos. O estado da Califórnia assumiria os US$ 270 milhões seguintes, e qualquer estouro adicional voltaria para Los Angeles.
A vitória de Donald Trump em novembro deixou autoridades da cidade e do movimento olímpico apreensivas sobre quanto poderão recorrer a Washington para obter ajuda, especialmente para a conclusão de uma expansão viária de vários bilhões de dólares que autoridades de Los Angeles prometeram ao COI.
Autoridades apontaram uma razão para consolo, dada a expectativa de uma escassez de trabalhadores da construção nos próximos anos: quase todos os eventos serão realizados em edifícios existentes.
Ainda assim, a situação permanece volátil. O fogo até agora poupou estádios e outros locais olímpicos. Mas o campus da UCLA em Westwood, que em tese abrigará a Vila Olímpica, está sob risco de evacuação obrigatória.
Jadrian Wooten, professor da Virginia Tech, que estudou a economia do esporte, disse que a questão central será “quanto dos recursos da cidade será dedicado à revitalização de áreas para as Olimpíadas e quanto será dedicado à resposta contra incêndios”.
“Equilibrar essas duas prioridades será crucial para determinar se Los Angeles terá tanto o dinheiro quanto a capacidade para lidar com um evento dessa escala ao lado da resposta aos incêndios”, disse.
Casey Wasserman, presidente do LA2028, afirmou estar confiante de que Los Angeles vai se recuperar dos incêndios florestais e que eles não prejudicarão as Olimpíadas. “Los Angeles é definida por sua resiliência e determinação”, afirmou. “A força de nossas comunidades e nossa união nos momentos difíceis tornam esta cidade extraordinária, e, quando Los Angeles receber o mundo em 2028, nosso espírito brilhará mais do que nunca.”
“Eu vi o que as pessoas podem fazer”, disse Wendy Greuel, ex-controladora da cidade e líder do Conselho Municipal, que teve de deixar sua casa no fim de semana. “As Olimpíadas são positivas para esta região, e devemos garantir não apenas que elas possam acontecer mas que ajudarão a nos levantar literalmente das cinzas com o objetivo de reconstruir esta cidade.”
Los Angeles também será uma das sedes da Copa do Mundo em 2026 e o Super Bowl (final da NFL, a liga nacional de futebol americano) em 2027. Mas esses eventos não sobrecarregam uma cidade como os Jogos Olímpicos, que terão competições em vários locais ao longo de duas semanas.
“As pessoas vão querer vir para fazer parte do processo de reconstrução”, disse John Rennie Short, professor emérito da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland. “Além disso, os Jogos poderiam se tornar parte do que chamarei de ‘narrativa de renovação’, já que os defensores da cidade usarão os Jogos como uma maneira de focar a atenção local, nacional e internacional na renovação urbana, na ‘nova’ Los Angeles e na imagem cativante de uma cidade emergindo das cinzas.”
O governador Gavin Newsom, democrata da Califórnia que tem sido frequentemente atacado por Trump, sugeriu que o novo presidente poderia eventualmente ver um benefício em ajudar Los Angeles.
“Esta é uma oportunidade para ele brilhar, para este país brilhar, para a Califórnia e esta comunidade brilharem”, disse Newsom. Para ele, os Jogos oferecem ao mundo uma oportunidade de se unir em apoio a Los Angeles e proporcionar à cidade uma oportunidade de se reconstruir.
Folha de S.Paulo
