Amigos e parceiros de treino nas pistas de atletismo do Sesi (Serviço Social da Indústria) há mais de uma década, o piracicabano Erik Cardoso e o americanense Felipe Bardi são os dois homens mais rápidos do Brasil.
Eles são os únicos atletas do país a correr os 100 metros em menos de dez segundos.
Classificada ao Mundial de Tóquio, em setembro, a dupla traçou como meta renovar os respectivos recordes pessoais em uma competição difícil fora de casa, contra os melhores do mundo, para depois pensar em levar o Brasil até a final e encerrar um hiato de 34 anos.
“Vamos para cima, tentando o nosso melhor para conseguir uma boa corrida”, afirmou Cardoso à Folha. “É um desafio entrar na competição e fazer o seu melhor, o que você está preparado para fazer nos treinos, conseguir concretizar na competição”, acrescentou o velocista.
Padrinho de casamento do amigo, Bardi disse que a parceria estabelecida entre os dois ajuda no desenvolvimento de ambos, tanto dentro quanto fora das pistas.
“A gente sempre foi se ajudando, trocando experiências sobre o que poderíamos melhorar. Nas competições, por mais que fôssemos rivais, correndo lado a lado nas raias, nunca deixamos de nos abraçar e de torcer um pelo outro”, afirmou.
“Apesar da rivalidade dentro da pista, de querer ganhar, fazer marcas boas e bater recordes, nossa amizade sempre prevaleceu fora dela”, disse Cardoso. “Um ajuda na evolução do outro. Ele vai me puxando para ser melhor, e eu vou puxando também.”
Com uma diferença de idade de um ano e meio, Cardoso, 25, e Bardi, 26, conheceram-se ainda adolescentes, quando passaram a treinar juntos no Sesi de Piracicaba, em 2014. Três anos depois, foram treinar em Santo André.
Desde então, colecionaram títulos estaduais, nacionais, sul-americanos e pan-americanos, nas categorias de base e nas adultas.
Os dois foram campeões juntos na prova de revezamento 4 x 100 m nos Jogos Pan Americanos de Santiago, em novembro de 2023, em formação que também tinha Rodrigo Nascimento e Renan Gallina.
Alguns meses antes da medalha, no dia 28 de julho, Cardoso havia se tornado o primeiro brasileiro a correr abaixo de dez segundos, ao completar a distância em 9s97, no Sul-Americano, e bater o recorde de 10s de Robson Caetano, estabelecido em 1988.
No dia 9 de setembro de 2023, foi a vez de Bardi baixar a marca, em 0s01. Prata nos 100 m no Pan de Santiago e com a participação em duas Olimpíadas (Tóquio-2020 e Paris-2024) no currículo, ele já havia corrido em 9s97, mas o tempo não fora homologado por causa de ventos acima de 2 m/s, limite para validar recordes.
A marca durou até o último dia 31 de julho, quando Cardoso fez 9s93 para cruzar em primeiro no Troféu Brasil. Com o desempenho, recuperou os recordes brasileiro e sul-americano e garantiu presença no Mundial do Japão, entre 13 e 21 de setembro.
Bardi chegou em segundo (10s06), mas já havia alcançado o tempo para se classificar ao Mundial duas vezes, no Campeonato Paulista (10s) e no Sul-Americano (9s99), levando o ouro nas duas competições.
Para avançar até a final na capital japonesa, a dupla terá de melhorar seus tempos em alguns milésimos de segundos. Hoje, o melhor tempo de Cardoso é a 16ª marca do ano no mundo; Bardi tem a 30ª.
O melhor tempo do ano é do jamaicano Kishane Thompson, que fez 9s75, em junho, no campeonato nacional do país caribenho. A melhor marca na história continua sendo de Usain Bolt, com 9s58, no Mundial de Berlim, em 2009.
A primeira e última vez em que o Brasil teve um representante entre os oito finalistas nos 100 m do Mundial entre os homens foi com Robson Caetano, em 1991. O brasileiro terminou em sétimo, com 10s12, em prova vencida por Carl Lewis (9s86).
Entre as mulheres, Rosângela Santos chegou à decisão em 2017, obtendo também o sétimo lugar (11s06) na final vencida por Tori Bowie (10s85).
“Queremos fazer nossa corrida, a mesma que conseguimos fazer aqui. Se conseguirmos encaixá-la dentro do Mundial, é muito provável que a gente chegue a uma semifinal e, de repente, até a uma final”, afirmou Bardi.
“Sabemos que é muito difícil repetir a marca dentro de um campeonato como esse. São 48 atletas do mundo todo. A disputa tem os jamaicanos, os americanos, os canadenses, os britânicos… É uma prova sempre muito dura.”
Cardoso reconheceu que é mais difícil fazer o melhor tempo correndo fora do país.
“No Brasil, a gente está mais acostumado com a atmosfera da competição, seja com os torcedores, seja com os adversários, contra quem competimos todo mês. Quando corremos fora, é diferente.”
Americanos e europeus se encontram com mais frequência na Diamond League, enquanto brasileiros têm mais experiência contra sul-americanos, enfrentando os melhores apenas em grandes competições, como o Mundial e as Olimpíadas.
Com a experiência de ter disputado os Jogos de Paris, o corredor mais rápido do Brasil disse esperar que a bagagem internacional adquirida contribua para o desempenho nas pistas. “Se a gente errou antes, o objetivo é chegar agora com mais experiência e procurar acertar.”
“Mentalmente, estamos fazendo um trabalho muito forte para que eles entendam que, independentemente do nível de competição em que estejam, Mundial, Olimpíada, Troféu Brasil, que se concentrem na raia deles”, afirmou Darci Ferreira da Silva, técnico da equipe de atletismo do Sesi-SP.
Folha de S.Paulo