Há 10 anos, Fred “curtia a vida adoidado” e se firmava como ídolo do Flu | Placar



Um dos maiores ídolos da história do Fluminense, Fred dirá adeus ao futebol no próximo sábado, 9, quando o Tricolor enfrenta o Ceará, no Maracanã, às 19h (de Brasília), pelo Campeonato Brasileiro. E se hoje o mineiro de Teófilo Otoni é o segundo maior goleador do clube, com 199 gols (atrás apenas de Waldo, centroavante dos anos 50 e 60, que fez 319), há uma década ele ainda buscava entrar no top 10 enquanto curtia a noite do Rio de Janeiro – sem exageros, mas sem se esconder de ninguém.

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Em reportagem da edição de janeiro de 2012 – uma das várias vezes em que o carismático atacante estampou a capa da revista -, PLACAR detalhou a rotina carioca de Fred, à época com 28 anos, já campeão brasileiro e visto como uma referência no Fluminense. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um dos tesouros de nossos arquivos, relembra a matéria a seguir.

Curtindo a vida adoidado

Aos 28 anos, Fred vive o melhor momento da carreira. Um centroavante que parece que nasceu para jogar no Fluminense. E um mineiro que parece que nasceu para viver no Rio

Eduardo Terra

O conceito de tempo é relativo na vida de Frederico Chaves Guedes – o Fred. Ele precisou de apenas 3 segundos e 17 centésimos para escrever seu nome na história do futebol. Foi a duração da trajetória da bola que chutou do meio-campo, tão logo foi dada a saída, e o estufar das redes do Vila Nova-GO, na partida contra seu América-MG, pela Copa São Paulo de Juniores de 2003.

Tempos depois, para ter reconhecida a condição de ídolo inconteste no Fluminense – com quem mantém uma relação de tapas e beijos, na forma de muitos gols, alguns arranca-rabos e um título aguardado havia quase três décadas -, foram praticamente três anos. E, se hoje o torcedor tricolor vai ao estádio cantar, com sangue nos dentes, que o Fred vai te pegar, é porque no segundo semestre do ano passado o atacante comeu a bola. Só nos últimos quatro jogos do Campeonato Brasileiro, foram nove gols, média de 2,25 por partida, que garantiram a vaga do time na Libertadores, a vice-artilharia, o posto de maior goleador do clube numa edição da competição e o mais importante: um lugar que , hoje dá pra dizer, é só dele no coração das Laranjeiras.

Para que isso acontecesse aos 28 anos, nove deles como profissional, Fred, mineiro de Teófilo Otoni, nunca negou as raízes. Pelo contrário. Combinou-as com a vontade de vencer, o talento inquestionável na área, faro de gol e um gosto sadio pela boa vida que em certos momentos até atrapalhou. Quem convive com ele diz não passar de arroubos da juventude de um sujeito boa-pinta, “boleirão”, resolvido financeiramente e, pra quem entende do riscado, um centroavante da melhor estirpe. “Sou um cara simples, de origem humilde, que não precisa muito pra ser feliz. Se tiver a família, os amigos e alguém pra ajudar, estou realizado”, afirma o vaidoso Fred, “Estopa” para os companheiros por conta do cabelinho estiloso.

É verdade que, para onde foi, Fred sempre teve a família e os amigos consigo, nem que fosse em pensamento. Quando trocou o América-MG pelo Cruzeiro, levou para Belo Horizonte o pai Juarez, o irmão e empresário Rodrigo, e a meio-irmã-meio-mãe Karina, que ajudou a criá-lo quando, ainda garoto, a mãe morreu de câncer. Também vivem na capital mineira as duas irmãs mais novas, Maria Eduarda, filha do pai com a atual companheira, Soraia, e a filha desta, Maria Júlia.

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Seu Barriga

Mas estar ao lado em todos os momentos, incluindo Lyon e Rio de Janeiro, é privilégio de uma espécie de anjo da guarda que dirige, cozinha, é sparring no videogame, ataca de personal stylist e, se for o caso, lava e passa: é o conterrâneo “Barriga”, homônimo do irmão Rodrigo, amigo de todas as horas. “O pessoal brinca e diz que ele é minha `muié”, porque a gente só anda junto. É amigo de infância, mora comigo”, diverte-se o atacante. “Tô com ele desde sempre. Quando ele acorda, o pão já está na mesa”, gaba-se Barriga.

Com ele e o primo Jéfferson, auxiliar de preparação física nas Laranjeiras, Fred mora num confortável apartamento de três quartos próximo ao Arpoador, o pôr do sol mais famoso do Rio de Janeiro, numa avenida de bacanas, a Vieira Souto, onde é vizinho de Caetano Veloso, de frente para o mar de Ipanema, bairro onde pode desfrutar a sofisticação que passou a apreciar assim que a conta bancária cresceu, quando foi morar na França, em 2005. No bairro, ele frequenta a melhor churrascaria, restaurantes japoneses e italianos, cinemas, teatros, e toma o chopinho com as amigas: “Ali é bom demais. Tudo pertinho. Boto um boné e vou”, delicia-se Fred. É bom que se diga, desde que aportou no Fluminense, em março de 2009, sempre foi assim, independentemente da montanha-russa de emoções que foi aquele ano cardíaco de quase rebaixamento, que pariu o “time de guerreiros”, e do vice-campeonato da Sul-Americana, com direito a expulsão no segundo jogo da final, no Maracanã. “Jogador santo não é para clube de futebol, é pra igreja. Também não pode ser bandido. Ele nunca faltou, nunca arrumou atestado médico nem sequer chegou de óculos escuros. Tenho certeza de que tudo o que o Fred fazia, continua fazendo nessa fase maravilhosa”, afirma Alcides Antunes, diretor de futebol tricolor da época, hoje trabalhando no Criciúma.

Com Fred, é fato, o Fluminense deu voos mais altos que, por exemplo, com Romário, outro astro do ciclo Unimed – um período em que se investiu muito em contratações e pouco em estrutura, que foi a deixa alegada por Muricy Ramalho para pedir as contas no início de 2011. Se não voltou a disputar uma final de Libertadores como em 2008, o clube, sob a batuta do atacante, classificou-se duas vezes consecutivas para o torneio, fato inédito na história, foi a uma final de Copa Sul-Americana e ganhou um Campeonato Brasileiro. Contribuíram de maneira relevante os 74 gols em 108 jogos feitos pelo camisa 9, número que ainda não lhe garante um lugar na lista dos dez maiores artilheiros que passaram pela Rua Álvaro Chaves – Magno Alves é o décimo, com 111 -, mas que, em média, nessa mesma lista, só o deixa atrás de lendas como Waldo, Hércules, Welfare e Preguinho. “Hoje, eu o vejo mais maduro. Ele respeita o espaço de todo mundo, mas exerce uma liderança nata. É o nosso jogador de seleção”, afirma o vice de futebol Sandro Lima, o “Sandrão”.

Lesões

Se nesse casamento houve um obstáculo difícil de driblar, foram as lesões. Ao todo, nove. A da coxa, em 2009, o deixou 19 jogos consecutivos afastado, e outra na batata da perna o tirou de 16 partidas no ano seguinte. Para quem olhava de longe, das arquibancadas, Fred se machucava demais porque abusava da farra. Teve torcedor que chegou até a persegui-lo na saída de um bar, num tremendo quiprocó que virou caso de polícia e o levou a questionar sua permanência no Fluminense. Certa vez, ele mesmo chegou a admitir que, assim que chegou ao Rio, deu uma deslumbrada, mas nada a ver com os pedidos de socorro da musculatura, que, de tantas vezes que soaram, fizeram-no sofrer: “Teve momento de chorar, pois ele queria voltar e não conseguia”, afirma o preparador físico Ronaldo Torres que no tempo em que trabalhou com Fred viu o jogador chamar a responsabilidade nos bons e maus momentos: “Quando empatamos com o Goiás, na campanha contra o rebaixamento, alguns quase chegaram às vias de fato no vestiário do Serra Dourada. Ele contornou. Para o jogo seguinte, o Cuca afastou sete jogadores (Fernando Henrique, Roni, Luiz Alberto, Fabinho, Wellington Monteiro e Ruy). Aí o Fred abraçou a garotada, que eram Maicon, Alan, Mariano e Dalton. É um cara inteligente”.

Do ano passado, apesar de não ter conquistado títulos, Fred não tem do que reclamar. “Acho que todas as dificuldades fizeram parte da minha readaptação. Joguei três anos na Europa e a diferença é absurda. Quando tive as lesões mais sérias, temi pela minha carreira, mas nem eu nem ninguém ao meu lado deixou a peteca cair”, lembra, citando a filha Geovanna, de 5 anos, que mora em Belo Horizonte, mas o visita sempre no Rio. “Ela é meu porto-seguro. Mesmo de longe, procuro ser um pai participativo, a menininha é muito exigente. Levo até para dormir na concentração, senão dá briga.”

Com contrato até 30 de abril de 2015, chances não faltarão para Fred entrar na lista de artilheiros do Flu em que ainda não está, erguer as taças que não levantou e, quem sabe, aprender a surfar, já que as pranchas que comprou para ele e para Barriga estão temporariamente aposentadas, assim como as bicicletas elétricas com que deram, no máximo, duas voltas na ciclovia à beira-mar. Prestes a começar a corrida pelo título da Libertadores, Fred está se sentindo tão dono do pedaço que, tempo, para ele, mais do que nunca é relativo. “Os momentos bons superam de longe os ruins”, diz.

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Placar – Abril