O gol anulado do Vasco no jogo contra o Palmeiras revelou mais uma vez como a indignação contra os erros de arbitragem é mera demonstração de egoísmo e incoerência.
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O prejudicado berra aos quatro cantos e o beneficiado cala em mutismo ensurdecedor.
É assim em todos os clubes, do ABC ao Zenit —de Natal a São Petersburgo.
Imaginem a cena, a rara leitora e o raro leitor: em hipotético embate entre a equipe potiguar e a russa, os russos têm um gol anulado por milimétrico impedimento, impossível de ser observado a olho nu, a jogada prossegue porque ao bandeirinha faltam olhos com raios X, a bola chutada por defensor potiguar sobra para atacante adversário que marca um golaço de fora da área, em goleiro, ainda por cima, de seleção nacional e na casa dele.
Dá-se uma explosão de felicidade na equipe visitante, que, por sinal, luta contra crise persistente.
Eis que a turma dos raios X, também chamada de VAR no futebol moderno, aciona seus mecanismos sensíveis para ver, insensíveis para olhar, e adverte o assoprador de apito que há irregularidade no lance, que a ponta da chuteira do atacante na jogada anterior ao gol estava adiante do penúltimo defensor rival.
Nem o VAR nem o assoprador perceberam que o tento nasceu após rebatida, de outro momento, iniciador de novo andamento da peleja.
Na primeira, porque o bico da chanca —é assim que a chuteira era chamada nos tempos do futebol raiz— não pode ser argumento para contrariar o espírito da regra do impedimento, a que pune quem leva vantagem por estar adiantado. Na segunda, porque o gol nasceu de novo lance, o que faz do anterior jogo jogado.
Os protestos do prejudicado são imediatos, altissonantes, justos e oportunistas.
O silêncio do beneficiado é perpétuo, soa ainda mais alto, injusto e incoerente.
Quem perdeu e gritou já ganhou mil vezes do mesmo modo e calou.
Quem ganhou e calou já perdeu mil vezes do mesmo modo e gritou.
Se ao menos nas derrotas não se levantassem suspeitas sobre os autores das falhas, ficaria tudo elas por elas.
Mas não.
É um tal de acusar o sistema, de imputações iradas e veladas, que todos ficam nus diante do egoísmo e da incoerência de cada um: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Assim caminha a humanidade em sua marcha histórica por levar vantagem em tudo.
Danem-se os princípios, dane-se a justiça, pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Afinal, quem é capaz de agir contra o próprio interesse?
São poucos, acredite, mas existem.
Um dia, tomara, serão maioria e o mundo será melhor.
Porque sem utopias tudo fica ainda pior.
Por enquanto, os explorados chiam e a boiada passa.
O BRUXO DE LA PLATA
O inacreditável aconteceu com o Estudiantes na Copa Sul-Americana, feitiço do bruxo Cássio e das traves.
Os argentinos têm motivos para acreditar no dito popular atribuído aos galegos “No creo en brujas, pero que las hay, las hay” e, perdão rara leitora, mudar o sexo das bruxas.
Um time acertar seis vezes as traves no mesmo jogo decisivo é coisa sobrenatural e digna do livro de recordes, embora haja registros de ocorrência igual, como na vitória da Alemanha sobre o Cazaquistão, nas eliminatórias da Copa de 2014, por 4 a 1, com seis bolas na trave.
Só que a Alemanha goleou e o Estudiantes caiu.
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