“Il n’y a plus de Français à Roland Garros“. Os franceses ouvem, ano após ano, a mesma frase: “Não há mais franceses em Roland Garros”. Ela simboliza o fiasco dos tenistas locais, que não ganham o Aberto da França em simples desde o ano 2000, no feminino (com Mary Pierce), e 1983, no masculino (com Yannick Noah). Em alguns anos, a frase é dita já nas oitavas de final.
Este ano, porém, ela ainda não foi dita, graças a uma das maiores surpresas da história dos torneios do Grand Slam. Loïs Boisson (pronuncia-se “Loís Boasson”), 22, atual 361ª do ranking mundial, disputa nesta quinta-feira (5) uma das semifinais contra a americana Coco Gauff, número 2 do mundo.
No caminho, Boisson eliminou a cabeça-de-chave número 3, a americana Jessica Pegula (3/6, 6/4 e 6/4) e, nesta quarta (4), a cabeça número 6, a russa Mirra Andreeva (7/6 e 6/3).
“É incrível para mim ter feito isso”, repete a francesa a cada entrevista pós-jogo.
Filha de um ex-jogador de basquete, Boisson foi detectada aos 8 anos pelo técnico Patrick Larose, que treinou o tenista Jérôme Golmard, top 25 em 1999. “Ela já era uma pepita”, dise Larose. A francesa tem demonstrado um incrível equilíbrio emocional nos pontos decisivos. “Eu fico na minha zona”, explica simplesmente sobre seu foco.
O feito só foi possível porque Boisson recebeu um dos oito “wild cards” (convites, no jargão do tênis) concedidos a cada ano por Roland Garros. Geralmente esses convites beneficiam tenistas locais promissores ou veteranos com ranking insuficiente para entrar diretamente na chave principal.
A francesa é a primeira tenista a chegar às semifinais de Roland Garros com um “wild card”. Há dois precedentes na era profissional, as belgas Kim Clijsters (campeã do Aberto dos EUA em 2009) e Justine Henin (vice do Aberto da Austrália de 2010), mas ambas já tinham carreiras consagradas e receberam o convite porque estavam voltando da aposentadoria.
Boisson deveria ter estreado em Roland Garros no ano passado, mas rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo semanas antes do torneio. Paradoxalmente, ela atribui parte do seu êxito à lesão, que a levou a buscar um psicoterapeuta e trabalhar a parte mental do seu tênis.
A façanha de Boisson é ainda mais impressionante por ser a primeira vez que disputa a chave principal de um Grand Slam. A última a chegar tão longe na estreia foi a americana Jennifer Capriati, em 1990, também em Roland Garros.
Na semana que vem, ela já será a melhor francesa no ranking mundial, mesmo que perca para Gauff, ganhando quase 300 posições na lista. Se for campeã, saltará para o 21º lugar.
Até então, Boisson só se notabilizara por um incidente grotesco em uma partida do torneio de Rouen, na França, em abril passado. Sua adversária, a britânica Harriet Dart, pediu ao árbitro que mandasse a francesa passar desodorante. “Ela está fedendo muito”, disse.
Ao ser questionada sobre o episódio durante Roland Garros, Boisson disse que não ficou sabendo na hora. “Dove, aparentemente precisamos de uma colaboração”, postou a francesa nas redes sociais. Dart pediu desculpas.
Na outra semifinal feminina, haverá um clássico entre a atual número um do ranking, a bielorrussa Aryna Sabalenka, e a polonesa Iga Swiatek, número cinco e campeã de Roland Garros em quatro dos últimos cinco anos.
Folha de S.Paulo