Foto icônica de Muhammad Ali completa 60 anos – 29/05/2025 – Esporte


Quando Muhammad Ali acertou Sonny Liston com um direto certeiro com 1 minuto e 44 segundos do início da luta pelo título, em 25 de maio de 1965, algumas coisas aconteceram em rápida sucessão: Liston foi ao chão. Ali pairou sobre ele, gritando: “Levante e lute, otário!” E, em meio ao estalo e ao brilho dos flashes, Neil Leifer, um fotógrafo freelancer de 22 anos que trabalhava para a Sports Illustrated, apertou o obturador de sua câmera.

Sua imagem de Ali —de pé, com expressão severa, balançando o braço sobre o derrotado Liston— não saiu na capa da revista. Nem foi usada na abertura da reportagem. Foi publicada na última página e, depois, esquecida em um arquivo do editor de fotografia. E, ainda assim, agora, 60 anos depois, a foto de Leifer é considerada por muitos como a maior imagem esportiva de todos os tempos.

Ainda surpreende que a imagem que vem à mente quando pensamos em Ali —um dos atletas mais fotografados da história— tenha sido feita em uma pista de hóquei de um centro juvenil em Lewiston, no estado do Maine, diante de menos de 4.000 torcedores. Mais surpreendente ainda é que a fotografia de Leifer tenha passado de ignorada a icônica.

Aqui, Leifer, hoje com 82 anos, que tirou sua primeira foto para a Sports Illustrated no dia em que completou 16 anos, fala sobre como a imagem ganhou vida própria.

Esta entrevista foi editada por questões de tamanho e clareza.

Vamos voltar 60 anos, para noite da luta pelo título dos pesos-pesados em Lewiston. Algumas das maiores revistas da época enviaram seus fotógrafos mais renomados. Por que Neil Leifer, com apenas 22 anos, foi escalado?
Eu já não era iniciante naquela época. Em 1965, eu já tinha feito 15 capas para a Sports Illustrated. Na época, muitas capas eram ilustradas, com pinturas ou caricaturas, e eu provavelmente conseguia uma em cada duas disponíveis para fotógrafos. Eu também tinha fotografado a primeira luta entre Cassius Clay e Sonny Liston, em Miami [15 meses antes], quando tínhamos cinco fotógrafos —todos meus heróis: Hy Peskin, Marvin Newman, Ralph Morse, Bob Gomel. E eu fiquei com a capa. Em Lewiston, tínhamos dois assentos preciosos na beira do ringue. Herbie Scharfman ficou com um, e eu com o outro.

Na sua foto, seu colega da revista Herb Scharfman aparece entre as pernas de Ali, claramente perdendo o momento. Como foi decidido que Scharfman ficaria de um lado do ringue e você do outro?
Foi escolha dele. Ele gostava de sentar no meio do ringue [ao lado dos juízes] porque, se você está num assento como o que eu estava, fica ombro a ombro com outros fotógrafos e fica apertado. Mas isso não fazia diferença. Sempre entendi uma coisa sobre fotografia esportiva: a importância da sorte. Você precisa ter sorte. E tive sorte de estar no assento certo naquela noite. E quando você tem sorte, não pode errar. O que aconteceu naquela noite foi que tive muita sorte, e não errei.

[Nota do repórter: o fotógrafo da Associated Press, John Rooney, posicionado à esquerda de Leifer, capturou o mesmo momento, mas sua imagem em preto e branco, embora muito divulgada, não tem o mesmo impacto poético ou força da imagem colorida de Leifer.]

Quando Ali e Liston lutaram em Miami, todos achavam que Liston era invencível. As apostas favoreciam ele em 7 para 1. Liston era visto como o boxeador sólido, do establishment, e Ali, então ainda Cassius Clay, como o novato falastrão e extravagante. Para muitos, a vitória de Ali marcou uma nova era para o boxe, para o esporte e para a cultura. Isso passava pela sua cabeça enquanto se preparava para a revanche?
Para mim, essa luta não tinha nada de diferente. Era apenas mais uma luta. Para mim, era um pagamento. Na verdade, entrei achando que ninguém se lembraria dela. Ali tinha vencido Liston tão facilmente em Miami que qualquer pessoa justa sabia que ele não teria problemas em Lewiston.

Como você se preparou para a luta?
Provavelmente cheguei em Lewiston três dias antes para trabalhar com os eletricistas, que você normalmente tinha que subornar. Talvez não subornar, mas quando começava a oferecer dinheiro, conseguia a ajuda que precisava. Eu tinha dois conjuntos de flashes, talvez a uns seis metros acima do ringue, e os eletricistas precisavam pendurá-los no lugar certo e garantir que funcionassem.

Você usou uma câmera Rolleiflex de médio formato. Por quê?
Qualidade. Não há diferença entre a qualidade da minha foto de Ali-Liston e as de Richard Avedon no estúdio. Segundo, eu queria a capa da revista, talvez também a abertura da matéria. Como decidir em uma fração de segundo se fotografa na vertical ou horizontal? Uma das grandes vantagens da Rolleiflex: o quadro quadrado. Você não precisa girar a câmera se estiver pensando em uma dupla página. Você tira a melhor foto e, se cortar bem na vertical, vira uma página inteira ou capa. Se cortar bem na horizontal, vira uma página dupla.

Esses brancos, pretos e vermelhos realmente saltam aos olhos. Como você conseguiu esse efeito?
Você ilumina como se fosse um retrato de estúdio. Acho que éramos três com flashes. Você quer que os lutadores se destaquem e que o tônus muscular seja acentuado. É como fazer um ensaio de moda para a Vogue: você escolhe um ponto no ringue onde pensa “aqui vai ser o melhor lugar para pegar ação” e ilumina o sujeito ali.

O enquadramento não tem distrações visuais. Ele prende o olhar nos lutadores.
Porque não havia comercialização. O tatame era uma lona simples, bege. Nada nos calções. Nada nas luvas. O fundo seria diferente hoje em dia, com todo tipo de porcaria: anúncios de cerveja light, hotel…

Mas também é o fundo escuro. Fale sobre isso.
Fumar era permitido, e na época o público era 90% masculino, e muitos fumavam cigarros ou charutos. Muitos charutos. Os flashes atravessavam a fumaça e criavam uma leve névoa azulada, em vez de um preto total, o que deu um toque mais dramático à foto.

Muita gente chama o golpe que derrubou Liston de “soco fantasma” porque não viram o rápido direto de Ali acertá-lo e assumiram que a luta foi armada. Você viu o golpe?
Me perguntam isso mais do que qualquer outra coisa. Não, ninguém esperava uma luta de dois minutos, e eu estava focado no equipamento. Mas é importante lembrar que Liston levantou e eles voltaram a lutar. Tudo o que ele tinha que fazer era ficar no chão por mais um segundo e estaria acabado. Mas ele se levantou.

Olhando a foto, a gente imagina que Ali ficou parado sobre Liston por uns dois ou três segundos, mas…
Até eu ver o vídeo algum tempo depois, era exatamente o que eu achava.

Mas, ao ver o vídeo e o movimento do braço de Ali, é uma fração de fração de segundo. Quase não acontece. Por que você clicou naquele exato momento?
Não é modéstia: foi pura sorte. Meus flashes demoravam três segundos para recarregar. Três segundos até eu poder tirar outra foto. Se Ali tivesse feito algo ainda mais espetacular dois segundos depois, eu não teria registrado.

Saber que teria que esperar três segundos para a próxima foto torna ainda mais incrível sua decisão de disparar. Você viu Ali começar a balançar o braço?
Você torce para que a ação aconteça em certo ponto. Sabia que a três metros de mim, no centro do ringue, era o lugar perfeito. Então faço duas coisas, e nada mais: foco a câmera —na época não existia foco automático— e deixo os flashes recarregarem. Sabia que o árbitro não estava entre mim e os lutadores. Tudo aconteceu muito rápido, mas eu sabia que tudo estava onde eu queria.

A composição é fantástica. Ali está centralizado. Tem a glória da vitória e a dor da derrota. E é a única foto colorida desse momento. Você sabia que tinha captado o instante certo?
Não fazia ideia. Aconteceu tão rápido.

Hoje, sua foto é considerada por muitos a maior da história do esporte. Mas, quando a edição da Sports Illustrated saiu, ela não estava na capa.
Achei que tinha uma foto muito boa e fiquei bem decepcionado por não estar na capa. Mas não pensei muito nisso, e ninguém mais pensou também. A foto não ganhou um único prêmio. Zero. Nem menção honrosa. Na época, pensei: “Estava no lugar certo e tirei a foto”. Mas isso é algo que as pessoas comentariam 60 anos depois? Nem em um milhão de anos imaginei isso.

[A foto de Rooney, sim, ganhou um prêmio importante da World Press Photo.]

Como sua imagem passou de ignorada a icônica?
Esse é o Ali jovem, no ringue, na sua melhor forma. E ele era bonito. Um sujeito carismático, confiante, um lutador incrível, um ser humano extraordinário. É assim que as pessoas querem lembrar de Ali.

Lewiston foi a primeira luta de Ali após mudar o nome de Cassius Clay. Muita gente não gostou. Depois, ele adotou posições impopulares contra a Guerra do Vietnã e pelos direitos civis. Na época, eram posturas radicais, mas com o tempo viraram o senso comum. A cultura demorou a alcançar a foto?
À medida que a reputação e o prestígio de Ali cresceram, a importância da foto também cresceu. Ele se tornou Muhammad Ali, essa figura icônica que é hoje.

Quando você diz que ele “se tornou” Muhammad Ali…
Essa é a única explicação que tenho, porque a foto em si não é especial. Eu adoro a imagem, tenho orgulho dela, e agradeço a Deus por ter tido sorte de estar no lugar certo e não ter perdido o momento. Mas também não me iludo achando que é a maior foto esportiva de todos os tempos, porque não acredito nisso.

Por que não?
Se eu tivesse tirado exatamente a mesma foto numa luta preliminar com um boxeador negro bonito —mesmo olhar, mesma pose, mesma luz— ninguém teria se importado. O que torna a foto especial é o sujeito. A imagem foi muito generosa comigo, mas não há nada nela que a torne uma grande fotografia. Só estou sendo honesto. Minha imagem preferida é Ali-Williams, porque não foi uma questão de sorte. Veio da minha cabeça. É essa que está pendurada na minha casa, e vai continuar lá enquanto eu viver.

[A imagem de cima para baixo de Leifer mostra a luta de Ali com Cleveland Williams, em 1966.]

Você faria ainda 40 capas para a Time e fotografaria de papas a Charles Manson. Mas é por Ali-Liston que você é conhecido.
Fiz muitas boas fotos, muitas mesmo. Fiz imagens que considero icônicas. Mas não me iludo sobre como teria sido minha carreira se não fosse por aquela imagem.

O fato de essa foto ter ganhado novos significados ao longo de 60 anos muda sua visão sobre a vida de uma imagem?
Não penso muito nesse tipo de coisa. Sempre me diverte ver como as pessoas são tocadas por essa imagem. Às vezes estranhos vêm até mim e não dizem nada, só cruzam o braço no peito. Não critico ninguém por sentir isso. Só digo que, se não fosse Muhammad Ali, você não sentiria o que sente ao olhar para ela.

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.



Folha de S.Paulo