A 2GO Bank, fintech que segundo o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Federal servia como instrumento para lavagem de dinheiro da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), tem atuação no futebol por meio de bancos digitais.
Ela é responsável pelas iniciativas do Vitória-BA e da Torcida Independente do São Paulo, além de ter lançado o Banco Torcedor, iniciativa que, segundo a empresa, oferece melhor gestão e aproveitamento financeiro para potencializar as receitas a partir de pontos de contato com torcedores.
Procurado, o Vitória disse que foi surpreendido pela prisão do CEO da 2GO em operação nesta terça-feira (25) e com a existência de ordem judicial de suspensão das atividades da empresa. O clube reiterou que os contratos formalizados por ele dispõem de cláusulas que versam sobre responsabilidades por atividades ilegais e práticas de corrupção, entre outras.
“O Vitória assim atua nas suas relações jurídicas, porque não compactua, e jamais compactuará, com a prática de qualquer ato que margeie a ilicitude. Por tais razões, diante do aspecto público dos fatos noticiados, e neste específico momento, é que a questão fora submetida a imediata apreciação do Departamento Jurídico do Vitória, para, juntamente com o Conselho Gestor, adotar as providências cabíveis para a proteção dos direitos e interesses do Vitória”, diz nota.
A Torcida Independente não se posicionou até a conclusão desta reportagem.
De acordo com as autoridades, tanto a 2GO Bank e quanto a Invbank empregavam estratégias complexas de engenharia financeira para ocultar os verdadeiros beneficiários dos recursos movimentados.
A Operação Hydra prendeu preventivamente (sem prazo) o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior. Ele é identificado como CEO da 2GO Bank e foi quem se posicionou no lançamento do Vitória Bank (em janeiro de 2024) e do 1972 Bank (em maio de 2024).
O policial civil foi afastado de suas funções desde dezembro de 2022, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública). A Corregedoria da Polícia Civil acompanha os desdobramentos da operação, conforme a pasta da segurança, e está à disposição para colaborar com as investigações.
A proposta dos bancos de torcida, afirmou a fintech à época, era de que o ‘SuperApp’ levasse engajamento por meio de conteúdo, serviços financeiros e experiências exclusivas. Os serviços inclusos são conta digital, Pix, Ted, pagamento de contas, aplicativo exclusivo, internet banking e cartão personalizado, conforme materiais de divulgação da 2GO Bank. Estavam nos planos futuros linhas de crédito, seguros e assistências.
Nas lojas de aplicativo, porém, ambos têm avaliações ruins. Na Google Store, o Vitória Bank tem nota 2,6 de 5 possíveis, com 286 avaliações, enquanto o 1972 Bank conta com nota 3,2 em 115 avaliações. O cenário é semelhante na App Store: nota 2,6 em 76 avaliações para o Vitória Bank e nota 3,6 em 29 avaliações para o 1972 Bank.
Comentários recentes em ambos os casos reclamam da falta de suporte, da demora para fazer análise em relação à abertura de conta e também pela falta de possibilidade de movimentar o dinheiro após depositá-lo. O cartão de crédito funciona no modelo pré-pago, ou seja, o valor depositado na conta serve como limite.
A investigação teve início a partir do acordo de delação premiada de Antônio Vinicius Lopes Gritzbach —assassinado com tiros de fuzil no Aeroporto Internacional de Guarulhos em novembro do ano passado— com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
A 2GO Bank foi fundada por Cyllas. Ele já havia sido preso em novembro do ano passado durante uma operação da PF, sendo solto em dezembro. Elia Júnior já estava afastado de suas funções na Polícia Civil no momento da prisão, e há um procedimento contra ele aberto na Corregedoria da corporação.
Segundo relatório de inteligência financeira obtido pela reportagem, o 2GO Bank atua como banco para casas de apostas, corretoras de criptomoedas, estrangeiros e investidores em jogadores de futebol.
À Folha o professor de Gestão e Marketing Esportivo do curso de Administração da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Marcelo Paganini de Toledo, explica que a associação entre clubes e fintechs surge no caráter de oportunidade para as duas partes.
“Os clubes têm torcedores no Brasil contados de dezenas de milhões, então as fintechs têm essas pessoas como clientes em potencial de forma rápida. E é também uma nova receita para o clube, que engaja a torcida, já que ela é uma fonte alternativa de receita e que pode consumir esses produtos”, analisa.
A associação, por outro lado, não torna o clube necessariamente um polo de possíveis ações que surjam nesse tipo de investigação. A parceria entre clubes e fintechs, inclusive, é uma tendência no futebol brasileiro.
O Flamengo tem, em parceria com o BRB, o Nação Fla, que é um banco digital, assim como o Palmeiras possui o Palmeiras Play.
“O clube é um agente passivo, assim como a torcida, que não tem nada a ver com a história. A investigação é sobre o que é feito com a fintech, não necessariamente com o futebol.”
Folha de S.Paulo