Faz dez anos do 7 a 1 – 07/07/2024 – Juca Kfouri


Há dez anos veio o soco na ponta do queixo. O estrondoso nocaute, algo nunca visto na história do futebol, acabou tratado com esparadrapo, mercurocromo e… Dunga.

Com campanha nas Eliminatórias que indicava a inédita não participação em Copa do Mundo, veio Tite no papel de salvador da pátria, e ele de fato a salvou, com campanha empolgante.

A eliminação nas quartas de final na Copa da Rússia ainda garantiu passagem para o Qatar e lá se deu o ponto final, independentemente do resultado.

Há um dia, outro soco, no estômago, quando o Uruguai bateu o pênalti que eliminou a seleção brasileira da Copa América. Ficamos um ano esperando Godot, quer dizer, Ancelotti.

Por mais que soubéssemos que Godot, quer dizer, Ancelotti, não viria como estava óbvio que não viria porque o mensageiro de sua vinda, o presidente da CBF, não merecia, nem merece, credibilidade alguma, seguimos esperando.

Vieram Ramon Menezes, uma anedota, e Fernando Diniz, uma esperança.

Da anedota, rimos. A esperança durou pouco, quase nada. Então veio Dorival Júnior.

Do Ceará para o Flamengo, do Flamengo, campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, ao desemprego surpreendente, do desemprego surpreendente ao São Paulo, campeão da Copa do Brasil pela primeira vez.

Já não esperávamos mais Godot, quer dizer, Ancelotti, pois tínhamos Dorival e já que não tem tu, vai tu mesmo.

Na estreia, em Wembley, vitória por 1 a 0 sobre a Inglaterra, em amistoso. Tudo bem, mas ganhar de europeu havia se tornado obsessão. No jogo seguinte, no Santiago Bernabéu, 3 a 3, contra a Espanha.
Epa! Que Ancelotti, ou Godot, que nada! Temos Dorival e não o trocamos nem a pau.

Depois dos dois primeiros amistosos, mais seis jogos, quatro oficiais, com duas vitórias (México e Paraguai) e quatro empates (Estados Unidos, Costa Rica, Colômbia e Uruguai). Invicto sim senhor! Dorival Júnior está invicto. E parabéns para ele. Porque o problema não é ele.

Ao tratar o 7 a 1 como aborto da natureza, ao fazer piada daquele 8 de julho de 2014, jogamos para baixo do tapete a falta de caráter e profissionalismo que há décadas assola nosso futebol, realidade encoberta pelo talento de alguns dos melhores craques de todos os tempos, a começar por Didi, em 1958, e culminar com Ronaldo, em 2002.

Poupe-se aqui a rara leitora e o raro leitor da repetição interminável dos gênios que surgiram entre Didi e Ronaldo — inclusive do maior deles.

E nem se trata de ganhar ou perder Copas do Mundo, porque a de 1982 acabou perdida e sobravam caráter e profissionalismo em Telê Santana, no time e, pasme!, no presidente da CBF, Giulite Coutinho, que iniciou processo modernizante no qual trocar o nome de CBD para CBF foi mais que cosmético.

Durou apenas duas gestões. Porque ter o chefão da Fifa, João Havelange, como inimigo, derrubaria até Hércules e o indicado por Coutinho perdeu a eleição seguinte.

Ele organizou a seleção, diminuiu drasticamente o número de clubes do Brasileirão, de 96 para 40 numa tacada só, mas não pôde dar sequência às reformas tamanha a resistência do sistema pútrido de nosso futebol.

Do esparadrapo sobre o 7 a 1 à eliminação em Las Vegas decorreram dez anos e cinco técnicos. Só a CBF permanece a mesma, com os mesmos métodos, outros cinco presidentes depois. E o torcedor segue esperando Ancelotti, quer dizer, Godot.

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Folha de S.Paulo