É possível ser fisiculturista com prótese de quadril? – 22/09/2025 – Músculo


O fisiculturismo é conhecido –dentre outros fatores– por exigir demais do corpo dos atletas. Por isso, muitos acreditam que pessoas com próteses ou demais fatores que podem ser interpretados como limitantes não conseguem participar deste esporte. Entretanto, Marcela Fonseca é um exemplo contrário a essa máxima. Atualmente na categoria Bikini, a profissional de educação física realizou uma artroplastia de quadril há cerca de três anos.

Em entrevista, Marcela diz que a cirurgia na qual colocou a prótese de quadril se deu após anos de convivência com a dor na região. Aos 23 anos de idade, a fisiculturista de Formiga (MG) descobriu ter artrose, uma doença degenerativa que afeta a cartilagem ao gerar um desgaste do tecido de proteção que fica nas extremidades dos ossos. O problema, no entanto, não a impediu de fazer sua estreia nos palcos no ano passado.

“Pensava: ‘Será que consigo?’ Não existe isso. É querer”, afirma. Hoje, após três competições, sendo as duas primeiras sem a utilização de nenhum esteroide anabolizante, ela visa uma carreira esportiva: “Depois que comecei a competir, criei gosto e amor”.

A descoberta

Quando descobriu a artrose, há cerca de sete anos, Marcela não pensou em colocar a prótese de primeiro momento. Como ela já havia aprendido a lidar com as dores na região, pensava que poderia levar a situação adiante. Outro fator que fez a atleta rejeitar a cirúrgica de cara foi a previsão dos médicos de que ela viveria com limitações após a intervenção. “O médico que identificou esse problema disse que a minha vida mudaria: ‘Você não vai conseguir correr nem fazer agachamento’ […] Ele também me falou que a dor não me permitiria mais andar em determinado momento”, conta.

“Um médico até me sugeriu trocar de área quando eu disse que era formada em educação física.”

Embora a atleta mineira tenha aprendido a lidar com a situação, o desconforto só aumentou com o passar do tempo. Foi então que, ao perceber que “chegou o momento” em que ela “não conseguia fazer praticamente mais nada”, decidiu colocar a prótese de quadril aos 27 anos.

O pós-cirúrgico

Após a cirurgia, Marcela ficou mais de dois meses longe da musculação –um dos períodos mais longos de sua vida longe da academia desde que começou a praticar, aos 14 anos. Segundo o médico ortopedista traumatologista Marco Aurélio Neves, é necessário que os pacientes sigam um programa de fortalecimento progressivo.

Ainda de acordo com o especialista em cirurgia de quadril e joelho pela USP (Universidade de São Paulo), a musculação é primordial, e até mais indicada do que atividades como caminhada, por exemplo, nesses casos. “A musculação é uma aliada importantíssima na recuperação e na saúde da articulação. É claro que alguns limites precisam ser respeitados, mas estudos mostram que diversos exercícios –ainda mais aqueles que são realizados em máquinas, como por exemplo o ‘leg press’– acabam impondo menos sobrecarga no quadril do que práticas consideradas mais seguras, como a marcha, por exemplo”, explica o profissional de saúde.

Atualmente, Marcela relata não ter nenhuma barreira motivada pela prótese. “Às vezes, me perguntam: ‘Como você consegue fazer isso?’ Respondo que foi muita paciência, não foi do dia para a noite. Eu tinha muita dificuldade. Faz anos que coloquei a prótese e sinto que só agora comecei a melhorar no agachamento livre, por exemplo”, destaca a fisiculturista.

“Tem que martelar, tem que ser chato. Vai ter dias em que você vai olhar e falar: ‘nossa, que horrível!’ Mas uma hora, se você não desistir, consegue”, conclui Marcela.

Por fim, Neves ressalta a importância que os atletas sob essas condições precisam dar à técnica do movimento e à progressão de cargas. “O fisiculturismo pode ser ruim para quem tem prótese? A primeira coisa que eu preciso falar é que a gente não tem nenhum estudo assim, nenhuma evidência médica específica que acompanhe de forma significativa fisiculturistas que têm prótese. Mas o que eu posso dizer com segurança é que a prática recreativa da musculação é, em geral, muito benéfica e segura para quem tem prótese. É claro que o fisiculturismo levado a um nível muito alto, especialmente o competitivo, vai exigir uma atenção maior. A gente sabe que cargas muito elevadas podem sobrecarregar a articulação e que alguns exercícios podem gerar um desgaste precoce da prótese […] A recomendação que eu dou, do ponto de vista médico, é que o atleta individualize sua conduta ao entender seu histórico. Normalmente, quem tem histórico de treino ao longo da vida consegue voltar e seguir se exercitando com uma boa intensidade.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Folha de S.Paulo