Pode parecer uma pergunta retórica, mas lá vai: devemos ter expectativas em relação a nossos filhos? É salutar que projetemos neles vontades e ambições que apenas pertencem a nós, seus pais?
No tão falado “Adolescência”, da Netflix, objeto de um episódio recente do muito recomendável podcast Café da Manhã desta Folha, o pai do menino agressor espera que o filho se divirta e encontre algum sentido, ainda que fugaz, no futebol.
Mas, numa cena-chave, o pai não tem coragem de olhar para o filho justamente quando ele mais precisa desse olhar, quando ele fracassa em campo, ao tomar um gol defensável.
Na vida real, em que não é preciso condensar anos ou meses em três ou quatro horas, uma situação dessa talvez não tenha tanto potencial dramático —tampouco traumático. Mas um contínuo dessas situações, imagino que sim.
O que fazer, então? Nada esperar dos filhos? Deixar a vida os levar? Nada impor, apenas sugerir? Como lidar com as inadequações e fracassos, recebê-los com altivez e frases de coach, mesmo que eles se acumulem? Devemos correr o risco de fazê-los vivenciar fracassos em série?
São nenhumas as minhas certezas aqui, exceto talvez a de que é fundamental estar sempre junto, acolher —nada que, enfim, precisemos aprender se amamos nossos filhos.
Em casa, mesmo tratando de não exigir muito, tivemos que lidar com uma situação inusitada, a autoexigência de uma de nossas filhas, que recentemente chegou a dizer que seu grande receio é “nos decepcionar”.
Sinuca de bico: mesmo procurando aliviar de nossas filhas cargas provenientes de expectativas exageradas, expectativas que jamais seriam delas, um medo de frustrar alguma expectativa alheia se materializou.
Seria falso e algo patético afirmar que nada esperamos, mas o esporte não é definitivamente o “locus” de qualquer expectativa. Embora minhas duas filhas tenham mostrado um enorme potencial na piscina, o paranauê intrínseco à natação –lavar os cabelos, pelo que entendi, o maior deles– minou a atividade; o tênis, recentemente, animou muito Dudu, a caçula, que tem de fato um backhand promissor, mas jogar tênis em São Paulo é caríssimo, no limite do inviável para pais jornalistas.
(Faço uma confissão aqui: não impedimos que elas pudessem escolher estudar jornalismo, mas, por razões de sobrevivência, desaconselhamos fortemente tal opção.)
A corrida é pouco mais do que uma curiosidade, ainda que a atividade pudesse funcionar maravilhosamente bem para o condicionamento físico geral delas. Incentivo para seguir na “carreira” até houve. Quando tinha 10 ou 11 anos, Vitória, a mais velha, deu um sprint em pace 5 por alguns poucos metros junto comigo ao final de minha primeira maratona e chegou mesmo a ganhar uma medalha por isso, graças à generosidade da funcionária responsável por entregá-las.
Relatei essa passagem em mais detalhe em outra coluna, ainda que a bondosa mulher houvesse pedido para eu não contar aquilo “pra ninguém”.
Falta evidentemente um desfecho aqui, mas sinto que nem o melhor moralista (vale esclarecer: pessoa que arremata com um preceito moral certeiro seu texto ou discurso) pode oferecer esse preceito definitivo e certeiro.
Será que até mesmo o ensino da virtude, tão cara aos gregos, não era fruto da vaidade dos mais velhos?
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